Quinta-feira é, definitivamente, um dos meus dias preferidos da semana. Além, claro, da aproximação do final de semana, é dia de uma das minhas colunas favoritas por aqui: a Iconic. Esse clima de “Throwback thursday” (o famigerado #tbt) fica ainda mais gostoso quando aplicado à música — a prática de cavar, procurar, pesquisar e surpreender-se com obras antigas é sempre gratificante. Essa função nostálgica de relembrar clássicos, além de gerar um quentinho no coração, é válido mencionar aqui que gera também um senso muito grande de responsabilidade — principalmente quando a protagonista é uma das responsáveis pela ascensão de um gênero. Então, lá vamos nós para mais uma Iconic…
Embora goste muito, Massive Attack não é uma das minhas bandas preferidas, tal qual Unfinished Sympathy não é uma das minhas músicas favoritas, mas basta clicar no play e é possível sentir subir do início da espinha, percorrendo os braços, um arrepio que é difícil de explicar — e acho que é exatamente aí que mora toda a mágica. E Unfinished Sympathy é uma das faixas que podem gerar essa sensação — aqui infalivelmente gera. Seja ela uma queridinha ou não para você, essa é certamente uma das músicas que escancaram a complexidade que uma obra humana pode chegar e por isso, dentre tantos motivos, ela estrela esta Iconic.
Há muito o que falar sobre o Massive Attack e essa brilhante faixa, mas não vamos atropelar a narrativa, né? Para contextualizar a importância de Unfinished Sympathy, cada detalhe faz diferença — principalmente o contexto em que a banda foi formada. Tudo começa em Bristol, na Inglaterra, uma cidade que respira e inspira arte. O relacionamento histórico da cidade localizada no sudoeste da Inglaterra com a cultura é antigo, mas foi amplamente moldado por influências jamaicanas em consequência da intensa migração. A título de curiosidade, além de sediar o maior festival de street art da Europa, o Upfest, veterano artista de rua Banksy também é nascido por lá.
Bristol também é conhecida por ser a cidade do pirata Barba Negra, pela invenção dos ovos de Páscoa, do filme A Fuga das Galinhas, e por fim, mas não menos importante, por ser uma das capitais britânicas da música. Portishead e The Eagles são algumas das bandas que surgiram por lá, além, claro, do Massive Attack. A cidade ainda abriga um museu sobre sua relação com a música, o M-Shed, que em passagem por lá, é uma das paradas obrigatórias. Toda essa conjunção foi importantíssima para o surgimento da banda protagonista da Iconic de hoje e na sequência você vai entender o porquê.
Tudo começou a partir do coletivo The Wild Bunch em meados dos anos 80. Os DJs Grant Marshall (o Daddy G), Andrew Vowles (Mushroom) e o artista de graffiti Robert Del Naja (o 3D) uniram-se para criar um dos primeiros sound systems locais do Reino Unido que se tem registro — e triunfaram. Oito anos depois, o trio decide explorar a música misturando Hip Hop, Soul, Reggae e outras referências ecléticas (principalmente da música eletrônica), à características líricas como o sprechgesang, um termo alemão que define o estilo de vocal intermediário entre a fala e o canto, mas sem entonação exata do tom. Usando vocalistas convidados, o Massive Attack criou uma marca musical completamente distinta.
Lançados na indústria com Any Love, com apoio importantíssimo (principalmente financeiro) de Neneh Cherry e seu marido, em 1990, o Massive Attack assinou contrato com a Circa Records, gravadora responsável pela viabilização do disco de estreia do (até aquele momento) trio. Blue Lines foi um marco que assinalou ao mundo o surgimento de algo completamente distinto, e um nítido fruto da efervescência cultural da pequena Bristol. Entre as nove faixas do álbum, Unfinished Sympathy foi lançada em 11 de fevereiro de 1991 como o segundo single de antecipação do álbum, composta em colaboração com a vocalista Shara Nelson e o co-produtor do grupo, Jonathan “Jonny Dollar” Sharp.
A música incorpora vários elementos musicais em seu arranjo, incluindo samples de vocais, percussão, e por último, mas não menos importante, orquestração de cordas por Wil Malone (responsável por arranjos do Black Sabbath, Depeche Mode, The Verve e a lista é longa). Mas quer saber o principal aspecto que a torna a protagonista ideal para a inserção do Massive Attack nesta Iconic? Unfinished Sympathy é considerada uma música fundamental para o desenvolvimento da dance music britânica e também uma das responsáveis principais pelo sucesso do Blue Lines, álbum que fez com que a crítica usasse pela primeira vez o termo “Trip Hop”.
Como se não bastasse, vale lembrar que estamos falando dos tempos áureos dos conteúdos audiovisuais, afinal, a TV ditava as regras do “game” e Unfinished Sympathy chegou acompanhada de um belíssimo clipe gravado em plano-sequência. Dirigido por Baillie Walsh, o clipe ressalta a beleza cotidiana com a vocalista caminhando por um bairro de Los Angeles, alheio ao seu entorno e você pode conferir abaixo. Algumas argumentações defendem que uma música pode perder seu impacto com o tempo, mas claramente não é o caso dessa aqui. Icônica é pouco, né?
A música conecta.