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A música conecta

O colapso do hype no Studio 54

Por Elena Beatriz em Notes 03.07.2025

Em meados dos anos 70, os Estados Unidos enfrentavam uma espécie de lacuna cultural. O país saía da guerra do Vietnã, vivia uma crise econômica e via o Rock, gênero até então dominante, perder frescor e apelo em meio ao público geral. Era o momento ideal para o surgimento de um novo movimento, algo mais pulsante, eufórico, coletivo, que oferecesse não só escapismo relacionado ao momento em que viviam, mas que trouxesse a sensação de pertencimento. Na contramão da estética rígida, masculina e elitizada do Rock, encontros e sonoridades promovidas por grupos historicamente marginalizados começaram a ganhar força. DJs e pequenos produtores que misturavam Soul, Funk e batidas dançantes em salões comunitários, clubes de bairro ou porões improvisados contornaram os primeiros passos do que viria a ser, na sequência, conhecido como Disco Music

Criado fora do eixo da indústria, o Disco reunia pessoas que, até então, não ocupavam o centro da cena cultural norte-americana: negros, latinos, mulheres e a comunidade queer. O que unia esse público era o desejo de existir junto, fazendo da noite um espaço intenso de hedonismo, invenção e dança. Esse movimento passou a crescer de maneira orgânica, começou a ocupar espaços que iam além da bolha inicial e, como tudo o que passa a se destacar, foi rapidamente direcionado para o dentro do centro gravitacional da indústria. O epicentro desse deslocamento, onde essa cultura passou a ganhar um novo status e visibilidade pública, tinha nome e endereço: Studio 54.

O club fundado por Steve Rubell e Ian Schrager em 1977, ficava localizado em Manhattan, bairro nobre de Nova Iorque. Seu sucesso estrondoso estava no gatilho de escassez e na sensação de exclusividade: Rubell ficava na porta, escolhendo a dedo quem poderia entrar ou não a cada noite. Quem estava dentro, brilhava. Quem não estava, queria estar. De acordo com Andy Warhol, um dos frequentadores assíduos da casa, o alto reconhecimento do club estava no fato de parecer uma ditadura na porta e uma democracia lá dentro. 

O Studio 54 era um espaço onde a cultura da noite se expressava através de excessos, liberdade e glamour. A decoração, as festas temáticas, as performances ao vivo e a presença constante de celebridades criavam um ambiente que parecia dissolver as barreiras entre entre artista e espectador, como um refúgio onde as normas sociais poderiam ser temporariamente suspensas. Tudo embalado pela Disco Music. Entretanto, o club também representou o colapso de uma promessa cultural que não resistiu à própria imagem inflada. A casa se tornou uma marca construída em torno da exclusividade e da aparência, muito mais preocupada em manter a própria imagem do que em sustentar uma proposta consistente, o que começou a se desvencilhar das raízes que a cultura da Disco promovia, provocando o declínio do club. Essa transição foi resultado de decisões e dinâmicas internas que começaram a minar sua própria base.

As tentativas de manter o hype do club se tornaram cada vez mais artificiais, a obsessão por celebridades e o investimento pesado em uma imagem de glamour afastava o público interessado no conteúdo musical e cultural. Enquanto isso, os fundadores, Steve Rubell e Ian Schrager, se envolveram em escândalos financeiros e problemas legais que expuseram as fragilidades do modelo de negócio, destacando um sistema construído com base na informalidade, na vaidade e na crença de que o prestígio social blindava qualquer norma. A perda da direção artística acompanhou essa crise, que já não dialogava mais com a cultura que ajudaram a expandir.

Assim, a obsessão por imagem foi tanto um fator central, quanto ponto-chave para a ruína do Studio 54. Bourdieu chama isso de capital simbólico, quando o prestígio de um espaço nasce menos do conteúdo que ele oferece e mais das exposições e relações que ele projeta, mostrando como essa forma de validação, quando não ancorada em uma base cultural sólida, pode levar rapidamente à saturação de algo ou alguém.

Essa trajetória serve de alerta para o presente. Muitos clubs, festas e festivais hoje operam a partir de uma movimentação parecida, baseando seu valor na escassez irreal, na hipervalorização de espaços exclusivos como área vip ou backstages, na cultura de influência e em uma estética que serve mais para gerar conteúdo online do que para oferecer experiências relevantes em si. Com uma curadoria frágil e foco excessivo no status, essas marcas ganham atenção rapidamente, mas também desaparecem com a mesma velocidade. 

Não é que o hype seja um problema por si só. O ponto é quando ele deixa de ser consequência para se tornar o centro de tudo, os pilares de sustentação ficam enfraquecidos, pois acabam atraindo indivíduos que não estão genuinamente comprometidos com a arte ou com a experiência coletiva, o que leva a espaços que não possuem qualquer senso de comunidade.

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