*Créditos da imagem: Brighton Journal
Eu sinceramente não sei como começar esse editorial. Vou falar o quê?
Sabe aquele DVD do Fatboy Slim tocando em uma praia para uma multidão ensandecida? Isso, aquele mesmo onde todo adolescente no início dos anos 2000 assistiu? É! Aquele mesmo que te fez ir na Parada da Paz e na Clubtronic Live, da Energia 97FM, e tantas outras festas que rolavam por São Paulo nos primeiros anos do novo milênio. Agora, conta pra mim? Você sabe me dizer quantas vezes você já assistiu esse DVD? É impossível ter nascido entre o final dos anos 80 e início dos anos 90 e nunca ter topado com essa obra prima feita por Norman Cook.
Eu duvido muito que você, leitor e entusiasta deste artista, não saiba que Norman Quentin Cook é o Fatboy Slim, tanto porque ele assina algumas produções com seu nome de nascença – a exemplo o remix que ele fez para Lazy do duo também britânico X-Press 2. Mas, você sabia que Fatboy Slim, nos anos 80, era baixista em uma banda de Indie Rock que fez grande sucesso em território britânico? The Housemartins é mais uma daquelas bandas que passeiam em harmonias românticas e soam macias como o pelo do seu gato, mas não se deixe enganar, as letras sempre tinham críticas políticas e um quê de adoração pelo cristianismo. Pois é, se a The Housemartins tivesse sido criada nos dias de hoje, seria uma banda cristã-socialista que não seria difícil de encontrar tocando em gigs pela região da Bela Vista/Vila Buarque. A contracapa do álbum de estreia da banda tinha uma mensagem bem clara sobre as crenças dos integrantes: “Take Jesus – Take Marx – Take Hope” – em tradução literal seria algo como: “Receba Jesus – Receba Marx – Receba Esperança”. Não vale deixar de gostar do Fatboy Slim só porque ele é “comunista” taokey?
Ledo engano seu se você acha que ele passou a mexer com música eletrônica e tudo que ela envolve só após os anos com a The Housemartins. Em 1986, Norman lançou o seu primeiro disco intitulado de D.J. MEGA-MIX Vol.1, um disco de Cut-Up – nome dado para músicas que literalmente são recortes minúsculos de muitas outras músicas – e que hoje se tornou um cult para os entusiastas do sampling por ser um trabalho muito a frente do seu tempo. Vale lembrar que o termo sampling basicamente não existia, ou melhor, não era utilizado para se referir a recortes e colagens musicais. E, como de se esperar, por ser um disco que abusa dos samples e trechos de outras músicas, esse disco não foi assinado com seu nome para evitar problemas judiciais.
Nos anos 90, Normam apresentou uma quantidade de trabalhos interessantes como Everybody Needs a 303 e Going Out My Head, faixas que demonstram bem a pegada de som que Normam sempre quis para o Fatboy Slim: o belo crossover entre samples com instrumentos acústicos e elétricos. Mas o grande despertar de Fatboy Slim foi quando o álbum sample de You’ve Come a Long Way, Baby saiu em 1998. Esse EP era composto por nada menos que Right Here Right Now, You’re Not From Brighton, Acid 8000 e Fucking in Heaven, faixas seminais da obra de Fatboy Slim e que fazem parte do segundo álbum de estúdio do mesmo.
A partir daí, Fatboy Slim virou a sensação quando o assunto era DJ, já que ele tinha uma imagem carismática e descontraída, além de entregar uma pegada musical que cabia tanto no club underground quanto numa abertura de show em arena lotadíssima. Alguns outros hits de Fatboy Slim entre 1998 e 2002 – ano em que o DVD Big Beach Boutique II foi gravado – são Praise You, Rockfeller Skunk, Sunset (Bird of Prey) e talvez, a música mais famosa dele aqui no Brasil, Star 69 (What The F**k) que de certa forma abriu os caminhos para ele fincar os dois pés no four to the floor.
Ufa, enfim chegamos a 13 de julho de 2002, um sábado de verão quente e de céu azul na belíssima Brighton Beach, bairro localizado na cidade de Brighton and Hove e que fica apenas 90 minutos de trem ao sul de Londres. Big Beach Boutique II foi uma festa/rave gratuita onde 250 mil pessoas compareceram – rapaz, é gente – e dançaram como se não houvesse amanhã. O número esperado pelos organizadores era de 60 mil. Além do set performado por Fatboy Slim ter sido gravado, uma equipe de vídeo foi contratada para cobrir o evento, o que não era algo raro de acontecer, mas a forma como esse DVD foi confeccionado é um dos grandes truques para ter feito muito sucesso. Não é difícil de se imaginar que fazer uma cobertura em vídeo de um DJ tocando pode ser complicado, afinal de contas, é somente uma pessoa em frente a um par de toca-discos, após algum tempo, isso com certeza se tornará maçante e chato. A equipe de captação e edição apresentou uma obra espetacular onde cortes rápidos e tomadas longas do público e da praia cortam a monotonia. Normam além de fazer o seu papel como DJ também faz o seu papel como atração, onde através do grande telão disposto atrás dele, escrevia recados nas capas dos discos e mostrava a todos.
Não tenho dúvidas de que BBBII foi um evento extremamente foda e o DVD deixa isso bem claro, o clima é de gente feliz curtindo um DJ zica tocando musicas tretas, e obviamente que toda edição da mais ênfase nisso, mas como qualquer evento que toma proporções faraonicas, problemas acontecem. Lembro que a primeira vez que assisti ao DVD, eu tinha em torno de 13/14 anos e ficava me perguntando o por quê de tanta gente saindo carregada entre um take e outro pelos brigadistas. Eu era uma criança né, dá um desconto. Nunca que eu ia imaginar que esse mundaréu de gente desmaiada tava passando mal por terem exagerado na bala. Coisa que eu mesmo já fiz, sou filho de Deus também!
Números oficiais da cidade de Brighton and Hove dizem que uma pessoa veio a óbito por “razões desconhecidas” – a gente sabe que é overdose, né? – e que 30 pessoas ficaram feridas por conta de um tumulto que se iniciou durante uma briga. Bom, que evento perfeito é esse? Somente trinta feridos de 250 mil. Esse número é bem maior entre feridos, basta uma pesquisa rápida pela internet para ler infinitos relatos. Um desses relatos é que a polícia local encerrou o evento muito antes do programado por conta da falta de controle justificável, afinal era um evento para 60 mil pessoas e só o quádruplo do esperado apareceu. A parada foi um Woodstock nos anos 2000, a galera chegou em peso, destruindo tudo e todos pela tamanha sede de se divertir.
Fatboy Slim, em uma entrevista para o The Telegraph, conta que ao saber dos problemas que BBBII causou ficou extremamente chateado, tanto que logo após esse apocalipse chamado Big Beach Boutique II, Brighton and Hove literalmente baniu Norman Cook de lá. É sério, ele literalmente tomou um ban e foi proibido de fazer ou participar de qualquer outro evento na cidade. Ai você me diz: Ah, mas o que tem? Foda-se Brighton! Bom, você tá certo, o problema é que Brighton and Hove é a cidade natal dele. Onde amigos e parentes moram. Onde ele nasceu e cresceu. Pensa só você não poder mais frequentar, morar ou qualquer outra coisa na cidade em que nasceu, ser ba-ni-do. Que loucura, não?
Para alegria de todos, esse banimento durou apenas quatro anos e em primeiro de janeiro de 2007 Big Beach Boutique III rolou. Mas rolou meia bomba viu, tanto que você não encontra quase informação alguma na internet. Nem foto, nem vídeo, nem audio, nada. O motivo é simples, após a série de dores de cabeça que BBB causou a cidade de Brighton, uma série de imposições foram colocadas para que o evento acontecesse, como venda de ingressos, limite de público e horário. Aliás, só poderia comprar ingressos quem possuísse comprovação de que era residente da área de Brighton, fazendo um tremendo gargalo para a festa que recebeu um pouco menos de que 20 mil pessoas.
Mais duas edições do Big Beach Boutique rolaram em Brighton, uma em 2008 e outra em 2012 sendo que a última foi executada em uma arena, diferente das outras edições que rolaram na orla de Brighton. O conceito da festa se espalhou pelo mundo e veio parar aqui na América Latina, mais especificamente no país que ele ama de paixão, o nosso. Em 2013, tivemos o prazer de receber uma série de edições do Big Beach Boutique pela costa brasileira, em Santa Catarina e São Paulo. Vale lembrar que, em 2004, Fatboy Slim se apresentou na praia do Flamengo, no Rio, com um público estimado em 150 mil pessoas. Pensa numa festa que deve ter sido.
Agora, se você que leu esse texto ainda não assistiu a esse clássico da cultura clubber – sério, em que mundo você vive? – eu vou te ajudar e deixar o link do show na íntegra logo abaixo, assim você não corre mais o risco de dar essa gafe quando estiver conversando com outras pessoas que amam a música eletrônica, tudo bem?
A música conecta.