Por definição, ícone significa representação artística de uma divindade, podendo esta ser uma cena sagrada, um personagem ou coisa emblemática. E podemos sem dúvida dizer que New Order se enquadra nos três conceitos ao mesmo tempo: banda considerada “sagrada” pelas gerações que vão além da cultura clubber, personagem seminal com um trabalho emblemático capaz de impactar tanto uma pista de dança de um festival gigante, como a de um quartinho escuro entre amigos.
É indiscutível que a banda formada por Bernard Summer, Peter Hook e Stephan Morris teceu um destino musical lendário e um direcionamento sonoro inovador e sem precedentes durante a década de 80. Não era Rock e também não era Pop. Não era Disco e também não era Techno, porém uma mistura de tudo isso e mais um pouco, formando um experimento musical regado a sequenciadores da Yamaha QXI, sintetizadores Oberheim DMX e um poderoso sampler AKAI S900.
Formado em 1980, o New Order nasce das cinzas do Joy Division – após a trágica morte de Ian Curtis – e reconfigura o legado do Pós Punk em uma nova ordem musical atípica até então, desvinculando aos poucos da tentativa de permanecer vivo o sentimento obscuro, ressignificando-o de modo original. O processo de desvinculação da imagem do Joy Division, e sobretudo do fantasma de Ian Curtis, não foi fácil para os primeiros anos do New Order, porém, foi quando conheceram o produtor Arthur Baker que o paradigma musical da banda virou.
Foi em 1983 que o experimentalismo do Dance Alternativo ganhou rumos estratosféricos, com Blue Monday, que nada mais é do que a versão com vocal da nossa icônica em questão. Me permitam uma opinião pessoal aqui: toda vez que escuto Blue Monday, seja fora das pistas, ou com o peso a mais que o dancefloor fornece aos ouvidos, eu penso “essa faixa é uma daquelas coisas divinas, dificilmente insuperável e perfeitamente orquestrada”. Assim, voltamos àquela retórica do significado de “ícone” no dicionário. Não é para menos: o bass, a bateria e suas quebras, o vocal sombrio capaz de iluminar o arranjo, e os synths que atribui o contraste entre a melancolia e a energia brilhante da faixa.
Porém, Blue Monday com sua desenvoltura majestosa, não veio sozinha no single homônimo. The Beach acompanha em sua versão igualmente fantástica, robotizando os vocais e traz uma “sujeira” a mais para o conjunto synth + bateria, que em meio a um set peak time, é capaz de superar a versão Blue Monday com vocal. Afinal, aquela esperança do óbvio se quebra de maneira espetacular, já que o instrumental vem acrescido de algumas distorções interessantes de timbres, tape-delay e reverbs que tornam a bateria ainda mais explosiva.
Tanto Blue Monday como sua versão remixada instrumental, The Beach, reaparecem em 1988 na compilação Substance – coletânea que levou New Order à irreversível ascensão meteórica a nível global. Inclusive foi por conta da receita gorda gerada por Substance, e pela ampla notoriedade que a banda alcançou com a coletânea, que o Brasil pode receber a subcultura fascinante de New Order em um show histórico no Maracanãzinho em novembro de 1988. Conseguem imaginar o que deve ter sido esse dia?
A música conecta.