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A música conecta

Soccer Content | A Copa do Mundo da música de pista

Por Redação Alataj em Soccer Content 28.06.2018

Por Flávio Lerner
Jornalista, revisor de textos, editor da Phouse e irremediavelmente palmeirense.

A Copa do Mundo está começando a esquentar. Depois de algumas grandes surpresas, os últimos jogos da fase de grupos vão se desenrolando, e estamos muito perto de começar a fase dos playoffs, em que o bicho realmente vai pegar.

A partir desta sexta-feira, os 16 sobreviventes da fase de grupos começam a se enfrentar nas oitavas de final, de onde posteriormente vão sair os oito principais times desta edição. Mas e se esses oito times fossem escolhidos não por desempenho futebolístico, mas por tamanho e expressão no cenário da música eletrônica? Muito provavelmente, as quartas de final começariam entre as oito seleções abaixo.

Obs.: Escolhidas entre os países que se classificaram para esta Copa do Mundo. Fazer o que se Estados Unidos, Holanda e Itália pipocaram bizarramente?

Alemanha | Se a geração de Toni Kroos, Khedira e Neuer caiu na maldição dos campeões e deu vexame neste ano, não tem como o país não estar sempre entre os primeiros colocados quando o assunto é música eletrônica. Do pioneirismo do Kraftwerk, que a partir dos anos 70 foi fundamental para transformar as experimentações vanguardistas das décadas anteriores com sons sintéticos em algo pop — estabelecendo as bases para o synth pop, o hip hop e a house music —, ao techno de Berlim, que à época da queda do Muro importou o estilo que nasceu em Detroit para suas squat parties e o remodelou à sua maneira, popularizando-o por toda a Europa e virando referência mundial. Sim, e eles também têm o Berghain.

Inglaterra | Tradicional por ser o país onde o futebol nasceu, a Inglaterra é uma seleção que tem seu peso e seu charme, mas sem lá grande tradição em Copas, já que possui apenas um caneco. Mas quando o assunto é música, a história se inverte: poucos são os países que têm uma camisa mais pesada. Só a cidade de Manchester sozinha tem mais história e legado que muitos países por aí.

Naturalmente, no cenário da dance music não seria diferente. De movimentos nichados, como a northern soul dos anos 60/70 — uma das primeiras expressões da cultura de pista de que se tem registro — aos produtores vanguardistas de hoje, como James Blake e Four Tet, passando pelas clássicas bandas da new wave, como o New Order e o Depeche Mode, e a consolidação de gêneros definidores da dance music, como o UK garage e o drum’n’bass/jungle.

Além disso, o país teve dois grandes momentos definidores da história da cultura de pista: o chamado Second Summer of Love, nos últimos anos da década de 80, em que a acid house foi importada dos EUA direto para as primeiras raves em galpões abandonados; e o Madchester, protagonizado por bandas que misturavam rock e música eletrônica, como o Happy Mondays, e que teve no lendário clube The Haçienda um pedacinho do surgimento do movimento raver também.


Registros da era do Second Summer of Love


A clássica cena do filme 24 Hour Party People, em que um Tony Wilson interpretado por Steve Coogan mostra como o público começou a valorizar o DJ na Haçienda.

França | Apontada como uma das candidatas para faturar o bi em 2018, a França não vive apenas de negros maravilhosos que saem tabelando e tocando, mas também é uma das favoritas quando o assunto é música eletrônica para dançar. O que seria da gente sem o Daft Punk — ou melhor, o que seria da gente sem o movimento french touch?

Bem retratada no filme Eden, a cena francesa brilhou na segunda metade dos anos 90 ao pegar a disco music americana, picotá-la e transformá-la em house dinâmica, melódica e cheia de loops e filtros. O movimento teve seu auge retratado em obras de nomes como Cassius, Modjo, Armand Van Helden, Alan Braxe e claro, o próprio Daft Punk, que tem na obra-prima Discovery o melhor exemplo possível da escola francesa.

Espanha | Em 2010, a seleção comandada por talentos como Iniesta, Puyol, Casillas e Xabi Alonso trouxe o primeiro Mundial para casa. Também apontada como uma das favoritas para o bi na Rússia, quando falamos em música eletrônica a Espanha não se destaca exatamente por movimentos ou artistas em particular, mas pela famosíssima ilha de Ibiza e os sons baleáricos inspirados no clima tropical, leve e praiano do país.

Além disso, Barcelona é a casa do Sónar, um dos festivais mais interessantes do mundo, que une música de vanguarda, tecnologia e arte multimídia em uma celebração da inovação e da criatividade. Neste ano, através do projeto Sónar Calling GJ237b, a label celebrou seus 25 anos de existência mandando músicas de 33 artistas — como Jean-Michel Jarre, Modeselektor, Kode 9, Nina Kraviz, Kerri Chandler, Fatima Al Qadiri, Laurent Garnier, Alva Noto e Soichi Terada — para o espaço sideral, na tentativa de se comunicar com vidas extraterrestres.

Bélgica | A trajetória da Bélgica no futebol e na dance music parece estar, de certa forma, entrelaçada. É um país pequeno, de pouco mais que dez milhões de habitantes, e que nunca chamou muita atenção nem numa coisa, nem na outra. Na verdade, no fim dos anos 80, mais ou menos ao mesmo tempo do Second Summer of Love na Inglaterra, a Bélgica foi destaque em sua cena New Beat, uma resposta mais lenta e grave à house music, que virou febre na Europa por uns três anos.

A partir dos anos 90, no entanto, pouca coisa além de Technotronic e Lasgo bombou no cenário, com menção mais do que honrosa para os irmãos Dewaele, que vêm há mais de duas décadas como uma das forças mais criativas do jogo, em projetos como o Soulwax, os 2manydjs e sua nova label Deewee.

Feita a ressalva, a Bélgica mudou de patamar e se tornou realmente expressiva com a ascensão da EDM na virada desta década. Nomes como Lost Frequencies, Dimitri Vegas & Like Mike, Yves V e Romeo Blanco explodiram mundialmente, impulsionados, claro, pela consolidação de um dos maiores festivais do mundo: o Tomorrowland, que teve papel fundamental para alçar a dance music a um status nunca antes visto globalmente.

Agora, a Bélgica deve seguir revelando cada vez mais expoentes do cenário, enquanto no futebol, a melhor geração de jogadores que já surgiu no país vai buscar seu primeiro título de Copa do Mundo. E não se surpreenda se eles conseguirem.

Austrália | País que virou a escolha de imigração de uma enxurrada de brasileiros nos últimos tempos, a Austrália nunca passou e provavelmente nunca passará de mera coadjuvante em uma Copa. Felizmente, a cena musical compensa. Influenciada provavelmente pelo seu clima praiano e ensolarado, a Austrália é craque em fabricar grandes nomes do cenário indie dance/nu disco.

A safra mais notável veio na transição da década passada para esta. Grupos/produtores como Cut Copy, Pnau, Empire of the Sun, Miami Horror, Midnight Juggernauts, The Presets, Van-She, Flight Facilities, Plastic Plates, Bag Raiders, Chet Faker, Seekae, Hayden James e Flume — boa parte deles no roster do selo Future Classic; e boa parte deles também presentes na playlist do FIFA que montamos na semana passada — formam um verdadeiro dream team australiano da sonoridade indie eletrônica.

Japão | Sem tradição ou força alguma no futebol, o Japão ainda busca confirmar sua classificação para as oitavas, mas ninguém espera que chegue muito longe. Mas se o assunto for cultura pop, o país bate de frente com qualquer um. Bastante atraente para nós, ocidentais, a cultura japonesa nos conquistou há um bom tempinho com seus animes, mangás e videogames.

Boa parte desses games teve trilhas que marcaram época, e boa parte dessas trilhas, por sua vez, foi altamente influenciada pela dance music. E mais: essas músicas de videogame ajudaram a moldar o gosto musical de toda uma geração, o que foi admitido por inúmeros produtores contemporâneos — como Flying Lotus, Fatima Yamaha e Kode 9 — em Diggin’ in the Carts, série documental da Red Bull Music Academy, de 2014, que explora justamente o poder e a influência da música dos games japoneses.

Brasil | Se somos um país fodido em termos de política, economia, desenvolvimento humano e educação — e ainda temos que aguentar o Gilmar Mendes —, ao menos poucos chegam aos nossos pés quando se trata de futebol e música. Nunca precisamos nos preocupar muito com a formação de novos craques no campo, e nossa herança musical é de dar inveja a qualquer um.

Em relação à dance music, o Brasil está um pouco atrás de Estados Unidos e Europa, que largaram na frente nesse cenário, mas estamos chegando lá. Dez anos depois de pioneiros como Marky e Patife abrirem as portas, grandes DJs e produtores vêm surgindo cada vez mais por aqui, nos mais variados estilos — e finalmente começando a explorar toda essa bagagem cultural em suas músicas e sets. Mas não temos como não falar do funk brasileiro, um dos estilos musicais mais controversos que temos por aí, pela série de tabus que abraça.

Amado e odiado por uma série de argumentos razoáveis, pró e contra, o fato é que, gostemos ou não, o funk é a música eletrônica genuinamente brasileira. Não, eu não sou nem um pouco fã dos vocais agressivos e das letras misóginas que predominam em grande parte do país, mas é legal que temos diversos produtores que estão pegando a parte boa do estilo, combinando com outros elementos — incluindo ritmos folclóricos do país — e a levando a outros patamares, como o Omulu, o Leo Justi e o João Brasil.


Meu som favorito do João; extrato de Brasil condensado em pouco mais de um minuto

E aí, alguém arrisca um palpite nesse bolão da música eletrônica?

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