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A música conecta

Vitrola review | Secos & Molhados – Secos & Molhados

Por Laura Marcon em Vitrola 24.11.2020

Há pouco me peguei em uma viagem muito maravilhosa dentro da história da música brasileira. Era pra ser uma pesquisa simples sobre um nome de um artista e se transformou em uma sequência de cliques dentro de uma construção histórica entre estilos musicais que me deixou inebriada. Me perdi nos minutos desse mergulho delicioso! Nada de novo para uma mulher apaixonadíssima pelas arte em instrumentos e poesia criadas no nosso país. Aliás, aposto que se você abre esta coluna a paixão também rola por aí, mas já parou pra pensar em quantos artistas você ainda não conhece? Já parou pra admirar e valorizar a miscelânea criativa dos nossos artistas e a qualidade absurda da nossa cultura musical?

Pois bem, estou falando de um universo fascinante e que, se consumido sem nenhuma moderação, arranca arrepios, suspiros, sorrisos e a certeza de que sempre há muito mais para se pesquisar e conhecer. Findada minha reflexão – que veio logo após a comentada viagem – que aliás eu continuarei assim que terminar meus afazeres – vamos ao review do álbum de hoje e, não surpreendentemente, seus criadores apareceram junto à outras figuras e grupos que marcaram a história na música do Brasil: Secos & Molhados

Temos aqui um grupo musical com nome sem justificativa específica, criado por um – pasmem – português radicado no Brasil que encontrou um artista hippie que mexia com teatro, pintura, artesanato e vendia suas obras na Praça da República, no Rio de Janeiro e que, tempos depois, conheceu um vizinho que por coincidência é guitarrista/vocalista e voilá! O português é João Ricardo, o vizinho guitarrista é Gérson Conrad e o hippie carioca ninguém menos que Ney Matogrosso

Os anos eram os 70, o Brasil vivia mazelas da ditadura militar em sua fase mais violenta, o movimento tropicália reverberava e, ainda que a censura assombrasse o cenário artístico do país, o momento musical era efervescente. Foi neste período cheio de transformações que nasceu o Secos & Molhados, com uma proposta que aliava liberdade de expressão através de rostos pintados e fantasias a assuntos como racismo, guerras e outras temáticas contemporâneas. Em 1973, entre alguns shows, uma aposta de um produtor musical e a confiança dada por uma gravadora que sequer tinha no seu catálogo o estilo sonoro do grupo, o Secos & Molhados teve a oportunidade de gravar seu primeiro disco.

Trinta minutos. Esse foi o tempo necessário para que o grupo marcasse definitivamente a história da música brasileira e também da América Latina. O álbum, que leva o nome do grupo, apresenta 13 faixas, curtas em sua maioria, em uma mistura maravilhosa de influências folclóricas, Rock Psicodélico, Folk, Pop e poesias curtas, diretas e modernas. Sintetizadores e guitarra elétrica se fundem com violão de 12 cordas, gaita, flauta transversal e a voz vigorante e inconfundível de Ney Matogrosso. Há quem considere a criação uma MPB progressiva, mas a verdade é que, independente do nome dado ao estilo, o álbum mudou completamente a concepção do que chamava-se música Pop na época.

Secos & Molhados inicia sua viagem musical com Sangue Latino, um clássico de baixo marcante e letra que homenageia o povo latino, e já segue com O Vira, um Rock com poesia folclórica que termina em forró. Quem não conhece o refrão “vira vira vira homem, vira vira, vira vira lobisomem”, não é mesmo? E assim segue o álbum em arranjos experimentais fantásticos. Destaque também para a faixa que mais marcou a obra na época, Rosa de Hiroshima, que apresenta a poesia de Vinícius de Moraes em uma balada simples de voz e violão, mas que abalroou as rádios da América do Sul. 

O trabalho do álbum se encerra com chave de ouro através de sua capa inusitada. As cabeças dos artistas servidas em uma mesa caricata como que servindo o público num deleite gastronômico. A pegada Glam Rock de Secos & Molhados com um visual completamente diferenciado e apresentações teatrais também fez toda a diferença para a explosão do grupo, tanto que, pouquíssimo tempo depois, o Fantástico colocou seus participantes na abertura do programa e está aí um importante fator para que o público tomasse conhecimento de sua música.

O álbum foi um fenômeno de vendas desde o seu lançamento, vendendo 1500 cópias de discos no primeiro mês – algo bem expressivo para a época. Em menos de um ano, Secos & Molhados haviam passado a marca de um milhão de vendas, chegando muito perto de Roberto Carlos e quase fazendo ele perder o posto de maior vendedor de discos do país. Aliás, vê-se forte influência do som do grupo no trabalho que seguiu a carreira do cantor e compositor.

Não apenas Roberto Carlos. O cenário artístico foi impactado fortemente pelo trabalho de Secos & Molhados e o álbum construiu uma nova página no mundo do Pop nacional. Infelizmente a passagem do grupo foi breve, assim como os minutos necessários para a construção do álbum. O trio gravou mais um disco e viu-se o rompimento entre seus participantes. Nada disso impediu Secos & Molhados de continuar brilhando e reverberando até hoje como inspiração para outros inúmeros artistas de todo o mundo.

A música conecta.

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