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A música conecta

Alataj entrevista Camilo Rocha

Por Alan Medeiros em Entrevistas 06.07.2018

O jornalismo de música eletrônica no Brasil deve muito a Camilo Rocha. DJ há mais de duas décadas e reconhecido como um dos primeiros profissionais do jornalismo especializado em dance music do país, Camilo já colaborou com diferentes publicações. Em uma época de pouco ou quase nulo conhecimento sobre música eletrônica no Brasil, ele aprofundou seus estudos e trouxe, em primeira mão, informação sobre as raves para a grande massa. Além disso, escreveu para Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde, O Globo, House Mag e NEXO – Camilo também participou da edição brasileira da biografia do Kraftwerk.

Em seu novo projeto, O Som do Futuro Passado, Camilo Rocha explora as raízes históricas da dance music, sem deixar de lado uma poderosa conexão com o presente e o futuro. Um verdadeiro passeio pela história que inclui informação de difícil acesso sobre os principais criadores, gêneros e inovações do nosso cenário. Além disso, há um importante paralelo com a sociedade e cultura de cada época, o que traz um caráter humano e sociólogo para o curso, pensado para diferentes níveis de conhecimento. No Sábado, o festival de criatividade Subtropikal apresenta Camilo Rocha e O Som do Futuro Passado em Curitiba. Antecipando o encontro, conversamos com Camilo Rocha sobre alguns dos principais pontos de sua jornada, além de detalhes presentes no curso. Vem com a gente:

Alataj: Olá, Camilo! Tudo bem? Obrigado por nos atender. O Som do Futuro Passado: como nome e ideia surgiram? Quanto tempo você demorou da concepção até a primeira turma?

Oi Alan, tudo ótimo e você. Eu é que agradeço pelo espaço. O Alataj é uma iniciativa muito bacana. O nome foi ideia do pessoal do lugar onde fiz a primeira edição do curso, o Espaço Birô. A ideia surgiu assim: o Birô queria fazer um curso de discotecagem e o Millos Kaiser, da Selvagem, sugeriu meu nome. Como o Birô não tem equipamentos, pensamos em fazer um curso mais “teórico”. Mas fiquei em dúvida se ia dar certo. Por mais que a teoria seja importante, quem procura curso de discotecagem quer por a mão na massa, então teríamos que alugar vários equipamentos e acabar concorrendo com vários lugares bons que já fazem isso. Tive então a ideia de vir com um curso mais histórico, que ajudasse a construir um background musical para quem estivesse procurando isso. Pela diversidade das turmas, que tem gente de música, mas também publicitários, produtores de eventos, VJs etc, ficou claro que há uma demanda por esse conteúdo que, claro, está na internet, mas fragmentado e sem edição.

Ter formato e variáveis bem definidos é algo muito importante para um curso que acontece em diferentes situações. Como foi o processo de desenvolvimento para atender públicos e abordagens completamente distintas?

Acho que esse processo nunca para. Fiz um em São Paulo e acabei de começar o segundo. Sábado tem a primeira experiência fora de SP, a ver como funciona. Devo aprender muito aí. Seja como for, o curso busca o equilíbrio entre ter o básico para quem conhece pouco e material mais aprofundado para iniciados. Exemplo: na nova turma de São Paulo tem um aluno de 14 anos. Quando falei sobre Stevie Wonder, por exemplo, achei importante situar para ele. Para os mais velhos provavelmente não era necessário, mas para ele assim. Ao mesmo tempo, recebi feedback de outro aluno, com muito conhecimento, de que na aula ele foi apresentado a nomes que não conhecia. Isso me deixou muito satisfeito.

Hoje é relativamente fácil consumir informação de qualidade ligada a música eletrônica. Mas, e quando você estava começando a escrever, quais eram os meios realmente confiáveis para encontrar informações? Estar no Brasil, um país sem a mesma tradição de pista de outros grandes polos, foi um problema para os primeiros passos sua carreira?

Na era da escassez de acesso e de canais, a era pré-internet, sempre foi um problema encontrar informações. Era essencial gastar dinheiro comprando revistas estrangeiras. Desde os 16, 17 gastei uma boa grana em coisas como NME, The Face, Mixmag, etc (estamos falando do fim de anos 80). Por sorte, comecei a trabalhar na Bizz em 1990 e eles assinavam uma porção de publicações americanas e inglesas. Mesmo assim, lia-se muito e ouvia-se pouco. A solução era comprar discos (mas isso ainda fazia pouco, pois não era DJ profissional ainda), ouvir nas lojas ou programas de rádio e contar com empréstimos dos amigos DJs.

Além do passado, o Som do Futuro Passado também fala com profundidade sobre o presente da música eletrônica. Poderia apontar alguns dos destaques nesse sentido?

As músicas das periferias que ganharam força mundialmente a partir dos anos 2000, como funk carioca, kuduro e gqom, entre outros. Os desdobramentos recentes de gêneros como house e techno, além deste meio de campo meio indefinido/experimental de artistas como Laurel Halo, Caribou, Four Tet e Fatima Al Qadiri. O fortalecimento de uma indústria da dance music global. A consolidação do EDM nos EUA. A popularização do ecletismo e da flexibilidade de estilos no underground na era em que todo subgênero e época da música de qualquer lugar do mundo está disponível para pesquisa na internet. As questões de gênero e representatividade que têm ocupado a pauta com força em anos recentes.

Um dos temas abordados no curso é a relação da música com diferentes sociedades. Na sua opinião, quão importante a dance music tem sido para o desenvolvimento da sociedade moderna? É possível dizer que nossa cena é baseada em uma estrutura base que briga por respeito e igualdade?

Essa é uma questão difícil e dependendo da perspectiva pode ter respostas diferentes. Pistas, raves e clubes estão contribuindo para um “mundo melhor” ao criar espaços de aceitação e expressão para minorias, ao estimular a tolerância e o respeito ao outro, ao diferente? Ou tudo isso é só um monte de energia gasta em diversão e hedonismo que, no fim das contas, não provoca nenhuma transformação de impacto no mundo real? Eu oscilo entre esses pontos de vista. Mais jovem, claro, assinava embaixo do primeiro sem pensar. Hoje, temos de refletir o quanto isso está sendo conseguido. E se não está, se podia ser mais, temos de nos esforçar para que seja. Não nos dar tapinhas nas costas e achar que tá ótimo. A gente sempre pode mais e é nossa obrigação sempre fazer essa checagem do quanto vivemos no discurso e o quanto isso acontece na prática. Para mim, um exemplo recente legal foi a iniciativa da Resident Advisor de extinguir sua lista de melhores DJs porque, no fim, era um ranking que se retroalimentava de homens brancos europeus.

Como você enxerga, de forma sincera, o jornalismo brasileiro ligado a música eletrônica atualmente?

Muita gente boa e iniciativas legais (o Alataj entre elas). Parece haver uma preocupação maior em abrir o escopo, para estilos variados e temas além-música. Um bom exemplo recente foi o especial de representatividade da House Mag. Se há um problema para apontar é a de que muitas vezes, em nome das boas relações (inclusive comerciais), alguns veículos se veem obrigados a amenizar a postura crítica.

Já deixando um gostinho para o pessoal do Subtropikal: o que o público presente pode esperar do Som do Futuro Passado?

História, aprendizado e networking. Uma tarde agradável ouvindo e discutindo a música e as implicações desta trajetória maravilhosa que percorreu a música eletrônica com o apoio de muitas músicas, vídeos e imagens. Encorajo muito o diálogo e participação no curso.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Além de uma profissão, obviamente, a música me proporciona energia, coragem e ideias. É um lugar para onde sei que posso ir sempre que precisar me revitalizar.

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