Sempre que uma pauta da Iconic cai no meu colo eu já sei que a quinta-feira terá uma energia completamente diferente. Isso porque vou ingressar em uma onda inebriante de nostalgia que me renderá repeats e uma gama de recordações. Bom, como sabem, o universo não dá ponto sem nó e, por essa razão, preciso brevemente contextualizar a representatividade desse tema pra mim. A minha história com o Jamiroquai começou em 1996, acredite se quiser, quando eu tinha 8 anos. Tínhamos uma vitrola na sala, daquelas que tocavam fita, vinil e CD. Eu era fascinada por ouvir música nos três formatos. Adorava ter que rebobinar as fitas, colocar a agulha no comecinho do disco para ouvir aquele leve ruído que antecede a música e também ver os CDs girando em uma bandeja dinâmica, enfim, toda aquela viagem que temos quando estamos em fases de descobrimento na infância.
Em um desses dias de descobertas meu irmão me mostrou um CD. Uma capa azul marinho com um bonequinho de cabeça engraçada. Se tratava do Traveling Without Moving, do Jamiroquai. Mesmo sendo muito jovem para entender a complexidade ali, devorei aquelas músicas. Eu amava como tudo soava e sempre pedia pra ouvir o “CD do bonequinho”. Meu irmão me emprestou outros dele, incluindo a sua relíquia do Space Cowboy. Eu gostei tanto que ele começou a me mostrar os clipes e tamanha foi a minha surpresa ao ver que o boneco era um cara. O cara. O que posso dizer é que, definitivamente, essa experiência foi o ponto que mudou o percurso musical da pessoa que vos escreve.
Bom, antes de falar “da faixa”, falaremos “desse cara”. Temos aqui, em minha humilde opinião, um pioneiro e um gênio. O “Jamiro” nasceu em 1992, fundado por Jay Kay, com intuito de remodelar o Jazz e Funk em uma abordagem categorizada como Acid, em função da sua composição sônica cheia de elementos que muitas vezes soam futuristas, psicodélicos e entorpecentes em meio à uma harmoniosa instrumentalização e baterias eletrônicas em loop. Claro que essas vertentes são a essência, mas se você percorrer a discografia vai captar muitos outros estilos: Reggae, Dub, Soul, R&B, Samba, Bossa Nova, Rock e por aí vai. A tendência vanguardista ali acabou rendendo a eles mais de 35 milhões de discos, indicações e premiações diversas, inclusive o Grammy e acima de tudo: a façanha de ter seu som reverberando pelo mundo através de gerações. Já diria essa Iconic de hoje, né?
Uma das faixas que mais nos marcou – e ainda marca, claro – é a Space Cowboy, do álbum quase-homônimo de 1994, The Return Of The Space Cowboy, o segundo da banda, assinado pela Sony. Music Reza a lenda que o segundo álbum é sempre um desafio, certo? Não para eles. A faixa tema dessa coluna, por exemplo, atingiu a posição número 1 em muitas charts do mundo, especialmente nos Estados Unidos e Europa. O álbum também teve seus grandes feitos, já que propagou o som para todo o globo e encabeçou as paradas musicais, permanecendo por ali o tempo suficiente para criar uma identidade sonora. Essa mescla sonora que te faz saber do que se trata em poucos segundos.
E se você acha que Space Cowboy tem toda a pinta para se ouvir em outros estados de espírito [risos], seu feeling está certíssimo. O próprio criador já admitiu que ela fala sobre ficar chapado. Bom, é só ouvir e entender. Sua intro tem um piano clássico que precede uma mistura precisa: uma bateria que segue fielmente a cartilha das vertentes embasam o projeto, um baixo vivíssimo conduz toda a história, acordes de um piano milimetricamente inseridos, sintetizadores suaves, a baita voz a la Stevie Wonder de Jay Kay e sua sagacidade no jeito de cantar… Tudo isso misturado à uma espécie de cama psicodélica oscilante que parece mesmo uma viagem cósmica e confirma as suspeitas.
Uma curiosidade é que a música que está no álbum não é de fato a original. A primeira versão foi batizada de Stoned Again Mix (olha a chapação aqui outra vez) e seu ritmo é mais marcado, além de um baixo mais presente pelas mãos de Stuart Zender, mas por alguma razão, foi a versão dois que foi para o álbum. A faixa recebeu um remix emblemático em 1995 pelo mestre David Morales e essa possivelmente já cruzou o caminho de muitos clubbers por aí. Para quem já teve a sorte de ver ao vivo sabe muito bem que a história fica ainda melhor, as jam sessions da banda resgatam a modalidade clássica do Jazz e tornam ainda mais vívida a fusão entre o instrumental e o eletrônico e toda essa atmosfera temática.
Bom, como é de se esperar, foram horas de viagem nostálgica aqui. Incluindo uma pausa para achar todos esses CDs. E se eu pudesse dar um conselho a quem me lê neste momento: nada melhor que uma música capaz de alterar nosso estado de espírito, dando uma leve entorpecida na mente e nos desligando um pouco das linhas caóticas que nos cercam. Tempos loucos, mas existem recursos para escapar mesmo que por 6 minutos e 26 segundos. Se você ainda não testou a viagem do Space Cowboy, aí está a deixa. É good vibe zone total.
A música conecta.