Antes de apresentar o projeto musical que selecionei para mais este capítulo da Sneak Peek, vamos rapidamente viajar no tempo para olhar para a história do nosso país e resgatar alguns fatos que considero importantes para se ter em mente. O Nordeste brasileiro é indiscutivelmente um dos nossos maiores patrimônios culturais. Sua plurivalência não só reverbera por todo país, mas é desse solo fértil que história, comportamento e costumes bem brasileiros, cheios de ancestralidade, começaram a germinar. São festas, danças, folclore, literatura, música, artesanato, culinária, rituais e claro, o jeito cativante de ser. Então, nada mais nobre que fazer dessa introdução, um momento para que honremos essa gama cultural tão múltipla e prolífera.
E para contextualizar, vamos aproximar um pouco mais a nossa lente. Quando olhamos para Paraíba é fácil notar seu rico acervo cultural, o que não é diferente dos outros estados nordestinos, mas tem sua própria trajetória. João Pessoa, a capital do estado, é a terceira cidade mais antiga do nosso país e por isso, temos ali uma ebulição em história e cultura. Dessa região, desdobrou-se uma soma entre as culturas ibéricas, africanas e indígenas e que ao longo dos anos resultaram no narramos como a cultura local, cheia de riquezas particulares, como citei acima.
E o que você me diria se eu te contasse que dessa fonte muito próspera, nasceu um projeto musical que resgata toda essa herança, misturando-a aos sons mundanos e entrelaçando tudo à música eletrônica? Bom, se eu fosse você, não diria muito, só abriria a cachola e pararia para ouvir. Hoje trago um case que, por uma sorte randômica do meu Spotify, cruzou meu caminho há poucos anos e desde então não digo muito, apenas paro para ouvir e contemplar a paleta sônica presente e que faz um belo tributo modernista à nossa cultura. O blend, como eles mesmos me contaram, é mais ou menos assim: Coco de roda, Jazz, Forró, Bossa Nova, Dub, Funk, Baião, Maracatu, Manguebeat, Trip Hop, Drum ‘n’ Bass, Rock…e o que mais der na telha, sem limitações para experimentar, percorrer e gerar o novo. Tenho certeza que nesse momento, com tanta musicalidade assim, despertei a curiosidade de quem lê este texto. E por isso, seguimos o fio.
Em meados dos anos 2000, o jovem multiinstrumentista Esmeraldo Marques passou a ser reconhecido no eixo Jazz-Funk como Chico Correa. Desde aquele tempo, ele já fazia algumas experimentações eletrônicas com samples e curtia levar os resultados à instrumentalização. Um belo dia, então, ele teve uma epifania: criar uma banda onde pudesse unir todas as influências estilísticas de seu apreço, seus samples e derrubar qualquer barreira ingênua sobre limitar a música de conversar com suas tantas ramificações. Mas ainda iria além: honraria suas raízes e manteria em sua essência esse teor regional. Além de trazer sonoridades tradicionais que percorrem o mundo, convergiu as camadas sonoras brasileiras na mistura. Essa era a grande motivação e assim nascia Chico Correa & Electronic Band.
A banda já passou por outras formações e alguns hiatos ao longo de sua história, principalmente por conta de projetos paralelos. Chico, por exemplo, esteve envolvido de 2006 a 2009 com a banda paraibana Cabruera, e de 2009 a 2001 no famoso Baiana System. Por essa razão, algumas reformulações também aconteceram e hoje a banda, que encontra-se em uma dessas pausas, é formada por seu idealizador, Débora Malacar, Victor Ramalho, João Cassiano, Lucas Dan e Thiago Sombra. Além do aparato instrumental composto de teclados, bateria, guitarra, baixo, instrumentos de sopro e percussão, há também os recursos eletrônicos como pedais de delay, samplers, baterias eletrônicas e mixers. Tudo caminhando junto de forma híbrida, sempre se desdobrando durante esses 20 anos e que nessa miscelânea musical convivem na mais coerente e bonita harmonia. E como nessas raízes temos o jogo de cintura nordestino atrelado às sonoridades imprevisíveis, o grupo é adepto da improvisação. Cada show é único e não é incomum desaguar em uma jam session de ritmo e psicodelia nordestina em uma cadência de pista.
Um dos pontos altos nessa mistura toda e que deixa o todo ainda mais instigante são canções folclóricas utilizadas pela banda. Boa parte delas fazem parte de descobertas que Correa fez no período que foi bolsista do Laboratório de Estudos da Oralidade, da Universidade Federal da Paraíba. O primeiro álbum homônimo da Chico Correa & Electronic Band foi lançado em 2006 e é uma jornada sônica cheia de referências regionais e você vai encontrar tudo o que falamos acima. Além dele, há também o Derivasons (2013), um álbum de remixes das canções do grupo, Coco de Elevador (2016) e o Furmiga Dub Remixa Chico Correa & Electornic Band (2017). Sendo um ser amplamente musical, o idealizador do projeto aproveita os breaks criativos da banda para conduzir outros projetos. Como é o caso do Berra Boi, uma continuidade do trabalho feito na Eletronic Band, porém com mais pista e instrumental.
Algumas das músicas que deixo como minhas recomendações podem mostrar o porquê desse case ser selecionado para nossa coluna dentre tantas as possibilidades no meio musical. Bom, primeiramente porque é nosso e o que é nosso deve ser muitíssimo valorizado. Segundo, porque traz uma aula sobre a cultura musical nordestina. Terceiro, porque, como prometido, flerta com o nosso mundo. E por último, porque a música é incrivelmente infinita e isso é o mais bonito sobre ela. A gente encerra este mergulho em cultura mais sábios e com a mente mais aberta, espero que eu tenha te trazido novas possibilidades sonoras, afinal, esse aprendizado é contínuo e infinito. Esperamos o retorno do projeto para que possamos curtir muito esses sons nas pistas do Brasil. Viva o Nordeste!
A música conecta.