Pedro Maia, o Mochakk, consolidou uma posição notável dentro da música eletrônica contemporânea: a de artista cuja presença transborda o estúdio e a cabine, articulando-se também por meio de projetos de moda, um selo próprio, um club e uma linguagem corporal marcada pela dança e pelo skate. Seu nome — uma fusão entre caffè mocha e Chaac, o deus maia das tempestades — sintetiza a amplitude dessa persona enérgica que ele é, dentro e fora dos palcos. Apesar do ritmo exaustivo das turnês internacionais, ele sustenta no Brasil, mais precisamente em São Paulo, a base afetiva e profissional que considera essencial para manter alguma rotina: “a melhor cidade do mundo, é minha base, não me vejo morando em outro lugar”.
Sua ascensão repentina em 2022, impulsionada por um vídeo viral que redefiniu o conceito de sucesso nas redes, exigiu adaptação imediata a palcos maiores e a uma agenda global. A performance hiperfísica, herança direta do período como B-Boy e dançarino freestyle, funciona como um vocabulário visual que acompanha as nuances das faixas. Para ele, esses gestos são um modo de “traduzir” elementos rítmicos ou texturais para quem talvez não domine a gramática musical da pista. A presença de palco, portanto, não opera como artifício, mas como extensão natural de sua música.
Ao mesmo tempo, Mochakk administra a atenção que recebe sem aderir ao arquétipo da estrela pop do circuito eletrônico. Seu entendimento de visibilidade está ancorado em propósito: “Pra mim, música é um canal, é transformação… às vezes até sem motivo específico, só pra gente sair um pouco de dentro da própria cabeça”. É a partir dessa lógica que ele enxerga sua fama como ferramenta para “fazer coisas legais com pessoas que fazem coisas legais”, colocando a experimentação e a colaboração acima da performance de ego. Essa postura também estrutura sua leitura da comunidade: crescimento, para Pedro, é processo coletivo, não corrida individual.
Essa visão se materializa na DOGGHAÜZ, o selo criado em 2020, que nasceu da percepção de que havia espaço para propostas mais autorais dentro das camadas do house, minimal e deep tech no Brasil. O OBLIQO, club que mantém em Sorocaba, e o Mochakk Calling Festival, que recentemente realizou um takeover brasileiro em Malta, aprofundam o compromisso em fortalecer a cena e criar pontes para talentos emergentes. A lógica é a mesma, resumida em suas próprias palavras: “Amizades, pra mim, são essenciais. Não só no lado pessoal, mas também no profissional”, e “Competição não faz sentido quando todo mundo pode crescer junto, abrir espaço e se levantar mutuamente”.

Musicalmente, Mochakk opera a partir de um repertório largo, ancorado no rock da infância e no universo de funk, soul e disco dos anos 70 e 80 — referências herdadas da mãe e que estruturam sua noção de groove. Sua pesquisa conecta o acid house clássico a versões contemporâneas do drill e do breakbeat britânico, sempre buscando uma “pegada mais crua”. Dentro desse mosaico, a manutenção de uma identidade brasileira não surge como marca superficial, mas como um tributo ao ritmo: ele explora o compasso 2/4 do samba dentro da matriz 4/4 da música eletrônica, fortalecendo uma identidade que leva a assinatura do Brasil. Daí sua rejeição ao rótulo fixo: não quer “nunca ficar preso a um estilo só, ou ser rotulado como artista de um único som”.
Dois momentos marcam sua consolidação global: Da Fonk e Jealous. Lançada pela histórica Nervous Records, Da Fonk representa um divisor pessoal — fruto de uma gravação improvisada em um “‘estúdio’ improvisado, dentro de um armário cheio de travesseiros para isolar o som…”, como ele descreve. A faixa transformou completamente sua trajetória. Já Jealous, via Circoloco Records, tornou-se o grande clássico de peak time em 2023, guiado por um sample de Loleatta Holloway e por uma abordagem mais incisiva dentro do tech house contemporâneo. Essa estreia pela Circoloco abriu portas para uma presença mais frequente no DC-10 e reforçou seu lugar na elite global do house. Como o artista resume, essas faixas “marcam fases diferentes da minha caminhada, cada uma empurrou minha carreira pra um próximo nível de um jeito único”.
Para conhecer ainda mais sobre esta incrível trajetória, convidamos você para mergulhar conosco nesta entrevista exclusiva que fizemos com Pedro:
Alataj – Alan Medeiros: Olá, Pedro! Tudo bem? Obrigado por falar conosco. Você é um artista de projeção global nos últimos anos é algo que gostaríamos de saber para começar essa entrevista é como se encontra sua relação de sair e voltar pra casa no momento? Tem alguma cidade onde você realmente se sente em casa? Como é essa relação de de lar?
Prazer é meu! Eu falo que eu sempre estou correndo atrás do verão. Porque é justamente nessa época na Europa que rolam a maioria dos festivais e a temporada em Ibiza… então passo boa parte do tempo por lá. Aí quando acaba esse período, eu amo voltar para São Paulo para recarregar as energias. Pra mim é a melhor cidade do mundo, é minha base, não me vejo morando em outro lugar. É raro eu conseguir ficar períodos longos em casa, só mais pro fim do ano mesmo, quando é verão aqui na América Latina. Mas quando tô em São Paulo, eu tento entrar em uma rotina de novo, cuido de mim, passo mais tempo com a minha família e amigos… isso me dá gás e prepara pra mais uma temporada intensa na estrada.
Qual a importância das amizades em sua jornada enquanto artista e pessoa? Como você busca manter as velhas amizades e o que considera indispensável ao fazer novos amigos na cena?
Amizades, pra mim, são essenciais. Não só no lado pessoal, mas também no profissional. Eu tenho a sorte de ter vários amigos de longa data comigo, que me apoiam e às vezes até colam nas tours, pra mim isso traz aquele sentimento de “casa”. Na cena, eu acredito muito em colaboração. Competição não faz sentido quando todo mundo pode crescer junto, abrir espaço e se levantar mutuamente. Com a galera que fui conhecendo pelo caminho e rolou conexão de verdade, essa troca foi fundamental.
Não é segredo para ninguém o impacto que as redes sociais tiveram na projeção inicial de sua carreira, mas olhando para trás eu gostaria de entender se você considera que a forma como as coisas aconteceram na verdade tornaram algumas coisas mais difíceis, como por exemplo o reconhecimento de alguns públicos e partes importantes da indústria?
As coisas aconteceram muito rápido comigo, então lógico que rolou um tempo de adaptação: agenda mais pesada, primeira vez tocando em clubs e festivais que eu só sonhava antes… e transformar música no meu trampo “de verdade”. Eu sou muito grato, mas também tem muito corre meu e da minha equipe pra tudo dar certo. Crítica sempre vai existir nesse meio e eu tento não dar muita atenção pra isso. Pra mim, o mais importante é me manter autêntico, tocar e produzir o que eu realmente curto. Sei que não dá pra agradar geral, mas a energia positiva e o carinho que recebo da galera é surreal e me motiva demais.
Cada vez se discute mais o tempo que nós passamos ‘em tela’. Você se considera um heavy user das redes sociais? Vejo que você tem uma presença bem constante no Twitter por exemplo, com uma abordagem bem pessoal inclusive. Isso funciona como um escape para você? É um lugar para ser mais o Pedro do que o Mochakk?
Acho que a gente precisa se reconectar com o agora. As redes sociais deixam a gente ansioso, pensando mais no futuro do que no momento atual. Por isso a galera tá sempre filmando tudo, por exemplo. Mas também pode ser uma ferramenta boa pra se conectar, dividir um pouco da vida, descobrir música nova… eu mesmo uso muito pra isso. Nas minhas redes, eu sou eu mesmo, não fico preocupado com o que tá “em alta” e tento evitar entrar naquele loop infinito de “doom scrolling”.
A DOGGHAUZ é um ponto muito importante da sua história e talvez o grande projeto que você idealizou e participou. Que lugar ela ocupa na sua carreira hoje? Dá pra dizer que o foco de atuação da marca é mais o mercado nacional ou existem ambições internacionais explícitas?
A DOGGHAÜZ surgiu quando a gente percebeu que a cena tava começando a soar repetitiva e que faltava um espaço pra coisas mais originais. A primeira sessão rolou em 2020, comigo, o Cesar Nardini e o Jay Mariani, e dali virou uma label pra lançar o som que realmente faz sentido pra gente. Desde então já soltamos mais de 50 tracks, de house a tech house, minimal e deep tech, com gente muito boa como Drunk & Play, Victor Lou, Jho Roscioli, Duarte, Brisotti, Pricila Diaz, Marian, entre outros. A missão da DOGGHAÜZ é dar espaço pra essa galera aparecer, crescer e seguir empurrando os artistas em que acreditamos. Já fizemos bastante coisa no Brasil, mas também temos planos de expandir lá fora, por exemplo com collabs com artistas de fora e showcases internacionais onde a gente sente que o som da DOGGHAÜZ pode se conectar bem com o público.
Você me parece um cara muito de boa no que diz respeito à forma como lida com o sucesso e com a fama. Como esse processo de sucesso te tocou enquanto pessoa? Você precisou buscar sentido em algumas coisas para evitar uma perda de motivação, por exemplo?
Minha motivação artística nunca foi ser famoso ou o melhor de todos. Pra mim, música é um canal, é transformação… às vezes até sem motivo específico, só pra gente sair um pouco de dentro da própria cabeça. Independentemente de ter sucesso ou não, eu tento simplesmente fazer o que tenho vontade de fazer. Tem a parte de acreditar, lógico, mas também a parte de curtir o processo: aprender, testar coisas novas, me jogar em algo que pode abrir várias portas, como tem acontecido comigo através da música. Essas coisas sempre me moveram. Não sei se é destino ou se é uma mistura de estar fazendo o que amo, com sorte e outros fatores. Mas viver essas experiências por meio da música sempre me deu força pra continuar, mesmo nos momentos mais difíceis.
Da Fonk foi uma faixa que meio que confirmou o lugar que você poderia ocupar dentro da House Music. Quais são as memórias afetivas que você traz desta criação e qual lugar ela ocupa dentro de sua carreira?
Essa track completou 3 anos em julho e mudou minha vida completamente. Lançar pela Nervous Records foi surreal, porque, de repente, eu tava ali com um som meu ao lado de vários clássicos da house music. Os vocais do Joni deram outra dimensão à música, ele é um cantor e produtor incrível com quem eu adoro colaborar. A gravação rolou em um “estúdio” improvisado, dentro de um armário cheio de travesseiros pra isolar o som… e isso deixou o resultado final ainda mais diferenciado. Na época, eu nunca imaginei que passaria dos 43 milhões de streams só no Spotify. Mas, mais do que os números, sinto que a Da Fonk me representa muito como artista. Se acabar sendo meu maior hit de todos os tempos, já fico realizado.
Sobre outro sucesso seu: Jealous. Talvez essa tenha sido a faixa mais amplamente tocada de 2023 e um clássico do House peak time que certamente figurará entre listas para sempre. O sample, a ideia, a energia dela… como você reuniu isso tudo para ganhar vida?
O ponto de partida de Jealous foi o sample de Dreamin da Loleatta Holloway, de 1977. Eu quis pegar essa vibe clássica do Chicago house e trazer uma pegada mais atual, com um estilo mais tech house. Eu fui trabalhando nessa idéia por um tempo no estúdio, até que finalmente cheguei na direção que eu tinha imaginado pra esse sample. Foi o meu primeiro lançamento pela Circoloco Records, de novo um desses momentos que eu pensei: “consegui!”, me senti realizado demais. Ainda é uma das tracks mais pedidas nos meus sets.
Da Fonk ou Jealous, pra escolher só um: qual foi o grande hit da sua carreira até aqui, na sua visão?
Pergunta difícil! Acho que essas duas tracks marcam fases diferentes da minha caminhada, cada uma empurrou minha carreira para um próximo nível de um jeito único. São duas músicas que eu tenho muito orgulho e que nunca imaginei que iriam estourar assim.
Sua relação com a Circoloco é sem dúvidas um ponto central na sua trajetória. Como você avalia o impacto da marca desde as primeiras parcerias? O que você mais admira no trabalho deles? Como descrever de forma breve a real energia das segundas em Ibiza?
Minha primeira vez em Ibiza foi em 2022, e já cheguei direto pra tocar, nem tive a chance de ir antes só como público. Cair logo de cara no DC-10 foi surreal, eu estava super nervoso, ainda mais porque os lineups sempre são de peso, com uns caras que eu sempre admirei muito. Ibiza me ensinou muito a sentir a pista, confiar nos instintos, criar conexão com o público. No DC-10 o espaço ainda tem um ar mais íntimo que te permite ter essa troca mais próxima com o pessoal na pista. Essa vivência acabou virando meu EP duplo na Circoloco Records, Locomotiva Ibiza 2099, que é totalmente inspirado no que eu sinto quando toco lá.
Algo que eu admiro muito em você é essa clara intenção de puxar outros artistas brasileiros para junto do seu momento de sucesso e talvez o Mochakk Calling seja o grande catalisador disso. Queria que você falasse um pouco sobre sua visão a respeito disso e a importância de valorizar talentos e colegas de profissão…
Pra mim, crescer junto é fundamental. Colaborar mantém a cena saudável, criativa, e mostra que tem espaço pra todo mundo. O Brasil tá fervendo de talento, a cena tá crescendo rápido, sendo cada vez mais valorizada. Não é só o Mochakk Calling, mas em geral eu amo trampar com meus amigos e colegas, somar forças. Isso faz parte dos meus valores, tanto pessoais quanto profissionais. Esse ano, por exemplo, rolou o Mochakk Calling Festival em Malta em julho e foi muito marcante. Juntei vários artistas que admiro, fizemos um baita takeover brasileiro e ver a reação da galera foi indescritível. Isso me move mais do que qualquer coisa: expandir a cena, não só pra mim, mas pra todo mundo daqui.
E o OBLIQO: o que te levou a fundar um club na sua cidade natal? Esse certamente não é um dos investimentos mais tranquilos ou fáceis de se fazer, então queria entender se há também essa ideologia de retornar um pouco para a cena que projetou seu sucesso?
O OBLIQO nasceu com a ideia de criar um espaço multifuncional, com uma programação diferenciada, pra juntar a galera e fortalecer a cena de música eletrônica que ainda tava faltando em Sorocaba. Nos line-ups a gente sempre busca misturar vertentes e artistas diferentes com os DJs residentes da casa. A maioria é nacional, mas já trouxemos também nomes de fora, como Seth Troxler e Lovefoxy, e a ideia é seguir trazendo cada vez mais. Além das festas, também rolam workshops com profissionais de várias áreas da música eletrônica, incentivando aprendizado, troca de ideia e networking. Agora em setembro o OBLIQO completou um ano. Estar comemorando um ano de OBLIQO e ver o que a gente já conquistou até agora e o potencial de fazer ainda mais pela cena daqui me deixa super animado para o futuro desse projeto.

Processed with VSCO with p5 preset 
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No começo deste ano escrevemos aqui sobre seu release pela Ninja Tune, sem dúvidas uma conquista de grande representatividade. Como foi desenvolver esse projeto? A estética sonora explorada ali, algo mais Deep e até radiofônico, é algo que você pretende trabalhar mais?
O começo de Messages From The Stars tem uma subida absurda, até que tudo explode quando entra o baixo com aquele synth pesadão. Quando ouvi, pensei na hora: eu tenho que tocar esse breakdown nos meus sets. Só que o original é bem mais lento, com aquela batida típica dos anos 80, então não encaixava. A ideia foi transformar esse momento numa track de house de verdade. O baixo até lembra um 303, bem raiz do acid house. Juntei essa pegada acid com o soul/funk do RAH Band e dei uma reinterpretada do meu jeito.
No lado B do EP tem Maria, que é mais intergalática, com um kick bem marcado, com uma pegada mais voltada para o UK bass. Lançar esse EP na Ninja Tune foi surreal, foi mais um carimbo de peso na minha caminhada. E o que eu achei mais massa foi eles escolherem duas tracks bem diferentes para o EP. Eu amo reimaginar sons assim e trazer referências diversas pras minhas produções. Pode ter certeza que vou continuar nessa linha e ainda tem muita música guardada esperando a hora de sair.
Um de seus recentes lançamentos, Legumes, collab com Kwengface, já vai por outra direção, mais techy, pista e com influências de UK. Esse é o som que define seu momento ou é mais uma peça no quebra cabeça que te forma enquanto artista?
Eu não quero nunca ficar preso a um estilo só, ou ser rotulado como artista de um único som. Ultimamente tenho me jogado mais nos UK sounds: drill, breakbeat… essas vertentes tem uma pegada mais crua que eu curto muito. Legumes foi meu jeito de explorar mais esses elementos e tentar umas coisas novas, então seria mais uma peça no quebra cabeça.
Para finalizar, uma clássica do Alataj. O que a música representa em sua vida?
Música é simplesmente tudo pra mim. É a minha maior paixão e me sinto super privilegiado de poder trabalhar com isso.