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A música conecta

Top 5 2017: Álbuns por Georgia Kirilov

Por Georgia Kirilov em Top 5 Alataj 22.12.2017

É sempre difícil querer encapsular um ano inteiro em 5 álbuns. É sempre difícil querer encapsular o total de qualquer coisa em fragmentos. Rankings não representam o verdadeiro poder criativo de um artista e não autorizam o leitor a entender o quão intercambiável e conectados os álbuns de fato são. É nesse espírito que o Resident Advisor decidiu parar de fazer seu tradicional ranking esse ano, por exemplo, pois sentiram que aquilo não refletia mais a cena nas suas infinitas possibilidades.

Não podíamos, porém, deixar o ano acabar sem fazer menção aos artistas que quebraram paradigmas no laboratório sonoro. Então fizemos uma escolha aqui daqueles que não só foram os melhores álbuns de 2017, mas aqueles que foram os melhores porque se recusaram a se encaixar em qualquer expectativa, norma, ou forma. Sem ordem hierárquica de melhor para o pior, aqui estão destacados o que, ao nosso ver, fez por merecer a menção e, muito mais importante, o tempo dentro dos nossos ouvidos.

Arca – Arca

Arca é um DJ e produtor venezuelano baseado em Londres, mais conhecido na mídia por ter co-produzido os últimos dois álbuns da Bjork, Utopia (lançado esse ano) e Vulnicura, e também por ter produzido faixas para Kanye West, FKA Twigs e Kelela. Com 28 anos, Alejandro Ghersi, é um dos poucos criativos atuais que carrega no seu som a profundidade da pesquisa introduzida por John Cage e todos que experimentaram durante os anos 60 e 70 com sintetizadores e as infinitas possibilidades do som não só como música, mas como arte. Seu último álbum, entitulado Arca, é uma aula de produção, mesclando gêneros, referências, e técnicas para atingir um resultado que pode não ser facilmente traduzido para qualquer pista, mas que excita a alma. Lançado pela XL Records, os visuais do álbum são mais uma vez parceria do produtor e seu parceiro criativo de longa data Jesee Kanda. Saunter é uma combinação explosiva de noise, música clássica e moderna, que define a abundância de informações com a qual lidamos na era atual com maestria. Whip faz uso de samples que parecem chicotadas reais reverberando e criando, de forma sintética, uma batida que é, na sua essência, orgânica. Castration é a soma completa do álbum, trazendo o etéreo do chill wave com a pontualidade do low-fi e até um pouco de acid, além do noise que permeia todas as faixas é claro. Arca mostra uma preocupação em evoluir – em si mesmo e no seu som que, assim como o título de álbum já mostra, são a mesma coisa – como um ato de resistência, afinal é somente elevando a sua própria vibração que elevamos a do mundo.

Bicep – Bicep

O duo-irlandês Andy Ferguson e Matt McBriar lançou esse ano seu primeiro álbum, auto-entitulado Bicep. A dupla está envolvida na indústria da música há mais de 10 anos e somente lançou um álbum agora, o que explica perfeitamente o tiro certeiro que foi esse tão esperado compilado. Bicep começou com um blog, aonde Ferguson e McBriar dividiam suas faixas preferidas e referências das mais diversas. Colecionadores ávidos de discos, a paixão por música, no seu âmbito mais geral possível, torna-se nítida a cada remix e nova produção, e esse álbum é o caleidoscópio cumulativo de todos os fragmentos que os dois recuperaram na sua jornada sonora. Construído minuciosamente, como um mosaico bizantino, as faixas fluem como se pertencessem a um set. Orca abre as portas para as outras 11 faixas e o faz com o ritmo do house, mas com a fluidez de um instrumento de cordas. Kites mostra o quão inusitada pode ser as combinações propostas quando um BPM mais rápido não é um sinônimo automático de batidas violentas. A multiplicidade de fontes na hora do produção é representada por Rain com seus vocais indianos lindíssimos e puros. Aura fecha o álbum com precisão, oferecendo uma evolução sonora um pouco mais dramática e voltada para a pista, a faixa já era sucesso no Youtube como Unreleased Bicep filmada em uma apresentação do duo. Afinal, Bicep também sabe morder, só que são mordidinhas de prazer.

Fever Ray – Plunge

Karin Drejier faz parte do duo sueco The Knife junto com seu irmão, Olof, e juntos também comandam a loja de discos Rabid Records – vale ressaltar que o duo quase nunca faz aparições públicas e quando ganharam o Grammy sueco em 2003 boicotaram a cerimônia enviando duas representantes do grupo Guerrilla Girls em um protesto contra o domínio masculino da cena. Fever Ray é seu projeto solo que teve início em 2009 com o álbum auto-entitulado Fever Ray. Esse primeiro projeto foi aclamado pelas críticas como uma obra prima, porém, desde então, Drejier nunca mais lançou um álbum e deixou os fãs no limbo por um longo período. Agora, 8 anos depois, torna-se nítido porque a demora, afinal é na calma que jaz a revolução e Drejier tem a força de uma multidão dentro dela. Fazendo uso do low-fi, do noise, e de elementos do acid, a sueca expressa suas frustrações, seus desejos, seus medos e suas esperanças em um microcosmo criado por batidas e vocais violentos. Por mais agressiva que algumas faixas sejam, Drejier não está apontando os dedos para os ouvintes e sim está os convidado a se juntar a ela, na sua raiva e no seu fervor. Fazendo uso de vocais explícitos como “I wanna cum inside” em Wanna Sip e “I wanna run my fingers up your pussy” em To the Moon and Back ela afirma sua identidade de mulher lésbica enquanto reverte o “pejorativo” a seu favor. A noção de confinamento dentro das estruturas (sejam elas físicas ou ideológicas) criadas pelo patriarcado é o tema principal da faixa mais intensa do álbum This Country, nela Ray repete “this house makes it hard to fuck/this country makes it hard to fuck” enquanto clama por “free abortions/clean water/destroy nuclear/destroy boring”. Plunge é um álbum de uma mulher contemporânea consciente e crítica, no qual a música eletrônica serve como agente de mudança e ferramenta para resistência.

Four Tet – New Energy

O primeiro single lançado do novo álbum do produtor inglês Kieran Hebden foi Two Thousand and Seventeen, uma introdução calibrada para esse nova energia da qual Four Tet trata. Uma melodia repleta de dores, esperanças, superações e resoluções é o que permeia a track que tem um título um tanto quanto ambicioso e teve a responsabilidade de apresentar esse projeto para o mundo. Talvez Scientists emane com mais exatidão o que Hebden quer fazer com essa nova vibração sonora, mesclando instrumentos orgânicos, com vocais fluídos até o momento em que são cortados, e referências que vão do jazz até música ritualística. Ou You Are Loved englobe melhor o som ambient pelo qual ele é conhecido hoje. Na verdade, o que Four Tet mostra em New Energy é que não podemos ser tão rápidos em categoriza-lo, pois seu som transcende essas barreiras que limitam o nosso alcance, tanto na criação quanto na compreensão. Por meio de uma justaposição equilibrada entre caos e ordem, Hebden convida seus ouvintes a meditarem sobre que posição tomar em um mundo que nos ataca de maneira cada vez mais violenta e a questionar se existe mesmo uma maneira de vencer dentro do sistema ou se é preciso uma nova energia.

Joakim – Samurai

Joakim é um DJ e produtor francês que já trabalhou com o mais diverso grupo de artistas, desde de Tiga até Neil Young, e por isso traz uma miríade de sonoridades para sua música mesclando até rock com disco. Dono da label Tigersushi, Joakim estudou música clássica antes de se aventurar no jazz, hip hop e electronica. Seu primeiro álbum, lançado em 1999, explorava sons instrumentais com uma pegada jazzy. Quase 20 anos depois, seu sétimo álbum, Samurai, teve inspiração de NY e de synth pop japonês dos anos 80 e trata-se de uma cacofonia orquestrada minuciosamente que mantém o ouvinte em um estado de confusão perpétuo e delicioso. Cannibale Pastorale é uma das faixas mais elaboradas, ricas e surpreendentes da carreira de Joakim e representa o álbum com proficiência. Para entender um pouco melhor de onde surgiram sons tão complexos ele fez uma mixtape com as suas referências, guiando o ouvinte crítico e interessado por uma jornada de estilos de um curador milenar.

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É claro que existem outras diversas possibilidades de Top 5, mas esses cinco álbuns se destacaram por criarem um tempo musical que se encaixa – ou quebra a conexão por completo – com o ritmo da humanidade em 2017. Com seus olhares críticos, vozes desafiadoras e questionamentos intrínsecos do nosso momento atual, esses artistas produziram verdadeiros manifestos musicais. A música conecta as pessoas!

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