Em julho do ano passado, publicamos um texto, escrito por Isabela Junqueira, sobre o potencial ainda não realizado do Indie Dance e sobre como ele parecia pronto para ocupar um espaço central em camadas que envolviam tanto o underground, quanto o mainstream. Pouco tempo depois, é possível dizer que o cenário não mudou de forma significativa e, em alguns aspectos, o gênero parece ter perdido ainda mais clareza e direção.
Após ter seu alcance expandido nos lineups, playlists e charts de grande influência — alimentado pela sede de novidade atrelada ao sentimento de nostalgia anacrônica despertado pelo pós-pandemia, que abriu espaço para que o público e os próprios artistas ficassem envolvidos por uma sonoridade mais contemplativa — o gênero como um todo não evoluiu como se esperava ao longo dos últimos meses, ao passo que plataformas digitais priorizaram sons com apelo global mais evidente, como o Tech House, Afro House, Melodic House e o Melodic Techno.
Ao mesmo tempo, uma nova geração de produtores passou a usar o rótulo Indie Dance para faixas que, na teoria e na prática, se aproximam mais do Tech House, Electro, Progressive House ou até mesmo algumas sonoridades conectadas ao Melodic House. Nesse caso, como a categoria Melodic House/Techno no Beatport é reconhecidamente mais disputada, lançar faixas de melódico com a classificação de Indie Dance é como um atalho para conseguir resultados melhores em um prateleira de charts mais acessíveis.
Este volume massivo de novas faixas rotuladas como Indie Dance em plataformas de venda e streaming prejudicou a capacidade do público diferenciar o que são de fato releases de Indie Dance, tornando mais difícil criar nomes de referência e compreender o movimento. É basicamente como se tudo acontecesse numa velocidade tão rápida, que um estilo que precisa um pouco mais de compreensão do público leigo não consegue ter tempo de ser processado e, pior, começa a ser confundido pelo mal tagueamento das plataformas.
O efeito dessa reclassificação estratégica diluiu a percepção do público sobre o que o Indie Dance realmente é: um herdeiro direto do Post-punk, New Wave e do Synthpop, advindo de bandas como New Order, Depeche Mode, Talking Heads e Visage, em combinação com gêneros como House e Rock Progressivo. O resultado disso é um conglomerado de charts que, ao invés de refletirem a essência do gênero, mais se aproximam de uma compilação de vertentes que não se conectam verdadeiramente entre si.
Apesar do cenário difuso, alguns artistas seguem defendendo o DNA do gênero e buscando sua expansão, a exemplo de Kendal, Curses e Damon Jee que mantém a conexão com o EBM e o New Wave, Chinaski que constrói faixas que se apresentam como trilhas redescobertas de filmes dos anos 80, Terr que projeta o Indie Dance para novas dimensões por meio de uma produção cósmica de forte apelo para a pista, e artistas como Mita Gami e Adam Ten que, por sua vez, representam uma interseção interessante em diversos lançamentos: transitam entre elementos mais acessíveis, mas preservam a coerência necessária para evocar as raízes do movimento. Ao lado deles, selos como Correspondant e Permanent Vacation continuam a exercer uma curadoria que proporciona um papel ativo na manutenção da trajetória do gênero.
Todavia, ainda que trabalhos como esses garantam a circulação de lançamentos consistentes de qualidade e mantenham em atividade a relação do Indie Dance com a sua essência, ainda não surgiu nenhuma marca, gravadora ou artista que conseguiu romper as barreiras e levá-lo para o mainstream ou públicos de outros movimentos com grande eficiência. Se olharmos para as trajetórias recentes do Melodic Techno e o Afro House, isso aconteceu em diferentes momentos e foi fundamental para o sucesso dos estilos.
É possível debater que nomes como Adam Ten e Mita Gami através da Maccabi House, já teriam esse potencial, mas ainda não furaram a bolha com a intensidade necessária. Em outra frente, nomes como Gerd Janson ou Jennifer Cardini, talvez não tenham a ambição (e todo direito a isso) de fazer concessões em seus trabalhos para levá-los a mais pessoas, o que acaba por deixá-los ainda um pouco como figuras de um certo underground mesmo, extremamente respeitados dentro do nicho, mas com limitações de audiência fora dele.
Um dado que ajuda a corroborar isso vem da plataforma BeatStats, somente 1 entre as 10 gravadoras mais vendidas no Beatport tem o Indie Dance entre os seus gêneros principais. Essa label é a Diynamic, do Solomun, que pode sim ser apontada como uma das candidatas a representante do estilo para furar a bolha, mas que carrega consigo uma identidade já formada no imaginário coletivo por ter sido chave em outros movimentos, como o Deep House e o Melodic Techno, e até mesmo por conta do próprio Solomun, o que acaba dificultando essa identificação como uma marca de Indie Dance — mesmo esse sendo o estilo principal da gravadora atualmente, segundo a plataforma.
No Brasil, apesar da existência de coletivos e festas que abraçam o estilo, a maioria dessas iniciativas se mantém restrita a circuitos muito específicos e, frequentemente, compartilham espaço com outras vertentes dentro da mesma programação. Sem uma rede mais ampla de curadoria e fomento dedicados, é difícil criar uma percepção sólida e contínua capaz de impulsionar o gênero para fora dos nichos onde ele já é bem-vindo.
O desafio em questão não é mais refletir sobre quando o gênero irá alcança o seu ápice, mas se é possível impedir que ele se dilua antes mesmo de amadurecer como conceito e movimento, afinal, o Indie Dance não se limita a aparecer em pistas e produções, ele tem como papel principal traduzir décadas de música alternativa para uma roupagem contemporânea da música de pista. Não abrir mão dessa narrativa é um dos poucos caminhos capazes de conectar passado e futuro com autenticidade.