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A música conecta

5 coisas que talvez você não saiba sobre: a dança na história da humanidade

Por Alan Medeiros em Notes 02.12.2025

A grade de conteúdo do Alataj é resultado de um emaranhado complexo de ideias que precisa ser organizado em sessões, colunas e séries. Em constante movimento, estamos sempre testando, atualizando e buscando novos caminhos para que o nosso conteúdo seja atrativo e esteja à altura da expectativa de quem nos acompanha. Uma das novidades centrais deste ano foi a criação da coluna Notes, um espaço de pesquisa editorial para publicação de textos que flertam com uma estrutura de artigo, ensaio ou apenas curiosidades. 

Dentro desta coluna, outras sub colunas extraoficiais são publicadas e testadas, como é o caso da Raio X, Hits Made in Brazil e, mais recentemente, o 5 coisas que talvez você não saiba sobre: neste link você confere os dois textos já publicados com este temática, que tem como objetivo mostrar um compilado de fatos atrelados a acontecimentos históricos, que muitas vezes podem ser esquecidos quando a versão mais tradicional desta história em questão vai ser contada, mas que ainda assim possuem enorme importância cultural e histórica, estando muito bem documentado em variadas fontes. Neste terceiro texto, exploramos uma pesquisa direcionada ao ato de dançar, que como você deve bem imaginar, não é exatamente algo novo e possui uma história tão rica, quanto complexa. Vamos lá?


A dança é um fenômeno universal e ancestral, definido como um conjunto de movimentos rítmicos que funcionam como forma de comunicação não verbal. Não há registro de uma cultura humana que não tenha desenvolvido algum tipo de movimento ao ritmo da música. Embora comportamentos rítmicos também apareçam em outras espécies — muitas vezes ligados ao cortejo — na sociedade humana a dança rapidamente se tornou uma prática grupal, o que a coloca no centro das pesquisas antropológicas. A história da dança, que ultrapassa 100.000 anos, reflete a própria história dos rituais e da religião, avançando por cinco fases principais que não se substituem, mas se sobrepõem como camadas sucessivas: do gesto individual ao ritual comunal e, posteriormente, à profissionalização.

Essa atividade é notável porque, em sua forma mais básica, é espontânea e individual, dependendo apenas de bases biológicas como a capacidade de sincronizar movimento e ritmo. Por ser um “sinal cultural” que pode surgir mesmo sem um contexto social elaborado, a dança atuou como um andaime para o desenvolvimento de capacidades cognitivas mais complexas. Ao rastrear essa progressão, descobrimos fatos surpreendentes sobre como o ato de dançar moldou desde nossos laços sociais mais profundos até o próprio surgimento da comunicação simbólica.

A dança começou como um espelhamento do sexo

A fase mais antiga da dança humana, com mais de 100.000 anos, estava ligada ao cortejo e ao acasalamento. A associação forte entre dança e desejo sexual se deve ao fato de que movimentos rítmicos repetidos — muitas vezes envolvendo a pélvis — funcionam como um sinal visual de saúde, força e coordenação. Como forma inicial de comunicação corporal, a dança não requeria música elaborada ou rituais comunitários, mas cumpria seu papel como expressão de aptidão.

Os chocalhos de conchas podem ter sido o primeiro instrumento musical da história

Com o surgimento dos primeiros ritos de passagem e sepultamentos, há cerca de 100.000 anos, aparecem conchas marinhas (como Glycymeris) usadas como contas ou adornos corporais. Quando amarradas juntas nos pulsos ou tornozelos, produziam som ao movimento, funcionando como chocalhos primitivos. Essa combinação entre dança e percussão corporal mostra que música e performance social começaram a se desenvolver simultaneamente, integradas aos rituais e à expressão emocional.

A dança ajudou a desenvolver habilidades necessárias para o surgimento da linguagem

A dança desempenhou papel decisivo no desenvolvimento da mimese corporal — a capacidade de usar o corpo para representar algo de forma intencional. Esse refinamento do movimento, e a diferenciação entre gesto e significado, são vistos como pré-requisitos para habilidades humanas centrais: imitação, comunicação intencional e, posteriormente, linguagem. A repetição e o ensaio de movimentos funcionavam como treinamento para formas mais complexas de simbolização.

A conexão com o surgimento da religião

Por volta de 40.000 anos atrás, a dança passou a ser associada a estados alterados de consciência, xamanismo e rituais mágicos. O movimento rítmico era capaz de induzir transe, interpretado como conexão com o mundo sobrenatural. Artefatos como a figura híbrida do homem-leão encontrada na Caverna de Stadel sugerem experiências visionárias representadas materialmente. A dança, nesse contexto, expandia-se de um rito prático para um sistema simbólico mais amplo, ligado à cura, mediação espiritual e construção de cosmologias.

Dança e agricultura? 

Com o advento das comunidades agrícolas neolíticas (cerca de 10.000 anos atrás), a dança tornou-se um dos movimentos artísticos mais representados. Essa centralidade se relaciona aos rituais calendáricos que organizavam o ciclo agrícola. Em uma economia baseada na domesticação de plantas e animais, era crucial sincronizar as atividades produtivas ao ritmo das estações. As grandes celebrações comunais eram, portanto, ferramentas sociais para garantir ordem, regularidade e coesão, fundamentais à sobrevivência dos primeiros assentamentos sedentários.

Bônus contemporâneo: A dança no combate a distúrbios neurológicos

A capacidade evolutiva de sincronizar movimentos com um ritmo sonoro, que deu origem à dança, hoje está sendo investigada como uma chave para o desenvolvimento de melhores terapias clínicas para pessoas com distúrbios neurológicos de movimento e de linguagem falada. Pesquisas recentes, que estudam a intersecção entre a neurociência da linguagem e da dança, apontam para uma ligação neural potente: o circuito motor responsável pelo movimento rítmico pode ter evoluído como um pré-requisito para o aprendizado vocal em certas espécies.

Essa compreensão tem implicações práticas imediatas; por exemplo, foi observado que a marcha de pacientes com a Doença de Parkinson melhora drasticamente quando eles sincronizam seus movimentos com um metrônomo, o que lhes permite alongar os passos e melhorar o andar. Assim, exercitar os circuitos motores através do movimento rítmico da dança pode ter benefícios complementares para pacientes submetidos a terapias deste tipo.

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