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A música conecta

Música: arte ou negócio?

Por Redação Alataj em Notícias 26.07.2013

Segundo a maioria das definições, do Aurélio à Wikipedia, música é uma forma de arte, expressada a partir da combinação de sons e ritmo. Desde os mais antigos registros, a música sempre figurou como forma de um artista se expressar, traduzir seus pensamentos e sentimentos em forma sonora. Partindo desse pressuposto, podemos concluir que a apresentação ao vivo nada mais é do que o diálogo do artista com a plateia que o está assistindo.

Dentro de qualquer arte pressupõe-se que o público está interessado na qualidade do que está sendo apresentado: ninguém sai feliz do cinema se o filme foi ruim, ou de um teatro com péssimos atores. No entanto, presenciamos um momento no qual os ambientes voltados para apresentações musicais não favorecem em nada a apresentação da música enquanto arte. Na música eletrônica, isso é ainda mais evidente. Proporcionar diversão sempre foi o propósito de diversos estilos musicais, mas dentro de baladas e alguns festivais ela é mera coadjuvante até mesmo no propósito de divertir, e não é mais necessária para o público em geral. Nesses ambientes, aonde a atenção é dividida com efeitos visuais, drogas lícitas e ilícitas, busca por parceiros/as e ostentação, a música está se tornando cada vez mais vazia e “industrializada” – e os verdadeiros artistas estão perdendo seu espaço para produtos da mídia.

Que fique claro que não estou me opondo à existência de todos os elementos citados no parágrafo anterior; o problema é a importância deles, que em muitos casos está acima da música. Em ambientes onde o artista disputa cada metro quadrado do palco com amigos do dono da balada, o ingresso feminino é mais barato (ou gratuito) e o cliente que compra champanhe com foguetinho brilha mais que o DJ, alguma coisa está errada. E entramos numa decadência sem tamanho a partir do momento em que os donos das casas noturnas e festivais perceberam que seu público busca estas coisas, e decidiram não mais investir em artistas inovadores e de talento. Hoje é comum vermos os melhores horários e datas serem ocupados por pessoas ligadas a empresas patrocinadoras, ou por pessoas influentes do meio, geralmente numa tentativa de conseguir uma “retribuição” de qualquer espécie. Falando dos internacionais, quem manda são as grandes agências – que por coincidência ou não, têm como proprietários os mesmos sócios dos maiores clubs e festivais do país.

champagne-com-foguetinho
E viva o vazio!

Em resumo, estamos vivendo o fim da curadoria artística. Com a desculpa de que “precisamos atrair público e pagar nossas contas”, hoje é o departamento de marketing que decide quem toca, quando toca e que destaque recebe – e o resultado é que clubs e festivais estão se tornando cada vez mais um espaço voltado a quem busca todos os outros atrativos, exceto a música. Paga-se cachês altos para DJs e produtores de talento duvidoso, enquanto os poucos que ainda valorizam a música como arte sequer conseguem espaço de destaque nos line-ups, ainda que cobrando muito menos. Mesmo artistas consagrados fora do país têm tido dificuldade para encontrar seu espaço na cena nacional – ótimo exemplo é ver que, apesar de termos diversos clubs com reconhecimento internacional, os artistas listados pelo Resident Advisor como melhores apresentações ao vivo (live acts) do mundo raramente são vistos nas festas brasileiras.

O resultado negativo disso é que quem deveria ser o formador de opinião, o responsável por trazer novidades e enriquecer a cultura nacional, se tornou escravo do seu próprio público. Não bastando, mesmo os raros que gostariam de apostar em novidades acabam escravizados pela situação, pois o excesso de festas apresentando “mais do mesmo” acaba saturando o mercado, e um núcleo inovador dificilmente alcança a sustentabilidade.

Para reverter a situação, não existe outra forma senão estes grandes abrirem os olhos e iniciarem um processo de renovação. Muito se fala que educar o público é papel do DJ, mas antes dela a própria casa deve fazer isso. Não será algo rápido ou automático, mas se continuarmos nessa inércia em que estamos, o futuro da música eletrônica no Brasil estará comprometido.

Originalmente publicado na edição 36 da House Mag. Via Psicodelia.org

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