’Ousadia tem genialidade, poder e magia’’ – John Anster
A brilhante forma com que o irlandês Max Cooper se expressa através de suas criações em áudio e imagem é algo que pode ser brevemente definido como ousadia. O caráter experimental e melódico que percorre suas obras é uma mistura rara de percepção avançada com toques sutis que o mantem conectado ao grande público. Fenômeno absoluto dentro do gigante universo da música eletrônica, Max Cooper é quase que uma perfeita unanimidade. Admirado por sua técnica, respeitado pela amplitude de seu trabalho, adorado pelos fãs, requisitado pela crítica especializado.
Aos poucos, Cooper se torna aquele tipo de artista capaz de engajar e gerar burburinhos mesmo quando as pistas sobre um novo trabalho ainda são muito tímidas. Se sua obra pode ser comparado ao ato da ousadia, ela também carrega poder e magia exalando em seus beats e timbres, magicamente ilustrados na profundidade de seu AV que oferece a audiência uma imersão que pouquíssimos artistas conseguem reproduzir quando o foco central não é exatamente uma música desenhada para o peak time.
Caminha junto à identidade de Max a excelente curadoria de seu selo Mesh, onde ele expõe algumas de suas principais criações e trabalhos de nomes como Robag Wruhme, Alex Banks, Indian Wells e Acid Pauli. Seu último trabalho, Surge, reafirma o que eu costumo chamar de complexidade acessível de seu som. Ao mesmo tempo que uma levada absolutamente experimental é introduzida a faixa, ela não se desconecta do ouvinte por conta de suas melodias. No embalo deste lançamento tivemos a oportunidade de conversar com Max Cooper, que respondeu todas as nossas perguntas com uma tocante profundidade. Confira abaixo:
Alataj: Olá, Max! Tudo bem? Obrigado por nos atender. Após quase duas décadas de intensas trocas com o público, como tem sido pra você viver este ano recluso dos shows e viagens? Você acredita que esta pandemia já está impactando a forma como os produtores observam e produzem música eletrônica?
Tem sido uma daquelas experiências da vida com altos e baixos. Ótimo estar mais focado no estúdio e em casa, péssimo ter perdido uma indústria e estar lidando com isso. Sinto que isso precisava acontecer comigo, eu estava em turnê há muito tempo e senti que precisava de uma mudança. O fechamento de tudo me forçou a reestruturar meu estilo de vida em algo que provavelmente seja mais saudável e sustentável. Não estou querendo dizer que não vou adorar tocar novamente, mas acho que tudo será um pouco diferente daqui para frente, depois desse tempo que todos nós tivemos para refletir sobre como fazemos as coisas. Quanto ao impacto musical, sem dúvidas, tudo será perceptível nas músicas desse período. A música é sempre um retrato do estado mental em um determinado momento, e tudo isso certamente influenciou muito no meu trabalho. Nem tudo de uma forma ruim, encontrei um elemento de ação positiva e resiliência, além dos pontos baixos.
Quais são os principais desafios de logística e montagem das suas apresentações no formato AV? Há alguma curiosidade ou segredo por trás dessa preparação que você pode revelar pra gente?
O desafio inicial foi descobrir como construir um sistema que representasse minha linguagem audiovisual. Isso consistiu em configurar centenas de links de parâmetros entre meu software de áudio (Ableton) e meu software visual (Resolume), de modo que qualquer mudança que eu queira fazer na música também produza mudanças naturalmente ligadas ao visual. Se eu fizer uma mudança suave e abrangente na música, quero um estilo parecido no visual, por exemplo. Porém, isso tudo é executado a partir do conteúdo renderizado. Há muito trabalho envolvido em escrever ideias e colaborar com artistas visuais, mas estamos falando apenas sobre o show AV criado aqui. Se vocês quiserem saber mais sobre o processo, acessem: www.yearningfortheinfinite.net ou www.emergence.maxcooper.net.
Então, além desse set up básico, há o grande desafio de olhar para cada local, trabalhar com muita projeção para tentar deixar o espaço da melhor forma que puder e tocar ao vivo – eu consigo controlar qual imagem vai aparecer em cada ponto, além de tentar fazer a interação das imagens e do espaço para o show como os ritmos da música e do conteúdo visual em si.
E no que diz respeito a performance, quais hardwares e softwares você utiliza? Como é a preparação para ter o controle pleno da apresentação?
Para meus projetos de álbum visuais, escrevo narrativas e ideias visuais primeiro e, em seguida, produzo música para encaixar como uma partitura. Para este EP, eu escolhi o caminho mais tradicional de escrever algumas músicas para expressar meu estado de espírito pessoal na época, e enviei a artistas visuais para interpretarem apenas com algumas orientações temáticas básicas. Algumas delas foram motivadas pelo lockdown, como Reflect, e a necessidade de administrar alguma terapia pessoal; outras foram um novo experimento de síntese, como Spike, e uma faixa foi escrita para um curta-metragem dirigido por Kevin e Paraic McGloughlin, onde estruturei toda a peça o mais estreitamente que pude com o formato visual, arranjo e tudo, o que me levou a uma sensação diferente para Swarm.
A linha foi relacionada a processos dinâmicos ambientalmente ligados, população humana (Swarm), microbiológico (Spike), sistemas climáticos (Surge) e formação de gelo (Reflect), cada uma com seu próprio projeto de vídeo. Também vinculei à arte do lançamento coletando folhas da área local e fotografando-as em estados de decomposição esquelética. Explorei as ideias ao meu redor na época e tentei documentá-las da melhor maneira possível. Música, para mim, é muitas vezes uma forma de tentar expressar coisas que não consigo colocar em palavras com eficácia.
Faço diferentes lives, mas há apenas uma em que trago meus instrumentos de estúdio, uso síntese ao vivo e construo patches, que é Glassforms com o pianista Bruce Brubaker – nós lançamento recentemente um disco com uma dessas apresentações com pós-produção. Para os shows visuais solo, eu foco mais nos aspectos de maior escala em como a experiência está, contando apenas com Resolume e Ableton, operando em dois laptops sincronizados por OSC, e controladores MIDI APC40 e Lemur para conduzir tudo pelo Ableton, incluindo todos os controles visuais, juntamente com um mixer e controles de iluminação. Meu grau de controle sobre cada som não está como com Glassforms, mas eu posso explodir ou implodir todo o espaço em som e luz, o que me dá uma saída criativa totalmente diferente, que opera em tempos e espaços maiores, além de ser mais adequada para sets mais longos. Eu gosto de ambas as abordagens, assim como a discotecagem tradicional, todas têm seus prós e contras.
Você nasceu e cresceu em Belfast, certo? Percebo que a cidade tem aflorado para a Dance Music de uma forma especial nos últimos anos. Quais são suas percepções a respeito deste momento e de que forma o background cultural de Belfast impactou o seu trabalho?
Eu nasci lá e cresci fora da cidade, a natureza do lugar foi tão importante para minha educação quanto a cultura da cidade e as pessoas. Eu definitivamente assumi uma abordagem de vida mais humorada do que meus pais, que não não são de lá. Há muita energia na mentalidade das pessoas também, o que às vezes pode ser negativo, mas que também cria essa cena musical incrível e enérgica, o que leva ao que você está falando.
Saí de Belfast em 1999 e fui para Nottingham, onde construí muitas das minhas influências musicais, por meio dos eventos do Firefly, onde fui residente até 2010. Minha introdução à cena musical foi por meio de comunidades imigrantes. Então, não sou um especialista na cena de Belfast, principalmente nos últimos anos, mas é definitivamente uma grande parte de quem eu sou e do que faço, e é ótimo vê-la crescendo como merece.
Percebo uma ideologia de trabalho muito próxima da sua nas tomadas de decisões da Mesh. É possível dizer que o selo é uma extensão de sua expressão enquanto artista?
É uma extensão dos meus interesses e estética, mas os artistas com os quais trabalhamos apresentam a sua própria expressão independentemente de qualquer coisa que tenha a ver comigo. Eu, o empresário da gravadora, Anthony, e meu empresário, James, trabalhamos juntos para tentar fornecer uma plataforma para que trabalhos incríveis sejam ouvidos e para desenvolver os projetos mais interessantes que pudermos, com ênfase no espaço mais amplo da música. Ou seja, como a música pode ser parte de projetos criativos nas artes visuais, arquitetura, desenvolvimento de software, dança, instalação, quaisquer novas maneiras que possamos encontrar para apresentar a música a fim de que seja mais do que apenas um padrão em uma onda de som e possa inspirar através de um meio mais amplo. Para o meu trabalho, isso geralmente significa projetos visuais cientificamente fundamentados, mas estamos procurando pessoas de todas as frentes criativas que compartilham nossos interesses estéticos para colaborar no projeto.
Ainda sobre a Mesh: quais elementos você considera essenciais para uma música estar no seu selo?
Expressão de sentimento, junto com uma referência à história da música eletrônica, apresentada de uma nova maneira. Também sou muito atraído por limites, as fronteiras da nossa expressão onde escolhemos um sentimento ou ideia e perseguimos totalmente, derrubando barreiras de gênero e preconceitos sobre qual é a maneira certa ou errada de fazer as coisas. Eu descobri que muitos dos artistas cujo trabalho eu admiro não existem em nenhuma cena e são movidos pela expressão sem tentar se encaixar. Dito isso, tentar colocar uma vida inteira de julgamento estético musical em um parágrafo nunca vai funcionar, mas espero que traga alguma ideia. Também devo acrescentar que sou fanático por harmonia, uma bela progressão de acordes com um belo timbre de sintetizador vai me envolver em todas as ocasiões. Embora ainda haja muita imprecisão, precisa ser familiar o suficiente para tocar em nossa linguagem musical, mas novo o suficiente para animar. É um equilíbrio que difere para cada indivíduo, o que torna ainda mais difícil de definir!
Você possui alguns trabalhos notórios na posição de remixer. Como é pra você estar na posição de reinterpretar a arte de um outro produtor?
Eu gosto da mudança de perspectiva enquanto faço remixes. Com as minhas originais, muitas vezes me perco nas ideias básicas e nas estruturas musicais, os elementos a partir dos quais cada peça musical é construída requerem muito pensamento e influenciam o processo todo. Com os remixes esse trabalho de base já foi feito e posso focar apenas em tentar construir o que já está lá, sem precisar me preocupar com a perspectiva maior, o que pode render alguns resultados que eu não teria encontrado de outra forma. O raciocínio é parecido porque faço muitas colaborações visuais e trabalho com conceitos abstratos não musicais, são todas ferramentas para ajudar meu processo criativo e que me ajudam a sempre tentar encontrar algo diferente, isso é o que me traz paixão e motivação para continuar aprendendo e criando.
Remixes também podem ser ótimas ferramentas de aprendizado. Passar muito tempo com o trabalho de Philip Glass no álbum Glassforms foi um ótimo processo de aprendizado para mim, por exemplo. Se não estou aprendendo começo a ficar para baixo, acho importante sempre continuar tentando aprender e me desenvolver de uma forma geral, a partir de qualquer coisa que tenha a ver com arte ou música.
Para finalizar, uma pergunta clássica do Alataj. O que a música representa em sua vida?
É interessante, por que ondas vibrando pelo ar deveriam ser importantes? Podemos sobreviver e viver muito bem sem elas, mas muitos de nós passamos a vida obcecados ou as achamos profundamente significativas e envolventes. Acho que tem algo a ver com a necessidade comum de nos expressarmos. Nos encontramos presos dentro desses corpos de carne lidando com o tumulto de emoções e experiências, lutando para descobrir o que devemos fazer, o que precisamos fazer para tentar ser felizes, ou até mesmo se a felicidade é a coisa certa a se almejar.
A música para mim parece desempenhar um papel semelhante à interação humana. Nos sentimos melhores quando estamos com nossos amigos e família, porque podemos nos expressar e escapar da loucura interna. Quando escrevemos música também podemos nos comunicar e quando ouvimos música podemos compartilhar estados internos profundos, que são quase impossíveis de colocar em palavras, mas representam uma parte central do que nos torna humanos. Não é coincidência que a música esteja tão intimamente ligada a eventos sociais, tanto na sociedade religiosa quanto na secular. Então, enquanto eu não mudar de ideia sobre esse assunto, a música para mim, representa meu desejo básico de querer compartilhar meu prazer e minha dor, além de querer fazer parte de algo maior do que eu. Somos todos pequenas entidades pontuais em nossa experiência, construídas a partir das mesmas coisas que o amplo universo, talvez seja natural que queiramos nos reintegrar. Posso fundamentar isso melhor com um pouco mais de reflexão. Se vocês estiverem interessados nesses tipos de divagações, tenho uma página de diário no meu site (https://maxcooper.net/journal.php) para mergulhar em ideias no formato mais longo. Também estou sempre interessado em ouvir ideias dos outros.
A música conecta.