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A música conecta

Dinheiro vs. Cultura: o que move o futebol? O St. Pauli, da Alemanha, tem muito a compartilhar

Por Alan Medeiros em Xpress 16.06.2025

Começou a Copa do Mundo de Clubes da FIFA e os olhos do mundo voltam-se mais uma vez para o esporte mais popular do planeta. No entanto, em meio ao desfile de marcas globais, transmissões ao vivo e protocolos quase corporativos, fica cada vez mais evidente o quanto o futebol moderno se afastou da expressão cultural de suas origens. Em contraponto a esse movimento de homogeneização estética e simbólica, existe um pequeno clube do norte da Alemanha que insiste em permanecer enraizado em sua comunidade, dialogando com o que ela tem de mais vivo: estamos falando do FC St. Pauli.

Fundado em 1910, o clube viveu uma transformação radical a partir da década de 1980. Foi quando torcedores antifascistas, anarquistas, punks e ativistas culturais passaram a frequentar o Millerntor-Stadion, trazendo com eles uma nova leitura do que significava torcer por um time. Contra o racismo, a xenofobia e o machismo – posicionamentos raros à época no universo do futebol – o FC St. Pauli passou a se tornar conhecido não exatamente pela exuberância do que era praticado em campo, mas pela sua ética. Para além de um clube, tornou-se um forte elemento político e cultural da cidade de Hamburgo.

O bairro de St. Pauli, onde se localiza o estádio, sempre foi um território de efervescência. Entre as docas de Hamburgo e a Reeperbahn – região boêmia que mistura sex shops, pequenos teatros, bares e casas noturnas – criou-se uma atmosfera em que cultura alternativa e vida cotidiana se fundem. A cena eletrônica local, embora longe do status e brilho conquistados por Berlim, nunca deixou de existir com suas particularidades, ocupando galpões, porões e clubs como Fundbureau, Waagenbau e PAL. 

Foi nesse contexto de cidade que surgiram nomes como Solomun, Stimming e Helena Hauff — artistas que ajudaram a dar forma à identidade eletrônica de Hamburgo, cada um representando vertentes distintas, do House ao Techno, e ampliando o alcance de uma cena que, mesmo fora de um eixo central, consolidou sua relevância na cultura clubber europeia. E é justamente nesse ecossistema que o St. Pauli se também se insere: como um clube que compartilha espaço simbólico com a cultura clubber, o ativismo urbano, a criação independente e movimentos políticos ligados à contracultura. 

Não se trata de forçar uma associação entre futebol e Techno, mas de observar como o FC St. Pauli, ao contrário da maior parte dos clubes europeus, não se descolou das manifestações culturais do seu entorno. Não é incomum encontrar DJs locais se apresentando em eventos ligados ao clube, nem faixas com estética rave ou punk ocupando arquibancadas. O merchandising oficial do time, por exemplo, há anos explora elementos gráficos da cultura punk, do D.I.Y. e do underground europeu. Em vez de slogans vazios, há mensagens diretas: “Futebol para todos”, “Refugiados são bem-vindos”, “Antifascista desde 1910”.

Em 2018, essa identidade atravessou o Atlântico. Em um amistoso simbólico realizado nos Estados Unidos, o St. Pauli enfrentou o Detroit City FC, time da cidade berço do techno e conhecido por sua abordagem comunitária e antissistema. O encontro entre os dois clubes foi um manifesto compartilhado entre as torcidas. Bandeiras com a caveira do St. Pauli e a insígnia do DCFC tremulavam lado a lado. Faixas com os dizeres “Forged from the same bones” (forjado dos mesmos ossos) conectavam as torcidas. O presidente do clube alemão, Oke Göttlich, se encontrou com nomes históricos da cena techno de Detroit, como Underground Resistance e Juan Atkins, reforçando os laços entre música e futebol.

Na parte visual, a identidade do St. Pauli também é marcada por uma estética que se recusa a ser neutra. A caveira, que se tornou símbolo do clube, remete menos à ideia de perigo e mais à de enfrentamento. Nas arquibancadas, os gritos são políticos. Nas ruas, a camiseteria local mistura moda de rua com os códigos visuais da cena eletrônica. Em muitos aspectos, o clube opera mais como um selo cultural do que como uma empresa de entretenimento esportivo.

Neste momento em que o futebol tende a esvaziar seus signos em nome da escala global, exemplos como o do FC St. Pauli mostram que ainda é possível manter o vínculo entre clube e comunidade. Para além disso, demonstram que, quando um time se reconhece como parte de um sistema cultural – que inclui som, arte, ruas e política – ele pode transcender a função de entreter. Pode, em vez disso, significar. É nesse ponto que o som da arquibancada e o som da pista se encontram: não como acontecimentos paralelos, mas como expressões simultâneas de uma mesma vitalidade coletiva.

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