Para cada história da noite, existe um personagem que é protagonista de boa parte da narrativa. No caso da história das noites curitibanas, existe um protagonista em específico que se você é de Curitiba e frequenta o underground, certamente já deve ter cruzado com ele em algum rolê, e desfrutado de sua boa companhia dançando loucamente em algumas de suas pistas, ou aprendido um pouco com as centenas de experiências que nosso personagem possui para dar e vender.
Estamos falando de Manolo Neto. Alguns o conhecem dos tempos do warm up na Strike a Pose. Outros da época do Wonka ou do Blues Velvet. Há ainda aqueles que, assim como eu, conheceram Manolo nos tempos do Bar do Simão. Ou os mais recentes, que passaram a conhecê-lo a partir da Discoteca Odara. Oportunidades não faltaram, e não faltam, de poder trombar com Manolo em alguma pista da capital paranaense, afinal, ele é um dos veteranos do cenário underground local, e sem ele, certamente a coletividade e a representatividade da cena alternativa de Curitiba, não seria a mesma.

Manolo tem o mesmo nome de uma das principais avenidas da capital: Manoel Ribas. Seu nome de batismo já previa que o pequeno Manolito não seria um qualquer na cidade. A história começa lá atrás, ainda em 2006, quando ele ainda ajudava na produção de eventos de bandas em Curitiba. Aliás, se você se lembra dos primeiros Zombie Walk , adianto a você que Manolo já estava lá, junto à produção. Acompanhado de outras peças-chave do rolê cultural da cidade como Gil Riquerme, Andy Andrade e Pedro Grego, Manolo passava a fazer a transição, entre os eventos de bandas (Indie Rock) e os bailes nas pistas de dança (Indie Dance), e foi lá com a La Rock e a Strike a Pose – festas pioneiras da geração Pop LGBTQIA+ contemporânea – que ele começou a fazer seus primeiros warm ups e estar em mais contato com a produção cultural de pista.
A primeira década dos 2000 em Curitiba, embalava a efervescência de diversos movimentos musicais alternativos, onde cada ponto da cidade se tornava um local de encontro de diferentes tribos. Se de um lado tinha a forte cultura dos Mods, do outro tinha o auge do Indie Rock, e o eletrônico underground estava procurando um pilar para se restabelecer após a invasão do Pop e do Psy Trance na cidade. Manolo estava em quase todos esses cenários ao mesmo tempo, como uma figura onipresente. Do Dark Room na Cats, com a Sadique – festa sadomaso direcionada ao público Queer, com direito à liberdade sexual ao som do Electro House da época -, às noites memoráveis da In New Music We Trust, no James – aliás, foi lá que Manolo dava um gostinho a mais para o público conhecer o que era o Indie Dance, cravando sua marca registrada com Blind do Hercules And Love Affair que levava o público à loucura.
Entre residências no Wonka, onde passou a desenvolver ainda mais suas habilidades de discotecagens, e a gerência do Blues Velvet, Manolo passou a trabalhar em um projeto embrionário trazendo artistas do underground eletrônico nacional para Curitiba. Foi por volta de 2010, que ele trouxe o ROTCIV na festa Blues Explosion, educando o público da música orgânica com as pitadas ousadas de Indie Dance do artista. Manolo nunca teve medo de ousar, e trazer experiências diferentes para as noites da cidade – que muito é conhecida pelo conservadorismo até mesmo do público que se diz “alternativo”. A cada uma dessas ousadias, Manolo acumulava pontos em sua bagagem de experiências como produtor cultural.
Porém, foi no Bar do Simão que a história de discotecagem, gerenciamento e vivência frenética das noites, ficou ainda mais intensa. O local foi um dos pontos de encontro icônicos da juventude alternativa local, e particularmente arrisco a dizer aos contemporâneos dessa época: quem nunca tomou double de killer drink, que atire a primeira pedra. Pois garanto que sob os embalos das pistas do Manolo, foram diversos killers drinks e shots de Ypioca. Com noites de quinta a domingo, Manolo aprendeu ali a comandar uma legião de seguidores, e também de DJs que com ele, aprenderam a arte da discotecagem e leitura de pista. O ponto de encontro entre o Pop e o Eletrônico, o ato de mixar uma música, a rotatividade de pista, a diversidade de artistas residentes, e a quantidade de público, contribuiu para que Manolo fortalecesse seu papel como DJ e produtor cultural de ampla representatividade na cena curitibana.
Apesar da cena noturna de Curitiba, Manolo também buscava referências em outras festas emblemáticas do país. Entre elas, a carioca V de Viadão e o próprio trabalho de Edu Castelo que foi indispensável tanto para formar a assinatura musical de Manolo, como também para inspira-lo na representação de uma cena LGBTQIA+ mais forte e ativa. Em 2015, um novo capítulo da história do artista começa a ser escrito dentro do Zeitgeist – uma das casas que marcaram a cultura eletrônica da cidade na época, e que recebia frequentemente grandes medalhões da eletrônica nacional e internacional. Manolo era uma das pratas da casa, já que por trás do backstage, foi ele quem foi o responsável pela criação do conceito artístico inicial do espaço, inclusive pelo próprio nome Zeitgeist.

Entre warm ups muito bem conectados no porão de teto baixo, Manolo era como uma porta de entrada de um público jovem que não estava inserido dentro da cultura eletrônica. Como fiéis seguidores desde os velhos tempos do artista, esse mesmo público confiava 100% em suas seleções musicais ousadas, e por isso, muitos orfãos do velho Bar do Simão, decidiam dar uma chance à música eletrônica, desde que Manolo estivesse ali com seu certificado de aprovação. E foi assim que uma nova geração de clubbers undergrounds foram se formando, seguindo seu mestre das pistas e aprendendo com ele noites adentro até o amanhecer.
+++ Relembre a apresentação de Manolo no Lab
Não demorou muito até que Manolo encontrasse, por meio do Zeitgeist, um outro fiel escudeiro que assim como ele, já era lenda no Rio de Janeiro e São Paulo. A parceria com DJChãncedaSilva, ou na época vulgo Dani Souto, unia ali a ampla experiência de vida, pista e cabine de ambos, na formação de uma das maiores e mais inclusivas festas do cenário – e que hoje é a queridinha das noites curitibanas -, a Discoteca Odara. Ali Manolo pode transparecer sua essência através de um conceito genuíno, profissional e amplamente representativo, e que ao longo de seus seis anos de atividade, vem promovendo um espaço de liberdade de expressão, inclusão, e claro, música de altíssima qualidade.

São quase vinte anos de noite, que Manolo leva em sua bagagem. Milhares de pistas somam-se em seu currículo, e uma legião de seguidores, aprendizes e entusiastas que o artista educou, e continua a educar a cada aula de discotecagem que frequentemente acontece em alguma noite, em algum canto da cidade. E se você por acaso ainda possa estar se perguntando: afinal, quem é o Manolo? Eu te respondo: Manolo é o rolê.

A música conecta.