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A música conecta

Um olhar para o Top 100 da DJ Mag de 25 anos atrás

Por Elena Beatriz em Artigos 15.10.2025

Duas listas separadas por 25 anos, mas que dizem muito sobre o caminho que a música eletrônica percorreu. O Top 100 da DJ Mag sempre funcionou como um espelho do seu tempo, um retrato que está longe de abranger todas as camadas que compõem a cena, mas muito revelador sobre a forma como o grande público e indústria enxergam a figura do DJ. 

Não há como dizer que nos anos 2000 o ranking refletia apenas a curadoria das pistas da época ou a guinada da música eletrônica nos grandes centros, pois o fato é que, quando uma lista passa a enumerar a posição de importância dos artistas, também se fala da relevância da personalidade, popularidade e visibilidade, mesmo distante da dinâmica das redes sociais no início do século. Em 2025, porém, essas categorias se tornaram indissociáveis do talento, sintetizando um momento em que alcance e engajamento definem posições com a mesma ou maior intensidade que a construção da trajetória. A partir desse contraste se torna interessante observar o que separa e o que aproxima essas duas listas. 

No início do milênio, o reconhecimento vinha especialmente da pista. Sasha, primeiro colocado no ranking dos anos 2000, Judge Jules, Carl Cox, John Digweed eram nomes que sintetizavam o início do House, Techno, Trance e vertentes progressivas que valorizavam as transições longas e o controle da construção da atmosfera noite adentro nos clubs europeus. Esses artistas formavam uma geração que consolidou o DJ como figura de autoridade no que se refere a curadoria, enquanto o domínio técnico era apreciado com atenção máxima em conjunto com a sensibilidade para leitura de pista, que definia quem deveria ser indicado ao topo. 

O Top 100 dos anos 2000 também carrega um contexto muito específico. A cena britânica ditava a maioria das tendências globais, sendo terra das duas principais publicações de revistas especializadas da época (Mixmag e DJ Mag) e através da popularização de clubs como Cream e Ministry of Sound. Berlim, ainda redefinindo sua identidade cultural após a queda do Muro, consolidava os primeiros pilares do que viria a ser o Techno europeu contemporâneo, com espaços como o Tresor e o E-Werk. Ibiza, por sua vez, vivia um de seus períodos mais simbólicos e eufóricos, a exemplo das residências de Paul Oakenfold e Carl Cox, que transformavam as noites em grandes experiências, direcionando a ideia de clubbing como destino turístico e consolidando a ilha como um eixo global da música eletrônica.

A internet ainda dava seus primeiros passos, e o acesso à música dependia de lojas especializadas e importação de discos. O vinil permanecia como principal ferramenta de trabalho, símbolo de status e de técnica, enquanto a valorização do DJ, impulsionada através de residências, turnês e lançamentos em selos independentes, se dava pela credibilidade conquistada nas pistas, pela capacidade de provocar impacto coletivo e imprimir sua assinatura no som. Nesse contexto, o ranking da DJ Mag funcionava como um registro de quem, naquele momento, definia as referências da próxima geração.

Nos 25 anos que separam uma lista da outra, a música eletrônica passou por um processo de transformação que alterou tanto as sonoridades apresentadas, quanto a maneira como os artistas constroem suas trajetórias dentro dela, principalmente pelo impulso causado pelo alastramento das redes sociais. Neste ano, a lista é liderada novamente por David Guetta, que alcançou sua quinta vitória no ranking e se tornou o artista mais premiado da história do Top 100. O dado em si já diz muito sobre a transformação do papel do DJ nas últimas décadas. 

David Guetta é um bom representante da consolidação de um modelo em que o trabalho de técnica e curadoria do DJ se ampliou em múltiplas funções que hoje englobam produção, comunicação, performance e uma imagem de artista vendida como marca que deve possuir apelo popular e comercial. Trata-se de uma mudança de paradigma, que reflete a transição da cultura de clubs para uma cultura global de visibilidade e simboliza o momento em que a música eletrônica deixou de ser uma cultura de nicho para se tornar parte relevante da engrenagem de uma indústria massiva do entretenimento.

A figura do DJ, antes ligada a uma dimensão de alguém que se expressava por meio da música, passou a ocupar o centro das atenções. A ascensão de plataformas digitais, o aumento da presença de grandes festivais e a força das redes sociais aproximou artistas e audiências em um nível inédito. O carisma, o apelo visual, o engajamento com o público e a capacidade de se manter relevante em um fluxo de atenção permanente se tornaram parte do que se entende como sucesso. A pista continua sendo importante, mas faz tempo que já não é o único meio para o reconhecimento em contextos como este.

A mudança mais evidente entre as duas listas está no som. O início dos anos 2000 era marcado por gêneros que valorizavam a continuidade e a imersão, como a já citada era clássica do House, Techno e Trance sobre longos momentos de construção. Hoje, a ascensão do Tech House, Afro House, Melodic Techno e do EDM trouxe estruturas de faixas mais curtas, guiadas pela dinâmica das plataformas e pela necessidade de funcionar tanto na pista quanto nos streamings em versões mais acessíveis e expansivas. 

Ao mesmo tempo, o DJ de 2025 não se sustenta apenas pela música. A visibilidade passou a fazer parte da própria obra, e figuras como Peggy Gou e Mochakk sintetizam essa fusão entre presença pública, identidade e som. Ambos construíram carreiras baseadas nas produções musicais que conversam com o mainstream e com um público mais afunilado, na estética que apresentam, na maneira como se portam e se vestem, na conexão com o público e numa leitura contemporânea do que significa ser artista, usando as redes sociais como extensão natural de sua energia na cabine. Essa geração entendeu que imagem e som se complementam, e que o DJ, mais do que nunca, é também comunicador.

Apesar da transformação no modo de consumo e na exposição, alguns nomes e sonoridades conseguiram atravessar as décadas mantendo relevância. Carl Cox, presente nas duas listas, segue como um símbolo de coerência entre técnica e carisma. Sua trajetória sintetiza uma linha de continuidade que resiste às variações de formato, o que nos mostra que o respeito conquistado pela entrega à pista e à curadoria ainda é um dos critérios de legitimidade dentro da cena, e que é possível compreender o movimento da indústria sem se desconectar da base que o projetou. 

Por outro lado, podemos observar a trajetória de Tiësto, que também está presente em ambas as listas e representa outra maneira de se adaptar ao mercado. Se no início dos anos 2000 ele foi um dos grandes responsáveis por difundir o Trance em escala mundial, com sets e produções que marcaram aquela geração, ao longo do tempo, sua transição para o EDM e, mais recentemente, para versões mais acessíveis do House, revela uma estratégia clara de permanecer em evidência, ainda que isso implicasse distanciar-se das origens que o consagraram. Há mérito em sua longevidade e na leitura precisa do que o eixo comercial pede, mas esses movimentos também simbolizam a transformação da sua figura como DJ em um artista que depende mais da exposição e do status do que da consistência artística.

A ampliação global da música eletrônica é outro ponto a ser observado. O eixo antes restrito à Europa e aos Estados Unidos se expandiu, e países antes vistos apenas como consumidores do que era disponibilizado por essas culturas agora projetam suas próprias referências sonoras no cenário internacional. O Brasil é um dos exemplos mais nítidos dessa virada, com nomes como Alok e Vintage Culture ocupando lugares de destaque entre os mais votados, projetando uma sonoridade que mistura elementos de House e Tech House com apelo melódico e popular.

Contudo, é possível apontar algumas semelhanças entre ambos os ranking que continuam notáveis. A presença de mulheres no ranking continua limitada, mesmo com o crescimento real da participação feminina nas pistas e nos line-ups ao redor do mundo. Em 2000, Lisa Lashes era a única mulher entre os dez primeiros nomes; em 2025, Charlotte de Witte ocupa o mesmo espaço isolado. É um reflexo que expõe a permanência de uma estrutura desigual, onde reconhecimento e visibilidade ainda são distribuídos de forma assimétrica entre gêneros, e não por falta de talento ou de artistas em atividade. Ainda que DJs como Amelie Lens, Honey Dijon, ANNA e Peggy Gou tenham conquistado protagonismo, o desequilíbrio entre o que se vê nas pistas e o que se reflete nos rankings evidencia um público e um mercado que insistem em resistir a essas mudanças necessárias. 

Comparar as duas listas é também encarar as contradições que movem a música eletrônica. O Top 100 de 2000 refletia uma cultura em formação, construída na troca entre artistas e pistas, onde a técnica e a coerência curatorial definiam relevância em primeiro plano. O de 2025 mostra um cenário expandido, mais acessível e conectado, mas também condicionado à visibilidade e ao engajamento. O avanço das ferramentas e a globalização do som abriram espaço para novos artistas e localidades, ao mesmo tempo em que tornaram o sucesso dependente da exposição contínua e da capacidade de se manter presente em meio ao excesso de informação.

O ranking da DJ Mag nunca foi um retrato fiel da cena, mas continua sendo um termômetro do que o mercado valoriza. A disputa por espaço segue marcada pela desigualdade, pela sobreposição de imagem sobre som e pela distância entre quem dita tendências e quem sustenta a estrutura da cultura de pista. Vinte e cinco anos depois, o Top 100 da DJ Mag segue como parte do reflexo de seu tempo, onde o novo sempre chega, mas o essencial ainda custa a mudar.

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