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A música conecta

Real Talks: consistência underground entre Brasil e Irlanda

Por Marllon Eduardo Gauche em Trend 24.06.2025

Todo grande movimento começa em um pequeno círculo. Uma ideia, uma sala, um porão, uma garagem, um grupo de amigos com mais vontade do que estrutura. A Real Talks nasceu assim. Sem prometer muito, mas com um propósito e um objetivo bem claro. Um projeto liderado por quem estava cansado de consumir o que já existia e queria criar algo novo — não só musicalmente, mas também em termos de ambiente, proposta e narrativa.

Essa semente foi plantada em 2015 por Royce Laroca, DJ, produtor, agitador cultural e figura importante na cena de Ponta Grossa, no interior do Paraná. Motivado pela carência de eventos com identidade em sua cidade, decidiu fundar uma festa que fosse reflexo de sua própria visão de pista: independente, conectada com o vinil e guiada pela música acima de tudo. Ao lado de amigos, idealizou a label party priorizando a curadoria e a conexão entre as pessoas, criando uma espaço onde música, identidade e pertencimento estivessem juntos. 

Em 2019, após um período de transição pessoal, Royce se mudou para a Irlanda — e foi lá que a Real Talks tracionou de verdade. A festa passou a acontecer em Dublin, com edições que mantinham o mesmo espírito das edições brasileiras: som de qualidade, proposta independente e foco total na experiência da pista. Mesmo com a distância geográfica, Royce nunca distanciou o projeto do Brasil. A Real Talks se manteve como uma ponte entre a cena nacional, abrindo portas para artistas brasileiros circularem fora do eixo tradicional, trazendo nomes como DPR, Trajano, ERVN, Muri, o trio Laguna Sound Department, e ainda outros artistas que já moram em Dublin, como Ortega, Mathäus, Nicole Spagnol e Soulnezz.

A consolidação da festa, então, aconteceu de forma gradual, sustentada principalmente pelo senso de comunidade que crescia a cada edição. Não foi um evento específico que colocou a Real Talks no radar da cena de Dublin, mas sim o próprio feedback do público, que começou a convidar novos participantes de maneira orgânica. Isso naturalmente exigiu que o time da Real Talks também crescesse, formando uma equipe multicultural baseada em Dublin. Hoje são seis integrantes: o duo irlandês Stephen e Carlos, do projeto Waximum; os residentes mexicanos Navarro e Hera; o libanês George, também conhecido como G.G; e o próprio Royce, expansão que fortaleceu ainda mais os laços com a comunidade local e permitiu colaborações com coletivos e artistas de diferentes origens.

É seguro dizer neste momento que o coletivo é uma das propostas mais coerentes e interessantes da capital irlandesa. Com edições regulares, curadoria criteriosa e um público que se conecta de verdade, a Real Talks tem criado um ecossistema que valoriza não só o som, mas também as relações humanas. O cuidado com o sound system, com a iluminação e com o espaço físico são detalhes que fazem toda a diferença. E é justamente isso que tem chamado a atenção não só do público local, mas também de DJs, produtores e outras figuras que enxergam na Real Talks uma proposta underground na essência.

Agora em 2025, o coletivo deve ampliar ainda mais sua atuação com o lançamento da Real Talks Records, selo que irá traduzir em discos a essência da festa. A estreia deve acontecer mais para o final do ano com um VA em vinil que reunirá artistas como KAIR, HVSN, SAHM, CROÍ e o talento irlandês Lukey, dando início a uma nova fase do projeto. Olhar para a Real Talks hoje é entender que consistência e verdade ainda têm espaço na cena, e que uma ideia bem executada, com respeito à cultura de pista e compromisso com a experiência coletiva, pode sim criar raízes e florescer em qualquer lugar.

A MÚSICA CONECTA 2012 2025