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A música conecta

Ben Klock: ritmo, compromisso e consistência

Por Elena Beatriz em Storytelling 13.08.2025

Quando falamos do Techno made in Berlin, é natural que alguns nomes que consolidaram o gênero comecem a pairar sobre as nossas ideias e, sem dúvidas, Ben Klock é uma figura central dessa história. Contudo, há um trajeto pouco recordado antes dele encontrar seu caminho e ajudar a pavimentá-lo em meio às noites berlinenses. 

Ben Klock teve seu primeiro contato com a música já na infância, quando aprendeu a tocar piano, desenvolveu sensibilidade musical com o Jazz e descobriu o minimalismo de Steve Reich (com menção honrosa à Music for 18 Musicians) na juventude, influências que anos depois se traduziriam na forma como estrutura seus sets e produções. Ainda na adolescência, também começou a engatar os primeiros passos na discotecagem, quando experimentava diversas maneiras de manipular fitas cassetes.

Como um berlinense nato, é importante mencionar que Klock presenciou um contexto de transição histórica após a queda do Muro, onde pôde reconhecer a relevância real de alguns movimentos, a exemplo da ascensão da música eletrônica como extensão da mudança social ali presente. Foi assim que, no início dos anos 90, adentrou na vida noturna de Berlim, tocando em clubes como Tresor, WMF, Cookies e Delicious Doughnuts, inicialmente voltado ao House e aos poucos intensificando o peso e a fisicalidade de suas seleções, até chegar organicamente ao Techno que o caracterizaria.

Todavia, quando o Electroclash dominou o final da década, Klock se afastou temporariamente da cena, dedicando-se majoritariamente ao seu trabalho como designer gráfico — e convenhamos que esta é uma informação importante quando pensamos na Photon, seu projeto mais recente em atividade. Após o hiato, o retorno veio com força máxima em 2004, após a inauguração do icônico Berghain: “A arquitetura, o som… era assim que essa música deveria ser apresentada. Tudo finalmente se encaixou.” comentou o próprio artista em uma entrevista para o Awakenings. É como se ali Ben Klock tivesse suas esperanças renovadas sobre o futuro da cena e de sua própria história dentro dela.

No ano seguinte, Klock assumiu uma residência que se tornaria emblemática no club, tanto para o desenvolvimento de seu formato artístico, quanto para a consolidação da assinatura do que conhecemos como “Berghain sound”, por meio de long sets de até mais de 10 horas, combinando tensão e energia em ciclos calculados, do mais denso ao minimalista, mantendo a pista em estado de hipnose contínua. Ali já era sabido que ouvir Ben Klock em uma pista é conhecer sobre consistência, dinamismo e originalidade.

Não demorou para que ele também começasse a despontar como produtor musical. Singles como Glow (2003) projetaram seu trabalho para uma audiência maior, enquanto sua parceria com Marcel Dettmann gerou faixas marcantes, como Dawning (2006), que marcou o início da relação de ambos com a Ostgut Ton e tornou-se um clássico do catálogo da gravadora. 

Lançamentos como Dead Man Watches the Clock (2006), Compression Session (2010) e Phantom Studies (2017) consolidaram seu nome e ilustram o que ajudou a cristalizar o som característico do selo, intrinsecamente ligado ao Berghain, enquanto reworks e remixes para Kerri Chandler, Depeche Mode, Robert Hood e Kenny Larkin revelaram sua habilidade de imprimir identidade mesmo sobre obras já estabelecidas e distintas. O ápice dessa jornada foi o álbum One (2009), que se traduz em um registro de Techno denso, minimalista e hipnótico, com faixas como Goodly Sin e Init One que permanecem até hoje como referência para a produção musical de faixas mais conceituais, hipnóticas e experimentais.

A solidez criativa lapidada ao longo dos anos foi também impulso para que Ben Klock ampliasse sua atuação para além do estúdio e das cabines e foi nesse mesmo condicionamento que ele resolveu fundar a própria gravadora, a Klockworks, em 2006 – inicialmente, voltada às suas próprias produções, mais cruas e minimalistas. Com o tempo, o selo passou a receber trabalhos de outros nomes que também se tornaram relevantes na cena, como DVS1, Etapp Kyle e Fadi Mohem. A curadoria mantém um foco claro no Techno, privilegiando lançamentos que preservam a integridade do gênero, sem abrir concessões a tendências passageiras que não façam sentido com o propósito original, criando assim um espaço onde sua essência é preservada e expandida.

Essa curadoria se expandiu para os palcos com a criação da Photon, série de eventos que integra música, luz e arquitetura para criar uma experiência física e sensorial coerente com a proposta sonora do selo. Diferente de formatos que sobrecarregam o público com estímulos visuais exagerados, a Photon utiliza a iluminação como parte da narrativa, guiando o fluxo da pista. Desde sua estreia, já ocupou espaços icônicos como Gashouder, Bassiani, Berghain e ARCA, mantendo um alinhamento entre som, luz e espaço que privilegia a imersão e o senso de comunidade ao mesmo tempo, criando uma jornada que transforma a percepção do ambiente e reforça a energia da pista, enquanto prioriza a intensidade emocional. 

Photon na ARCA, em 2019

No dia 23 de agosto, a Photon retorna ao Brasil, mais precisamente para Campinas, no GATE22. É uma oportunidade bastante preciosa para o público brasileiro vivenciar essa abordagem que Ben Klock vem defendendo em sua carreira, e que a Photon traduz com fidelidade e impacto ao sintetizar duas dimensões que marcam sua trajetória: a habilidade de conduzir a pista com narrativa própria e a atenção a todos os elementos que moldam essa experiência.

Falando em experiência, talvez seja esse o elemento que melhor define a carreira de Ben Klock. Ele construiu uma reputação a partir da capacidade de guiar a pista com paciência e precisão, qualidade que também o levou a uma agenda contínua, com mais de duas décadas de carreira, ocupando festivais como Movement Detroit, Awakenings, Dekmantel e Time Warp, além de passagens por clubes históricos nos cinco continentes. Klock mostrou que é possível adaptar-se a diferentes formatos, de maratonas no Berghain a slots reduzidos em grandes festivais, sem abrir mão do seu estilo de construção e do controle absoluto de energia que definem sua identidade. O mesmo movimento que o levou a conquistar reconhecimento fora dos clubes. 

Em 2012, Ben foi convidado a assinar a compilação fabric 66, registro que condensa sua habilidade de criar um fluxo narrativo consistente em um set. Três anos depois, veio o prêmio Essential Mix of the Year da BBC Radio 1, reafirmando seu status como um dos DJs mais influentes da atualidade, um feito cada vez mais distante para artistas que, assim como ele, não cedem às pressões de grandes aparições ou movimentações no ambiente digital.

No último ano, Klock também ampliou seu campo de exploração artística. Em parceria com Fadi Mohem, lançou Layer One, um álbum de caráter mais experimental que marca uma abordagem disruptiva intencional com o seu espectro sonoro mais reconhecido. O trabalho foi o ponto de partida para a criação do selo LAYER, também em parceria com Mohem, pensado como espaço para projetos que escapam ao Techno tradicional. Sem calendário fixo de lançamentos, o selo se mantém aberto a propostas que reforçam que o impulso criativo de Klock segue tão ativo quanto nos primeiros anos de carreira.

Essa forma de trabalhar ajudou a cultivar um público que entende e valoriza a construção das sonoridades diversas dentro do mesmo espectro, onde cada camada acrescenta tensão ou libera espaço, mantendo todos em estado de imersão. É um contraponto direto à lógica imediatista da pista atual, pois para muitos, ouvir Ben Klock é entrar em um tempo diferente, onde a música dita o momento e o resto do mundo desaparece, como um antídoto contra o excesso de estímulos e a hiperconexão que marcam os tempos atuais.

Ao olhar para o momento presente do Techno, é impossível ignorar a influência das novas tecnologias, plataformas digitais e formatos visuais que tomaram conta da cena. Hoje, as apresentações costumam ser acompanhadas de projeções complexas, múltiplos canais de transmissão e um discurso visual que, em muitos casos, ofusca o que realmente deveria ser o centro da experiência: a música e a conexão direta com o público. Nesse contexto, a postura de Ben Klock soa ainda mais relevante e necessária. Ele nunca deixou de priorizar o simples e essencial poder de uma boa curadoria com um bom sistema de som.

No fim das contas, Ben Klock não é apenas um nome importante do Techno; sua trajetória mostra que consistência não é estagnação, mas a capacidade de evoluir preservando princípios. Ele representa um olhar comprometido com o futuro do gênero e da cena como um todo, um compromisso com a essência da música eletrônica, onde são as conexões que realmente importam.

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