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A música conecta

Lourene: liberdade estética e potência criativa sem limites

Por Elena Beatriz em Trend 30.07.2025

A título de informação, nada mais válido do que iniciar este texto com dados. Você logo entenderá o porquê.

De acordo com uma análise publicada pelo MusicRadar, em 2024 mais músicas foram lançadas diariamente do que em todo o ano de 1989. A estimativa é de que mais de 100 mil faixas são enviadas diariamente para plataformas como Spotify, Soundcloud e Apple Music, segundo apontamentos do CEO da Universal Music Group. Ao observar o macro dessas afirmações, é inevitável que surjam algumas perguntas: quantas mulheres estão participando de todo esse processo, ou ao menos sendo creditadas por ele? Quantas produtoras, compositoras ou DJs aparecem nas programações dos clubs e festivais que você acompanha ou no seu número diário de plays?

Um estudo da USC Annenberg, em parceria com o Spotify, ajuda a evidenciar a desigualdade de gênero nesse cenário: apenas 6% dos produtores musicais são mulheres, no âmbito global. E entre as 800 músicas mais populares da última década, menos de 3% contaram com mulheres na produção. Esses dados escancaram uma discrepância que serve como alerta para repensar a maneira como consumimos a indústria fonográfica, além de promover reflexão a respeito dos motivos que escancaram essa escassez. Todavia, nos lembra de valorizar a relevância do trabalho de artistas que têm desafiado esse espaço de desigualdade estrutural com consistência e identidade. Lourene é um desses casos.

Natural de Curitiba, Lourene foi uma das vozes ativas da cena underground local, promovendo festas em que diversidade e liberdade refletiam o espírito original da música eletrônica, na contramão do uso desses conceitos como moeda de troca no mercado cultural. Sua atuação, que chega aos quase 20 anos de trajetória, se estendeu e desdobrou em diversas facetas que a configuram como uma artista multidisciplinar: DJ, produtora, compositora e vocalista. Esse último desdobramento começou a ganhar maiores proporções após sua passagem no Boiler Room, em 2021, onde apresentou seus vocais atrelados a um DJ set que trazia uma estética futurista, combinando bem com a atuação de uma mulher que vem à frente do seu tempo.

Nos últimos anos, após sua mudança para a Europa, Lourene concentrou seu trabalho principalmente em colaborações vocais, tendo gravado mais de 60 faixas, sempre envolvidas com estéticas oitentistas ou acenando à época de ouro das raves dos anos 90, do R&B ao House, do Pós-Punk ao Techno, não envolvendo amarras que não sejam a qualidade das suas entregas. Suas parcerias envolvem produtores de diferentes países, incluindo Adam Pits, Voodoos and Taboos, Liquid Earth, Saverio Celestri, Idris Bena, Monica Venturella, Gab Jr, Mario Liberti, Umberto, Boston 168, Bartolomeo e outros, com alguns lançamentos projetados para labels de grandes nomes da música eletrônica, como a Slacker 85, de Seth Troxler e BPitch, de Ellen Allien. 

Mais recentemente, Lourene passou a se dedicar à formação de um live act ao lado do produtor francês Gab Jr., com quem já dividiu colaborações anteriores. A estreia aconteceu em Paris, marcando o início de uma nova fase em sua trajetória, agora voltada à performance ao vivo, com foco em composições autorais e experimentações híbridas entre voz, hardware e DJing. A proposta é apresentar esse projeto em diferentes países, potencializando a narrativa da artista. Trata-se de um novo capítulo que reafirma sua capacidade de se reinventar, sem perder de vista os valores que sempre sustentaram sua caminhada: liberdade estética, atitude e autenticidade. 

Autenticidade essa que se reflete tanto em sua personalidade artística, que é uma extensão de sua sensibilidade sobre o mundo, de quem nunca se limitou a caber em uma caixa, mas sempre fez questão de desembalar todas elas, e que, de maneira concomitante, se traduz em suas composições que aparecem nas collabs lançadas até aqui, que não se restringem apenas a um vocal desenrolado sobre a faixa. São poemas, textos e fragmentos de sua própria vivência, que se transmutam para a pista de dança. 

A música eletrônica, com toda sua potência sonora e contracultural, ainda é um campo onde a presença feminina segue sub-representada. Este cenário ainda escasso torna figuras como Lourene ainda mais essenciais, pois não chegam para preencher lacunas de representatividade, mas para redefinir a própria lógica de participação: não como exceção dentro de uma engrenagem que permanece desigual, mas como força que provoca a estrutura, ao mesmo tempo que, de maneira ambígua e positiva, potencializa o valor da sensibilidade como propulsor para uma criação genuína.

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