Há um conceito, simultaneamente fugidio e onipresente, que as crônicas modernas denominam underground. O termo funciona como um mapa em constante reedição: cada definição tenta fixá-lo e, ao fazê-lo, já o desloca — ora é a autenticidade de um estilo musical, ora a penumbra de um espaço físico, ora a resistência de um grupo. Para alguns, funciona como dispositivo de descoberta; para outros, virou mercadoria cooptada por entidades corporativas em busca de uma imitação de frescor. Ainda assim, no centro dessa arquitetura de sombras, reside a cultura clubber: o encontro de indivíduos em espaços protegidos para a celebração do ritmo, da dança e da alteridade.
A estrutura de um club, esse microcosmo que se pretende uma heterotopia ou uma utopia concreta, assenta-se sobre uma trindade de dimensões: a econômica, a social e a estética. É um território onde a colaboração não é apenas um método de trabalho, mas uma prática de vida que movimenta o motor desse ecossistema sensível. A “porta”, essa membrana guardada por seguranças, funciona como o limiar de um templo laico; ela regula a entrada e, ao fazê-lo, gera o simbolismo necessário para sustentar o mito da exclusividade e do pertencimento.
No âmbito social, o club revela-se como o refúgio da “família lógica”, em oposição à família biológica. São áreas protegidas — por vezes secretas — que facilitam a subversão de um ambiente dominante e opressivo. Nelas, a necessidade de proteção permite que grupos marginalizados existam fora das normas da maioria. O club torna-se, assim, um organismo social ativo onde se pratica o êxtase, essa renúncia deliberada à razão que, auxiliada pela música e pelo ritual, conduz a um controle da perda de controle.
A estética dessa cultura não reside apenas no som, mas numa convergência de artes: a arquitetura que ancora o espaço no tempo, o design de interiores que aciona a imaginação, e a iluminação que recorta a noite como matéria. É um laboratório onde a moda urbana e as identidades de gênero se entrelaçam em uma performance contínua. Nesse arranjo, o clube produz uma suspensão temporária das pressões econômicas e das normas da sociedade, permitindo que os participantes habitem, por algumas horas, um mundo imaginado — um ensaio prático de como gostariam de existir fora dali.
É isso que me leva a concluir que a cultura clubber não é o mero “lazer noturno” que o senso comum insiste em reduzir a vício e transgressão. Ela é, antes, um ativo cultural, um “batimento cardíaco” que sustenta a urbanidade e a diversidade das metrópoles. Negar o valor dessas instituições seria tão escandaloso quanto decidir que a cidade só merece cultura do centro para dentro. Pois, como sugere a memória de quem esteve aqui antes, o club é o lugar onde o “nós” prevalece sobre o “eu”, e onde a música, em sua repetição infinita, nos permite encontrar uma comunidade vibrante e harmoniosa em qualquer canto do mundo.
O club é um espelho onde a cidade se olha para descobrir que, sob a luz estroboscópica, todos os rostos são, afinal, o mesmo rosto em busca de um instante de eternidade.