Skip to content
A música conecta

Mais uma vez, a hora e a vez do UK Garage?

Por Redação Alataj em Editorial 20.05.2025

por João Castro

Dizer que o UK Garage voltou talvez seja um erro de premissa. O gênero nunca desapareceu por completo. O que acontece agora é algo mais sutil — uma reformulação, um recondicionamento criativo que evita a nostalgia direta. Ao invés de replicar o passado, uma nova geração de produtores está reconectando o UKG com o presente. E não é pouca coisa: se nos anos 2000 o gênero foi pressionado pela repressão estatal, pelo fechamento de clubes e pelo esgotamento de seu apelo mainstream, agora ele retorna com outros códigos, respirando pelas frestas de um ecossistema digital que também mudou.

O nascimento do UKG nos anos 90 veio de uma demanda local: manter a energia nas pistas britânicas depois de uma queda no ciclo das raves, em uma época em que o Garage House americano ainda dominava os afters. Quando DJs como MJ Cole e DJ EZ começaram a alterar o tempo das batidas, inserir recortes vocais e explorar a percussão com mais liberdade, algo novo emergiu. O UKG encontrou sua identidade nas frequências graves, nos hi-hats quebrados e na estética híbrida que misturava Soul, Jungle e R&B. Era a resposta britânica à sua própria maneira. 

Com o tempo, a aderência ao estilo foi de certa forma encoberta pelo avanço do Grime e do Dubstep, mas nunca deixou de reverberar como referência em sets, nos afters, nos remixes de SoundCloud e nos sets de rádios piratas. Em 2022, a faixa B.O.T.A. (Baddest of Them All), de Interplanetary Criminal e Eliza Rose, alcançou o topo das paradas britânicas, mostrando que os códigos do UKG ainda tinham um lugar ao sol quando o assunto era protagonismo musical. O fator novo aqui não era exatamente o estilo, mas sim a conexão que estava sendo criada com uma geração que nunca tinha dançado essas batidas anteriormente. 

Hoje, artistas como Sammy Virji e Conducta são peças centrais dessa reformulação. Sammy emergiu pelo Bassline e migrou ao UKG com apuro técnico notável — seu disco Spice Up My Life, de 2020, trouxe clareza sonora e ambiência pop sem perder a assinatura do gênero. Conducta, por sua vez, se tornou referência ao usar o TikTok e os Reels como ferramentas de divulgação, sem sacrificar consistência artística — e reforçando que o UKG, mais do que nunca, sabe dialogar com o tempo real. Em um ambiente digital dominado por clipes curtos e hooks virais, o uso dessas plataformas se tornou também um desafio estético: como manter uma linguagem autoral diante da lógica de repetição imposta pelos algoritmos?

Além dos artistas, coletivos e selos independentes têm desempenhado papel fundamental nessa nova fase. Labels como Kiwi Rekords — fundado pelo próprio Conducta — e Timehri, têm criado um espaço onde o UKG convive com influências do Jungle, Dancehall, Funky e House sem perder sua identidade. Esses selos operam com uma curadoria que privilegia a inovação criativa sobre a previsibilidade do mercado, e ajudam a manter vivo um circuito que no passado já foi jogado para fora do mainstream, mas tem um grande potencial de apelo popular. É nesse lugar entre o club, o Bandcamp e os canais de rádio online que o UKG tem reencontrado seu próprio caminho. 

Em outra frente, artistas como Silva Bumpa e Alec Falconer têm expandido a paleta sonora do estilo ao fundir o UK Garage com o legado do Niche/Bassline de Sheffield — resultado de um mapeamento estético que passa por clubs locais, abordagens específicas e frequências aceleradas. O resultado é uma música que, embora reverente às origens, soa absolutamente contemporânea e com traços de conexão muito genuínos com a House Music mais clássica. 

No Brasil, ainda que o UK Garage não tenha formado uma cena massiva ou tão estruturada quanto a de outras vertentes, há movimentações pontuais que ajudam a manter essa linguagem em circulação. Festas de diferentes partes do país já acolheram sets com essa sonoridade em meio a estéticas híbridas de Breaks e House. Artistas como CERSV, EVEHIVE, Cybass e MK JAY vêm explorando linhas quebradas e grooves que dialogam com o UKG contemporâneo. Em outro ponto importante de observação, estilos como o DnB e o Jungle têm voltado a ganhar força em alguns centros importantes e batidas quebradas e aceleradas de forma geral são muito mais aceitas e vivenciadas nos dias atuais em relação a outrora.

Esse retorno do movimento a nível internacional não vem com os mesmos figurinos dos anos 2000. As produções atuais dialogam com as referências do presente e possuem uma engenharia de som que reflete o acesso a tecnologias e ferramentas que não estavam disponíveis no início. Daffy, Main Phase e ZeroFG, por exemplo, trabalham com texturas percussivas e ambiências melódicas que colocam o UKG num terreno mais sofisticado, às vezes próximo do dub, outras vezes flertando com o minimal.

O que essa nova fase demonstra é que o UK Garage não é mais um revival. É uma linguagem mutante que continua encontrando caminhos para se infiltrar, se atualizar e, principalmente, resistir. Em um cenário global onde a velocidade e o descarte imperam, o UKG desafia a lógica do hype ao não se apagar — mas sim se adaptar.

A MÚSICA CONECTA 2012 2025