Joseph Ashworth trata a música e a criação como uma construção paciente, atuando na contramão da pressa e da descartabilidade. Seja no estúdio, onde há a meticulosidade de quem lapida cada detalhe até que faça sentido ou nas pistas, onde seus longsets desenham histórias que não se explicam em transições óbvias, apostando em movimentos que surpreendem sem perder a conexão emocional.
Desde Grain (2015), álbum que colocou o DJ e produtor londrino em evidência, Joseph mostrou que sua intenção não era seguir tendências, mas comunicar emoções genuínas, refletindo a fusão entre a energia robusta do Techno e a fluidez do House, sempre com uma dose de experimentação. Esse equilíbrio molda uma assinatura que escapa de rótulos simplistas.
Seu trabalho em estúdio se consolidou de forma orgânica: além de lançamentos em selos como Anjunadeep, Needwant e Pets Recordings, ele coleciona colaborações com artistas como Jonas Rathsman, Shadow Child e Catz ‘n Dogz, e apoio de nomes como Dixon, Kölsch, Maya Jane Coles, DJ Tennis e Sasha. Nos palcos, Ashworth traduz essa identidade em sets versáteis e profundamente conectados com a pista. Seja em clubs como Fabric (Londres) e Nordstern (Basileia) ou festivais como BPM e CRSSD, suas apresentações evidenciam que técnica e emoção não são elementos opostos, mas duas faces do mesmo processo criativo.
Em 2025, Joseph Ashworth reforça essa trajetória com o lançamento de HiFiHi, colaboração ao lado de Sasha, lançada pela Last Night on Earth. Dividida em duas versões, uma que revela a energia pura da pista e outra que engloba momentos mais introspectivos e sutis, representando o encontro de duas gerações comprometidas com a mesma missão: criar música que, mesmo em tempos de excesso e dispersão, ainda seja capaz de suspender tudo por alguns instantes.
Convidamos Ashworth a compartilhar 10 faixas que ajudam a compor seu repertório de pista, revelando um pouco dos caminhos e escolhas que guiam sua conexão com o público.
Cool Jack – Just Come (SHARP Vocal Mix)
Toco essa faixa em praticamente todo set, se o clube estiver bombando e o som estiver alto e pesado. Ela é densa e pegajosa, segue com força e sempre entrega algo novo no momento certo. É, de um jeito estranho, ao mesmo tempo espalhafatosa e ameaçadora. O começo é incrível também — o vocal salta do nada, sempre parece que é alguém cantando ao vivo ali na cabine, de tão cru e pouco produzido que é.
Mikey Smith – Roots
Quem foi o primeiro a perceber que essa faixa pode ser lida como um house mais dubby (talvez o Ricardo Villalobos?) é um gênio — não posso levar esse crédito. Aquele grunhido que o Mikey repete o tempo todo… e o “Jah Rastafari” distorcido e absurdamente alto no meio… é um pico insano de intensidade, alcançado sem usar nenhum dos truques típicos da dance music. Se você acelerar uns BPMs e tocar no sistema de som certo, com a pista no ponto, essa vira uma das faixas da noite. Mas também consigo imaginar metade da pista indo embora — então é preciso escolher bem o momento. Mas, sinceramente, o que mais é o trabalho de um DJ senão isso? Cheguei a fazer uma versão mais quantizada com algumas baterias extras, mas no fim voltei pro original — é um poema rasta dub feito por um anarquista jamaicano. Duvido que ele ligasse muito pra mixagens perfeitinhas.
Josh Brent – Then Again feat. Tempo O’Neil
Lançado pelo selo incrível do Craig Richards, claro. Peguei esse vinil na época em que comprava mais discos. Amo a programação das baterias e como tudo é barulhento e fora do eixo, tem até um quê de Deee-Lite, de algum jeito. Um uso de samples muito massa. Uma faixa de breaks bem colocada em um set de house é pura alegria.
Charlie – Spacer Woman
A escolha mais óbvia da lista, mas é um clássico inegável — e sinto que ela conecta todo mundo que vive o club. Lembro de estar me ferrando num set pra uma galera mais velha, fã de trance, nos EUA — até que soltei essa e consegui encontrar um ponto em comum. A progressão de acordes no começo é simplesmente absurda. Tudo nela é perfeito — até o fato de “I’m the spacer woman” nem fazer tanto sentido assim.
Bizarre Tracks – Sensory Delight
É incrível como essa faixa sempre soa atual e maravilhosa. Toco há anos e ela continua funcionando, mesmo com públicos mais conservadores, que preferem sons mais modernos. Se você souber como e onde encaixar, ela cai como uma bomba. Cheia de viradas incríveis — tipo o baixo que entra aos 3 minutos ou a mudança de acordes no meio.
Call Super – Flunk’s Shelf
Lembro do dia em que comprei essa na Kristina Records, na Kingsland Road. Toquei muitas vezes ao longo dos anos e sempre percebo a mesma reação: a galera começa meio estranhando o som abafado e dubby (eu mesmo sempre penso “acho que só vou poder deixar uns dois minutinhos disso”), mas de repente, quando chega nos 7 minutos, todo mundo tá imerso e eu nem tenho pressa de tirar.
Madam – The Regret
Definitivamente não é uma faixa pra hora de pico, mas pra mim é uma obra-prima. Faz muito com quase nada. É sombria, nostálgica e, ao mesmo tempo, dá vontade de dançar. Tem sido uma grande inspiração pra muitas das músicas que estou fazendo com o DJ Tennis (junto com The Other People Place e esse som mais contido de breakbeat).
Acid Pauli – Nana
Durante boa parte da minha carreira, fui escalado pra line-ups mais “melódicas/progressivas” por causa de alguns selos com os quais lancei músicas. Muitas vezes me sentia meio deslocado nessas festas, achava a cena um pouco limitada musicalmente. Mas essa faixa sempre funcionava. Na real, é uma das minhas favoritas da vida. Admiro muito quando ouço uma música e penso: “não faço ideia de como fizeram esse som”. E essa é uma dessas.
Nacho Marco – Afterlife
À primeira vista, é uma escolha meio fora do comum. É um acid clássico com 303 e 808, mas feito em 2016, então não é “lendário” ou “super culto”. Mas, no momento certo, no lugar certo, ela destrói. Na quebra que começa em 3:44, costumo cortar o baixo e ir enchendo a sala de reverb cada vez mais (um truque que, se usado demais, pode ser meio chato), até 4:46 — aí solto tudo de volta. Toda vez, é pancada.
Zander VT – Dig Your Own Rave
Poderia ter escolhido várias outras faixas dessa mesma época e cena — todas têm um lugar especial pra mim. Comprei esse disco na primeira vez que visitei Berlim (e também foi meu primeiro set fora de Londres), quase 20 anos atrás. Eu estava passando por uma mudança profunda no jeito de entender a música — até então, nunca tinha dado valor pra coisas como sutileza e paciência na música de pista.
Curiosamente (isso foi por volta de 2007/2008), o dono da loja recomendou que fôssemos a um clube naquela noite pra ver o DeepChord (Dub Techno maravilhoso — inclusive, tinha comprado outro disco deles). Fomos e foi uma das noites/dias mais incríveis da minha vida. Dançamos até cair, dormimos algumas horas e voltamos no dia seguinte. Era o Berghain — que, naquela época, ainda nem tinha todo o hype de hoje.