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A música conecta

Alataj entrevista Chico Dub [Novas Frequências]

Por Alan Medeiros em Entrevistas 29.11.2018

Quem consume música e arte de uma maneira geral diariamente está suscetível a manipulação. Essa palavra que, por incrível que pareça pode representar algo bom ou ruim, é uma das diretrizes do trabalho que rege a indústria musical e infelizmente não tem sido usada para o seu melhor lado nas últimas décadas.

Nós, brasileiros, nos acostumamos a consumir uma cultura superficial (o que não é exatamente um problema dependendo da situação) e, mais do que isso, fechamos os olhos ou desprezamos o interesse em ir mais a fundo dentro de algumas temáticas que são realmente importantes para o desenvolvimento de um cenário mais sustentável, como por exemplo a música experimental.

No Rio de Janeiro, o festival Novas Frequências mantém há 8 anos um trabalho consistente e sério que preza pelo desenvolvimento de artistas locais em paralelo com o intercâmbio cultural, que por sua vez é possibilitado através do booking de grandes DJs, produtores, performers e músicos internacionais. Superando as mais diversas dificuldades, o festival se tornou parte importante do calendário de eventos do Rio e esse ano chega com line up encorpado.

Chico Dub, idealizador do festival, conversou com o Alataj sobre as temáticas que rondam esta edição, pautada pelo tema do infinito, um assunto tão desafiador, quanto motivante, para um evento que tem sua curadoria pautada por escolhas e direcionamentos fora do convencional. Confira abaixo o resultado deste encontro:

Olá, Chico! Tudo bem? Muito obrigado por falar conosco. Do fim da última edição, até a concepção da versão 2018 do Novas Frequências: quais acontecimentos foram decisivos para formatação do projeto este ano?

Chico Dub: Curatorialmente falando, fomos pautados pelo “infinito”. Como é nossa 8ª edição, ao buscar temas para a edição 2018, foi praticamente impossível não recorrer a lumniscata, que é o símbolo do infinito, um assunto há séculos pesquisado por alquimistas, filósofos, matemáticos, físicos, cosmólogos, psiquiatras, intelectuais, escritores e artistas de todos os tipos.

O resultado disso então é o que iremos apresentar entre 03 e 09 de dezembro: um show/performance/instalação com duração de 24 horas; paisagens sonoras ligadas a contextos de uso e trabalho com medicina ayahuasca; aulas de hatha yoga com trilha ao vivo; o som do cosmos; um sintetizador natural feito com bacias d’água; clarinetes psicoacústicos e espectrais; drone eterno; misturas entre as batidas do techno com as batidas de pino de automóveis; covers de bases rítmicas jamaicanas; duetos de piano acústico com os sons da cidade; armamento sônico projetado para confrontar as estruturas opressoras de poder; os grandes hits da tropicália tocados ao mesmo tempo; uma homenagem a Maurizio Bianchi, pioneiro da música industrial; afoxé eletrônico e os mitos da cultura nagô; DJs feministas, 160 bpm, a guitarra mais insana que você já ouviu na vida.

Keiji Haino, Fennesz e Moritz von Oswald estão entre os destaques da edição 2018. Como você chegou até estes nomes? O que eles representam na sua trajetória musical?

São nomes que seriam destaque em qualquer evento internacional – dois deles, verdadeiras lendas, com passagens inéditas não só pelo Brasil, mas como em toda a América do Sul, como o von Oswald e Haino. Então achei que já estava na hora de trazê-los, ainda mais porque se encaixam muito bem no tema escolhido deste ano. Pessoalmente, sou fã dos três, já os vi ao vivo e sempre sonhei em recebê-los no festival – principalmente von Oswald, que escuto desde a metade dos anos 90.

O Novas Frequências é uma referência dentro do circuito de eventos focados na música experimental da América do Sul. Na sua visão, o que pode ser feito para que esta cena se fortaleça nos próximos anos?

Precisamos mesmo de tempo. Solidificar uma cena é algo que demora, não é nada rápido, não é uma coisa que acontece da noite pro dia. Os festivais hoje em dia vêm conversando mais – entre a gente e entre nós e os países vizinhos -, os agentes e promotores vêm desenvolvendo redes, os artistas internacionais querem tocar aqui… então acredito que a linha-mestre de uma construção de cena já está aí. Precisa fortalecer, claro, mas a base já existe.

A única observação que eu faço toca no ponto midiático: são poucas rádios, poucos sites, poucas revistas, pouco espaço de uma maneira em geral. Para a cena se fortalecer como um todo no continente, o ecossistema da música experimental precisa crescer também.

Agora… tudo isso é muito bonito de ser dito/escrito. Estamos sofremos com crises econômicas, com crises políticas e tudo isso consequentemente afeta a vida de um festival. A cultura hoje é considerada supérflua, os investimentos caem abruptamente. Somos inclusive marginalizados – vide a opinião de muita gente sobre, por exemplo, a Lei Rouanet. Nossa realidade no Brasil sempre foi muito instável, mas o medo do que virá pela frente nos próximos anos é enorme.

Sabemos que também haverá uma série de apresentações inéditas montadas especialmente para o festival. Quais foram os principais desafios em torno do processo de montagem dessas intervenções?

Montar algo comissionado para qualquer evento é sempre mais complicado. Há mais investimento financeiro, de tempo, há toda uma construção e negociação para encontrar a melhor maneira de montar e realizar – o que em outras palavras significa, ao mesmo tempo, satisfazer o artista e caber no nosso budget.

A apresentação da irlandesa Áine O’Dwyer, por exemplo, é complicadíssima: são 7 dias de performance, cada dia num lugar muito diferente, sendo que quase todas ao ar livre. Não é fácil!

Por outro lado, considero que essas apresentações são justamente o forte do NF. Shows ou lives não são mais suficientes pro festival hoje em dia.

Rio de Janeiro e sua cultura urbana: de que forma esses dois pontos influenciam o DNA artístico do Novas Frequências?

O Novas Frequências entendeu a partir de 2013 que precisava conversar mais com a cidade e não acontecer sempre no mesmo espaço físico. Ao criar uma programação artística desenhada para acontecer em diversos, porém específicos pontos, o festival alargou, e muito, os seus horizontes. Quanto mais espaços diferentes, maior a chance de experimentar novas linguagens e conceitos, de apresentar a música em formatos os mais diferentes possíveis – e até mesmo de ampliar a percepção do público do que pode ser entendido como música. O mais bacana hoje em dia é usar a cidade de forma inteligente, atuante, protagonista. Fomentando espaços que já existem, gastando menos verba com construção de palcos que depois serão desmontados, trabalhando junto com as cenas locais para construir um ecossistema produtivo para todos.

Então de certa forma, tentando responder sua pergunta de forma mais objetiva, o Novas Frequências precisa se relacionar com o Rio: saber o que está acontecendo no underground, ocupar espaços públicos e museus, programar eventos em todo o tipo de casa de show, criar ações site specific etc.

Uma pergunta inevitável: quais são os principais desafios e prazeres da produção do festival?

O principal desafio hoje em dia é continuar evoluindo, montando programações melhores, mais consistentes e mais bem construídas do que a de edições anteriores. E continuar captando recursos para um festival que não se pauta pelas novidades da moda, que possui um formato peculiar e que trabalha com artistas completamente desconhecidos.

Um festival como o Novas Frequências é uma raridade no cenário de eventos no Brasil. Não estamos sozinhos – o que não só é excelente como vital para a nossa continuidade e expansão -, mas também não somos muitos. Em relação aos prazeres, portanto, através do Novas Frequências e de nossos parceiros, conseguimos impulsionar artistas locais e fomentar uma nova cena que está surgindo. Ao mesmo tempo, a nossa visibilidade internacional, consegue, mesmo que de forma tímida, colocar o Rio e o país no mapa global de eventos relacionados.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Amor, paixão, tesão, trabalho e saúde.

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