Discotecagem: para muitos um hobby, para tantos outros uma profissão. Inclusive, uma profissão que, por muito tempo, foi desacreditada pelo mercado tradicional e que hoje, já segue aprovada pelo Senado e pela Câmara, como profissão regulamentada para inclusão dentro da Consolidação das Leis do Trabalho através do PL 2081/2015. Porém, assim como qualquer profissão, a carreira de Disc Jockey requer esforços, compromissos, estudos e dedicação que vão muito além do entendimento da função como um simples hobby. E desconsiderar esse passo a passo, é algo que certamente se reflete como prejudicial na construção de uma carreira de sucesso.
Se você já acompanha nossa revista há algum tempo, ou já frequenta o cenário da música eletrônica há alguns anos, já deve conhecer de perto a função que um DJ desempenha dentro de toda essa engrenagem, isso se é que você leitor, também não compartilha da própria função. Bom, como você já deve saber, selecionar músicas é só a ponta do iceberg. Aliás, a pesquisa musical, na verdade, é o princípio de tudo que abrange a função.
Inicialmente, lá em 1935 quando o termo “Disc Jockey” foi atribuído à Martin Block, o primeiro DJ a apresentar música popular em uma rádio aos ouvintes, o conceito era direcionado à pessoa que conduzia uma emissão de rádio, realizando todas as tarefas inerentes ao cargo: escolha de música, anúncios comerciais e, até mesmo, conversas informais. Já desde esse momento primário, a função do DJ ia além de apenas tocar o play. Esse é o primeiro ponto, quando pensamos na polivalência que um entusiasta da discotecagem precisa assumir, para conquistar o diferencial dentro de um mercado que, a cada ano que passa, recebe uma quantidade gigantesca de novos entrantes. E economicamente falando, em todo mercado, existem certas barreiras à entrada.
No caso do mercado da discotecagem, as barreiras são tácitas e muitas vezes invisíveis, porém, tendem a seguir um padrão lógico. Talvez uma das reflexões mais constantes na mente de um DJ em começo de carreira é: “eu toco muito bem, minha biblioteca musical é extensa, mas por que eu não consigo gigs?” ou “por que não consigo me sustentar financeiramente como DJ?”. É muito fácil responder apenas “siga em frente, não desista dos seus sonhos”, quando desconsideramos tudo que gira em torno da complexidade por trás não somente do mercado da discotecagem, mas no âmbito da indústria musical e artística.
Qualificação
Qualificação, é o primeiro dos pontos a ser levado em questão. Eu sei que você pode pensar: “mas fulano não sabe mixar uma faixa sequer, toca set gravado, e está ganhando um cachê de milhões”, mas não vamos se ater às exceções vexatórias, vamos nos concentrar na base fundamental para o desenvolvimento de todo e qualquer tipo de carreira profissional. Você se considera realmente qualificado para a função de DJ? Nesse caso, a qualificação é o domínio dos atributos técnicos necessários para vender seu trabalho. Você tem domínio do setup? Você domina as técnicas de mixagem? E o beatmatch? Você pode não saber desvendar o CDJ ou toca-discos de cabeça para baixo, porém, o básico necessário para a desenvoltura de um DJ set, é o mínimo que se espera quando você for contratado para comandar uma pista de dança. É claro que um curso de discotecagem é o ideal para fundamentar a qualificação, mas o caminho autodidata também é válido se você tiver o compromisso com a dedicação, aprendizado e treinamento.
Identidade e pesquisa musical
Outro ponto a ser considerado, e que começa a conferir um diferencial ao profissional da discotecagem, é a profundidade da pesquisa musical. Não basta ter uma biblioteca musical gigante, mas o quão profunda, alinhada e coerente é a história que você deseja contar em uma pista de dança? Bom gosto musical é algo muito pessoal, e sujeito a opiniões adversas. Porém, a partir do momento em que o DJ decide seguir uma identidade musical, é esperado que haja uma leitura com fundamento, sensibilidade e novidade para cair no gosto do público alvo, e consequentemente, se destacar perante à multidão. Pesquisa musical é algo que exige tempo, horas de escuta, garimpo, filtragem, percepção, conhecimento histórico de gêneros e vertentes, e até mesmo, mecanismos para driblar os algoritmos, se você procura apresentar algo realmente novo e diferente. Para uma identidade sólida e distinta, que chame a atenção dos contratantes, seguir esses passos é essencial.
Networking
Com domínio de técnica, identidade bem consolidada e profundidade de pesquisa, as barreiras iniciais já podem ser quebradas. Porém, nem só desses atributos são feitos os caminhos que levam à conquista na profissão de discotecário. Em todos os tipos de profissões, possuir um bom relacionamento com o cenário em questão é algo de suma importância para conquistar boas oportunidades. No caso da discotecagem, que em sua grande maioria, a função é primordialmente executada no ambiente das festas, fica claro que o networking com outros players, promoters e influentes do meio, não vai acontecer se você estiver trancado em casa.
Procure frequentar festas que vão de encontro com a sua identidade musical e seus valores como artista. Não seja aquela pessoa chata que envia insistentemente links do set para os promoters, sem nunca sequer ter ido às festas deles. O contato presencial, mostra que você é uma pessoa que está realmente interessada, engajada e antenada com as propostas do rolê, e abre portas para futuras trocas que podem se tornar futuras gigs. Ah, também não adianta frequentar apenas os grandes festivais. Comece procurando por festas da sua região, e tenha o pensamento de que o caminho é construído passo a passo: se ontem você tocou pela primeira vez em uma festa pequena por um cachê simbólico, amanhã você pode estar tocando nesses grandes festivais, mas desde que, o relacionamento constante e com as pessoas certas, seja levado em conta.
Portfólio e criação de conteúdo
Para um artista ser reconhecido perante a multidão, é necessário um currículo – assim como em qualquer outra profissão – e nesse caso, currículo significa portfólio. Para ter um portfólio consistente, atualizado e interessante, é importante criar uma base de conteúdo que reflita suas experiências. O Soundcloud e o Spotify são como se fossem o LinkedIn dos DJs, e é por lá que o artista reúne seus podcasts, playlists, DJ sets gravados ao vivo, e também troca experiências com outros players e marcas que podem ajudar o impulsionamento da carreira. Gravar um set para um canal interessante, pode se tornar um investimento, já que um contratante pode conhecer seu trabalho a partir dali. O Instagram e TikTok também são plataformas complementares de geração de conteúdo, onde registros de gigs anteriores, fotos, divulgação e agenda são compartilhadas a fim de atrair um engajamento tanto com os futuros contratantes, como também, para estreitar o relacionamento com o público.
Produção musical, uma skill que faz diferença
Ainda falando sobre produção de conteúdo, vamos falar de uma skill que caminha em conjunto com o universo da discotecagem, e que claramente faz muita diferença no decorrer da caminhada, que é o da produção musical. Não é preciso saber produzir para comandar uma pista de dança, mas é evidente que se você for produtor musical, as portas podem se abrir mais facilmente. Lançar as próprias músicas, mesmo que em pequenos labels, mostra que o artista possui um diferencial a mais em questão de identidade e habilidade. Claro que o caminho do sucesso na produção musical é tão, ou mais complexo que o da discotecagem, mas a possibilidade de gerar conteúdo autoral é algo que chama bastante a atenção dos contratantes, especialmente se o artista possui uma assinatura que se destaca.
Planejamento de carreira
Agora chegamos a um ponto que realmente distingue o hobby da profissão: planejamento de carreira. Para todos os tipos de profissão, é necessário estipular metas para alcançar o objetivo que se tem em mente. E falando sobre rentabilidade, traçar estratégias é fundamental para conquistar aquele cachê digno, ou até mesmo tocar no festival dos sonhos. Não adianta pensar apenas no objetivo final, é preciso pensar no caminho para chegar até ele. Em que momento da carreira você se encontra agora? Qual seria o próximo passo que você gostaria de dar? Onde você pensa estar daqui cinco anos? Quais objetivos você já atingiu? Todo esse questionamento deve ser levado em conta na hora de planejar sua carreira.
O caminho de tocar em eventos menores, eventos médios, grandes festas e finalmente festivais, pode não necessariamente seguir essa ordem, porém é um padrão que se configura em grande parte das vezes. E junto com isso, o entendimento de quanto vale seu trabalho. Embora seja complicado a auto atribuição de valor, esse princípio segue o padrão semelhante ao de outros profissionais autônomos. Não é errado pesquisar com outros colegas DJs sobre o valor médio que estão praticando, para você entender o seu. Errado é você desvalorizar seu próprio trabalho, ou cobrar uma quantia totalmente fora do preço de mercado. Evite normalizar propostas para tocar de graça ou à troco de consumação, isso é anti profissional e prejudica não somente sua própria caminhada, como também outros profissionais que valorizam os esforços até aqui.
Agência
E finalmente, chegamos a um ponto que é parte do processo de sucesso de uma carreira artística, porém os pontos anteriormente citados precisam estar bem alinhados para chegar até aqui, e progredir de uma maneira sustentável. Todos os DJs sonham em fazer parte do casting de uma grande agência, mas poucos entendem que uma agência não faz o trabalho sozinha. A agência trabalha junto com o artista, por isso, uma auto análise prévia do próprio estágio de carreira, é extremamente necessária para entender qual o seu nível de maturidade profissional. Muitas vezes procurar uma agência logo de início, pode gerar frustração por parte do artista se ele não estiver realmente preparado para as entregas em um nível mais profissional. Se você não consegue gigs por seu próprio trabalho, não espere que uma agência vá fazer milagre.
O objetivo de uma agência é impulsionar a carreira e conectá-la com marcas de relevância do mercado, projetando o que já é bom para algo ainda maior. Entender os objetivos da agência, as propostas de negócios apresentadas, a atuação da mesma e o direcionamento do casting, também são pontos essenciais para serem levados em consideração. Porém, se você não estiver devidamente preparado profissionalmente, nada disso vai fazer sentido. Há ainda quem diga, que quando o artista estiver pronto, a agência vai até ele, e não ao contrário.
Concluindo…
A corrida pela rentabilidade é um esforço constante, que abrange diversas frentes, e o DJ como profissional autônomo precisa estar igualmente em constante movimento, atualização e confluência com seu público, independente do momento e experiência de carreira. Auto análise e leitura em tempo real do seu próprio momento enquanto profissional, talvez sejam um dos pontos mais importantes para o alcance dos objetivos.
A música conecta.