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A música conecta

Grandes DJs se adaptam e evoluem com o tempo, mas este movimento é complexo

Por Alan Medeiros em Análise 05.11.2024

Quem trabalha ou vive a cena há alguns anos, já teve a oportunidade de entender como a música, assim como outras esferas criativas, possui uma dinâmica cíclica no que diz respeito a tendências e focos. Inclusive, há muita gente séria que argumenta que esses ciclos estão cada vez mais intensos e rápidos, fruto de um mundo hiperestimulado e que comercialmente precisa apresentar algo novo a todo momento. Dentro deste contexto, quando olhamos para a carreira de um DJ, profissional este que precisa inegavelmente construir seu legado com o tempo, tal caráter cíclico e transformador da música traz desafios profundos e interessantes. É sobre este prisma que parte nossa análise de hoje. 

O insight para o tema veio após conferirmos online o vídeo set do holandês Job Jobse gravado ao vivo no palco Radar da edição que comemorou os 10 anos do Dekmantel Festival, em agosto deste ano. Jobse é um dos DJs que mais admiro e acompanhei nos últimos anos. Ele é um caso extremamente raro nos tempos atuais. Um artista que alçou posição de headliner em praticamente qualquer club, festa ou festival do mundo, trabalhando apenas como DJ. Job Jobse nunca lançou uma música. E fez o que fez.

Entender isso parte do óbvio: ele é um excelente pesquisador, com técnica afiada. Mas isso não basta, especialmente se você está no mercado “apenas” como DJ. O que fez sua carreira decolar foi uma capacidade extremamente eficiente e rara de evoluir musicalmente com coerência à medida que também desenvolvia uma audiência cada vez mais conectada com suas expressões e transformações. 

Sua identidade enquanto DJ passou por diferentes fases, mas nos últimos 10 anos saiu de algo mais indie e influenciado por estéticas sonoras do anos 80, para encontrar no meio dessa linha do tempo um lugar mais dentro do House e também dos sons progressivos dos anos 90. Deste ponto, migrou para BPMs mais rápidos com uma influência mais notável do Hard House e do próprio Trance. Com isso, ficou mais big room, com cara de festival de verão mesmo. Ao meu ver, mais comercial e menos interessante do que outrora, especialmente nos últimos 2 ou 3 anos. Até mesmo mais repetitivo em termos de repertório e atmosfera. Mas, como todo grande DJ, Job Jobse segue se movendo, experimentando, encontrando novas formas, e este novo set no Dekmantel mostra muito bem isso, no que aparenta ser uma inflexão voltando um pouco mais ao House, com energia e intensidade coerentes ao posto que ele atualmente ocupa e uma narrativa menos comercial no todo.

Este processo de evolução pode sim significar dar alguns passos para trás, encontrando um pouco de passado que faça sentido, como ele apresenta neste set recente. Mas evoluir é complexo. Não se trata de uma matemática exata e a própria personalidade do artista enquanto pessoa, onde ele está inserido, com quem trabalha, exerce um fator fundamental para que o resultado seja ou não positivo. Em meio a isso, muitos ótimos artistas não conseguem encontrar um caminho evolutivo assertivo. Falham no timing, na velocidade, nas escolhas. Não é algo agradável de ser dito, mas a indústria acaba por engolir muitos desses talentos, que mesmo tendo muito a oferecer, se tornam obsoletos aos olhos das tendências do momento. É uma realidade pesada, conflitante, confusa e desgastante para muitos, que acabam por abandonar carreiras que poderiam sim ser longevas, mas por falta de adaptação, deixam de ser competitivas perante ao mercado.

Quando paro, penso e analiso a cena brasileira e global, buscando identificar DJs veteranos que hoje possuem carreira em alto nível de performance musical e comercial (faça este exercício você também), inevitavelmente percebe-se que uma imensa parte deles, muito além de evoluir, também mudou, se adaptou às mudanças do tempo. É uma dança muito sútil que consiste em seguir trabalhando o que você representa enquanto seletor musical, com uma conexão direta com o som que é quente para a geração do momento que está nas pistas. E não se trata apenas de bom gosto. É algo tático também. Mesmo que no subconsciente, esses DJs conseguem atravessar gerações mantendo uma coerência, mas transformando seus repertórios em algo atual – o que não tem a ver com tocar músicas novas necessariamente, note. Em muitos casos, mudam completamente aos olhos do público. Mas nos bons exemplos, algo sempre é preservado.

Este movimento de evolução requer um imenso cuidado. Pois uma coisa é evoluir artisticamente se adaptando ao mercado com personalidade. Outra é pular de galho em galho, abraçando cada nova tendência como se fosse o amor escondido de sua vida. Geralmente, fica fácil identificar quem está genuinamente buscando novos caminhos e quem tá querendo apenas surfar a onda do momento. Como tantas outras questões que misturam temas tão distantes e próximos paradoxalmente, exemplo da relação arte/negócio, se adaptar com eficiência trata-se de uma real habilidade que é composta por inteligência, sutileza, poder de observação, paixão e muita disposição para entender e viver isso de uma forma que faça sentido. Um bom DJ é o resultado de muitas horas de pesquisa, vivências, experiências e sentimentos. Moldar isso de maneira consistente atravessando gerações é um feito gigante e que deve muito ser valorizado.

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