A vida é mesmo uma caixinha de surpresas, não é mesmo? A gente faz planos e planos para tempos futuros e quando vê a vida nos leva para um caminho inusitado, muda nossos planos, às vezes de maneira incrível. Esse é o caso de Pedro Bertho, o brasileiro que resolveu viajar para Lyon, na França, para um ano de estudos e descanso e hoje está encabeçando projetos bem interessantes por lá.
É claro que sua relação com a música já vinha há muito tempo e ele já atua como DJ e produtor há muitos anos, tendo passagens por clubs e rádios conceituados mundo afora como Baby’s all right (NY), The Lot Radio (NY), Red Light Radio, Le Mellotron, Radio Meuh, entre outros. Hoje, Pedro está imerso no mundo da música eletrônica mais do que nunca, encabeçando o coletivo Furie juntamente com o duo Sheitan Brothers e o brasileiro Nilo, a festa open air Brasa, além de sua carreira como DJ e produtor.
Seu último trabalho na criação é o novo EP Abre Caminhos, projeto musical que será lançado no dia 16 de outubro pela Hell Yeah Records, gravadora italiana, com três faixas originais do artista. Rolou um papo com ele sobre essa feliz reviravolta em sua vida, os projetos que atua, carreira como artista e muito mais.
Alataj: Olá Pedro, tudo bem contigo? Obrigada por falar com a gente! Você se mudou para Lyon há um ano atrás e o que era pra ser um ano sabático e de estudos acabou se transformando em um pontapé para viver de música. Qual o motivo da escolha da cidade? de alguma forma a cultura eletrônica que você vive aí influenciou na sua maneira de enxergar música?
Pedro Bertho: Oie, Alan, Laura e toda equipe Alataj! Primeiro, muito obrigado pelo espaço aqui. =)
Pois é. Vim para cá a procura de novos ares e, também, na época estava procurando um respiro e reflexão sobre minha carreira como comunicador. Fazia alguns anos que vivia essa vida dupla de trabalho com marketing e música. Tinha chegado um pouco num limite, ou melhor, num momento de repensar como gostaria de tocar minhas duas carreiras, onde a música me convidava de forma mais latente nos últimos anos.
Lyon? Minha irmã tinha morado aqui há muitos anos atrás e tinha chegado a visitar a cidade na época. Já faz algum que tempo que Lyon faz parte do circuito de música contemporânea em geral com festivais importantes, labels e artistas bem massas. Fora toda sua relação também com arte como um todo. Uma cidade que é pólo de dança, Hip Hop, skate…enfim. Existe um atmosfera cultural bem grande por aqui.
Uau! Super! A cena eletrônica me influenciou desde o primeiro dia que sai por aqui. A cidade pulsa artistas, labels, open airs, bares, clubes destinados a música eletrônica. Sempre converso por aqui com meus amigos que tenho a impressão que existe uma energia que pulsa a cidade nessa direção. Logo, me vi descobrindo e me conectando com muita gente legal por aqui e consequentemente pegando um pouco desse pulso.
Baby’s all right (NY), The Lot Radio (NY), Red Light Radio, Le Mellotron, Radio Meuh são alguns dos lugares que você já tocou ao longo de sua carreira. Como aconteceram esses convites?
Aconteceram através de pessoas muito legais que tive a oportunidade de cruzar por aí. Mais do que isso, pessoas que enxergam a música como um lugar sem fronteiras. Digo isso porque apesar de tocar há alguns bons anos (desde os 12) me considero ainda no começo da caminhada, e essas pessoas olharam para mim com carinho e com um respeito muito grande pelo meu trabalho. Fica aqui meu agradecimento de coração =)
Abre Caminhos é seu novo EP que sai agora em Outubro pela Hell Yeah Records da Itália. Como se deu o processo criativo desse projeto? E o contato com a gravadora?
Abre Caminhos foi um EP que produzi no Brasil num hiato de quatro meses quando voltei da França para mudar meu visto. E fazendo um link com a “pergunta de como a cena me influenciou aqui”, acho que esse EP traduz bastante isso. É uma volta às minhas origens e bases da música afro brasileira com elementos da música eletrônica e de muita coisa que escutei por aqui. Eu fiz o EP muito rápido na verdade. Digo, rápido para mim [risos].
Em uma semana fiz as três tracks e depois fui só mexendo um pouco ali e aqui. Lembro de ter mostrado para algumas pessoas, aliás, um abraço especial para o Rodrigo Coelho (Grassmass) que me acolheu em uma tarde no seu estúdio para escutar e ainda somou na faixa Sai Sacanagem. O nome, Abre Caminhos, acho que diz muito sobre essa minha busca por novos ares, mas que ainda de alguma forma também carregam minhas referências do passado.
Eu tive muita sorte com o contato da gravadora. A priori iria lançar de forma bem simples mesmo, no Soundcloud do FURIE, mas achei deveria mandar para outros labels para ter mesmo um termômetro e diferentes feedbacks de alguma forma. No final, acabei fazendo uma lista de alguns labels que achava que tinham a vibe do EP e voilà. Bati na caixa de email da Hell Yeah Records, que é por sinal um selo que adoro e toco muita coisa deles há um bom tempo. Ainda por cima tombei sobre o Marco, o dono do label, que é uma figura de simpatia. Além de muitas trocas de email sobre o EP, falamos muito sobre música, cena, covid e produção em geral. Um abraço genuíno para ele por ter me recebido!
Seu caminho como produtor iniciou anos após o começo da sua carreira como DJ. O caminho para a produção musical aconteceu naturalmente ou foi algo planejado? Como você avalia a influência da sua experiência enquanto DJ nas suas criações?
Meu caminho para produção musical aconteceu naturalmente. Na verdade lembro de com 16 comprar meu primeiro teclado midi e começar me aventurar no Reason e no Ableton live. Mas aí, acho que por algum bloqueio, ou mesmo até por maturidade musical, não fui muito para frente.
Fazendo uma digressão rápida aqui para dizer que mesmo não me considerando um grande produtor, fazer música é mais possível do que parece. Tem que se jogar, perguntar, mostrar, estudar (muito)…mas não é algo impossível. =)
Bom, acho que a maneira como eu toco influência 100% minhas produções. Me pego muitas vezes fazendo uma linha de bateria com samples de afoxé, por exemplo. Vejo muitas referências orgânicas na maneira como eu produzo música eletrônica. Então sim, acho que é algo inseparável. Por mais até que as vezes você acabe produzindo músicas que você não necessariamente tocaria ou que se encaixa 100% no seu estilo.
Você fundou o coletivo Furie juntamente com Patrick Lallemand e Pierre Marie, do duo Sheitan Brothers e o também brasileiro Nilo. Conte-nos um pouco mais sobre essa ideia e como funciona a divisão de tarefas, curadoria, etc.
Quando cheguei em Lyon, o Augusto (Selvagem) me apresentou para os meninos e o Millos me botou em contato com a turma também =). Os Sheitan Brothers já tocaram no Brasil há uns bons anos atrás em uma Selvagem. Por coincidência do destino (ou não hehe) quando cheguei aqui os meninos conheciam alguns tracks/edits meus mas não sabiam quem eu era. Bom, a partir daí a conexão ficou fácil. Eles foram me apresentando para muita gente, me mostrando e abrindo muitas portas. Começamos a tocar muito juntos por aqui. A partir disso, o Furie deu luz a si mesmo. O Nilo também já agitava um pouco a cena por aqui, além de fazer um mestrado voltado para a mediação de espaços urbanos tendo coletivos independentes no Brasil como fonte de sua tese.
Furie é uma ponte de encontro entre o Brasil a França com o intuito de criar um momento de troca, sintonia, conectando pessoas e música, mas sempre trazendo e relembrando nossas raízes. Furie = Fúria em francês, ou como gostamos de dizer, uma faísca, onde as pessoas se doam 100% a um determinado momento. Furie não é um coletivo de música brasileira, mas sim um coletivo que também toca música brasileira. No entanto música brasileira no seu maior espectro: Coco, House, Dub, Maracatu e etc.
Olha, no final do dia, todo mundo faz de tudo um pouco. Não existe uma grande divisão, maaaas acaba sendo um pouco assim. O Nilo é responsável pela nossa comunicação junto com o Patrick que é um super designer. Eu e o Pierre Marie hoje acabamos cuidando mais da produção e logística dos eventos. Mas ultimamente, e obrigado, contamos com Gabriela Carvalho no time que salva nossas vidas. E por fim, os Sheitan Brothers e eu cuidamos também da direção artística do coletivo. Mas de novo, todo mundo faz de tudo um pouco.
Você também fundou o projeto Brasa que você disse ser a materialização da fusão entre a França e o Brasil. Quando vocês sentiram a necessidade de criar um novo projeto? Qual a diferença entre eles?
Na verdade Brasa é o nome que leva nosso evento “Open Air” por aqui. Open air porque é mesmo um conceito por aqui durante o verão de fazer festa durante o dia, ao ar livre, normalmente em um parque, praça e às vezes na rua mesmo.
Acho que o Brasa representa essa materialização porque não tínhamos organizado antes um evento 100% nosso, cuidando da decoração, bar, comida…tudo.
Hoje no Brasa conseguimos trazer muito essa proposta do que é o Furie. Temos uma equipe mega mista com pessoas de diversos países, conseguimos trazer no line-up artistas brasileiros e franceses e até na cozinha conseguimos fazer esse casamento. Temos a chef Marie Lachall do Notorious Family que faz suas versões/interpretações de pratos brasileiros como feijoada (vegana na última edição), churrasco e por aí vai.
Brasa vem da ideia de Brasa mesmo: fogo, calor e troca. Em francês se fala “Braise”. Nossa pira no Furie com essa ideia de entrega e pertencer a algo de forma verdadeira mesmo que por um momento.
Você está aí na França neste momento crítico que nós vivemos e as coisas caminharam bem diferentes do que aqui, certo? Como você está passando por esse período?
Olha, sim. Acho que a grande diferença aqui e sendo muito raso, é que a problematização da “pandemia” apesar de ter chegado um pouco atrasada, foi levada com bastante seriedade. Passamos por um verdadeiro período de confinamento. Durante dois meses as pessoas realmente não saíram de casa e evidente que isso ajudou MUITO a controlar um pouco a crise. Além de uma preocupação imediata com deslocamento, regras de distanciamento social, porte de máscara obrigatório praticamente em todos os lugares.
Enfim. Muito complicado comparar os dois países, que possuem dimensões e contextos histórico e político-sociais distintos. Entretanto, podemos ver a seriedade com a qual o governo francês tratou a pandemia e como o governo brasileiro vêm encarando – ou melhor – negando a crise do covid -19 no Brasil. E o quanto esse impacto do descaso tem um impacto grave em um país já marcado por inúmeras desigualdades sociais.
Tenho tentando manter a cabeça no lugar por aqui. Lembrando que no setor cultural estamos praticamente parados. Clubes fechados, shows/apresentações só podem rolar (quando rolam e não são anulados) em espaços abertos com as pessoas sentadas. Tenho tentado aproveitar o tempo para produzir mais, e mesmo estudar produção assistindo um zilhão de tutorias ou lendo por aí.
Ainda que parados, você deve estar com muitos planos em todas as frentes em que está atuando. Mais alguma novidade para 2020?
Sim! =) Devo lançar um outro EP que fiz durante o confinamento com quatro faixas bem voltadas para pista com um sotaque bem forte de House e breaks.
E agora no final de setembro começo a dar aula de DJ no Le Sucre. Um projeto de aulas gratuitas que montei com a turma do club prioritariamente voltado para a galera em Lyon que normalmente não tem acesso ao club, equipamentos, aulas e etc. =)
Além disso com o Furie temos mais alguns projetos bem legais esse ano.
Por exemplo um projeto editorial em co-produção com um label que gostamos muito que deve acontecer já em outubro.
Para finalizar uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?
Tudo. Acho que as pessoas são música. Mesmo em silêncio.
A música conecta.