Embora seja frequentemente referido a sonoridades que integram sub-vertentes como Deep Tech House, Progressive House e Melodic House, o Deep House — ao menos em sua construção original — não está necessariamente em uma redoma musical que se explica puramente por sua melodiosidade ou qualidade etérea. É um som chique, mais linear (sem muitos breaks homéricos), mais “molhado”, que começou pouquíssimo após a House Music original; evoca acordes de teclados elétricos e frequentemente nos transporta de volta para jazz, funk e soul. Algo como o novo single do Rafael Melhem, Aerowalk, lançado no seu próprio selo, ALRA Records.
O DJ, produtor e tecladista, também conhecido como The Soul Architect, absorveu bem ao longo de sua carreira essa elegância 4×4 do Deep e deixou, inclusive, Aerowalk guardada por uma década. Sua qualidade musical equilibrada entre percussividade objetiva, synths hipnotizantes e string pads resgata muito do semblante old school do Chicago House. Pensando nessa pesquisa e autoridade em produção que o artista paulista vem desenvolvendo nessas sonoridades, faz sentido que tentemos dissecar esses elementos e perguntá-lo: como fazer, em 5 passos, um bom e clássico Deep House?
Rafael Melhem
Eu conheci recentemente uma frase de um cara extraordinário, chamado Richard Feynman, ela traduzida seria: “O que eu não posso criar, eu não entendo”. O contexto em que ele usou essa frase é diferente, mas a forma como eu encaro a música é totalmente seguindo este preceito.
Quando comecei a produzir música, eu queria entender tudo, desde como os produtores faziam os beats até como eles tocavam/criavam melodias. Eu não gostava muito de usar loops e samples (isso mudou com o passar do tempo), então isso me ajudou muito a criar tracks do zero. E, como trabalhei profissionalmente de 2014 a 2020 com produção musical, eu desenvolvi uma mania, que é tentar entender como o produtor fez o trecho de uma música que eu gosto e depois eu mesmo tentar refazê-lo. Frequentemente estou viciado na música de alguém, seja pela melodia, por uma sequência de acordes ou por algum timbre. E essa obsessão me faz querer tentar recriar ou tocar no teclado o trecho da música – pode ser literalmente qualquer música, desde um spiritual jazz completamente obscuro ou uma música que ouvi aleatoriamente em algum lugar e me chamou a atenção.
Quando eu finalmente entendo o que foi feito naquele trecho, eu começo uma música completamente nova utilizando a técnica/sonoridade que aprendi.
Primeiro passo
No contexto de Deep House, aqui a ideia é dissecar a música de alguém que está me inspirando e absorver algum aprendizado novo dela.
Segundo passo
Eu utilizo este novo aprendizado para começar uma música nova, completamente diferente.
Terceiro passo
Como a ideia é produzir um Deep House clássico, eu tento utilizar tudo o que remete aos anos 90/2000.
Vou pesquisar quais equipamentos produtores como Larry Heard, John Beltran, Kerri Chandler, Glenn Underground, etc. utilizam ou utilizavam. Existem entrevistas em vários lugares, fotos e artigos que trazem essas informações. Sabendo o nome dos equipamentos, podemos usar plugins e patches, para podermos reproduzir ou simular os sons que esses caras usavam no passado.
Com o meu rack no Ableton bombando de instrumentos, com timbres dos anos 90, vou tocar alguns acordes no teclado até achar algo que me agrade. Aí, valem os sons de rhodes, pads “etéreos” e, no baixo, usar o icônico “solid bass” (do Yamaha DX100 – existem vários plugins que imitam esse som).
Quarto passo
Como não sou um músico virtuoso, eu toco apenas algumas frases curtas e, caso sinta necessidade, faço parceria com algum músico para solar nas minhas tracks. Nesta etapa, podemos utilizar algum plugin da “u-He” como o Diva, Repro, etc. para usarmos nas melodias/leads, tem vários timbres que remetem aos 90s.
Quinto passo
Por fim, tento finalizar a música com algum efeito de “tape” (eu normalmente utilizo o Softube Tape) para atingir a sonoridade “vintage” que eu quero, o André Salata tem ótimas dicas nessa parte de finalizar tracks, recomendo assistir seus vídeos no youtube!
Esta é a minha “receita” e é uma estratégia que sempre me mantém com vontade de fazer músicas novas! Apenas para exemplificar, eu tenho dois EP’s que algumas das tracks foram produzidas sob influência total do Larry Heard e outros produtores dos anos 90:
A música conecta.