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A música conecta

Galvin: a obsessão pela pesquisa que virou ofício

Por Marllon Eduardo Gauche em Trend 06.11.2025

Existe um momento muito comum na vida de todo colecionador obsessivo por música, que é quando a paixão vira profissão. Para Galvin, isso aconteceu em 2019, na cabine da pista 2 do D-EDGE. Ele ainda trabalhava como analista de marketing em um banco, mas finalizou aquele set com a clareza de que não fazia sentido passar a vida inteira em um escritório. A música eletrônica, que descobriu cedo através das rádios, havia se tornado algo maior que hobby — muito mais que seu trabalho, aquilo virou seu estilo de vida.

Esse afinco pela pesquisa musical, que começou quando o mainstream já não fazia mais tanto sentido, ganhou forma de verdade na Mixordia. O coletivo paulistano se tornou o espaço onde Galvin pôde transformar anos de garimpagem em uma curadoria precisa e muito consistente, onde sua necessidade de entender a história e a lógica por trás das escolhas dos DJs virou o pilar principal da direção artística. Foi através da Mixordia que o fascínio deixou de ser apenas paixão e se transformou em ofício, disciplina e rotina dedicada à integridade artística.

“Minha vida inteira gira em torno da música. É com ela que eu acordo, é com ela que eu durmo, é por ela que eu viajo”, explica Galvin. Na Mixordia, sua atuação vai além da cabine. Ele participa da curadoria musical, dos textos, das artes e pensa estratégias para o futuro do projeto. É uma abordagem que reflete sua filosofia: permitir que a música fale mais alto que qualquer outra coisa, sempre atento ao que a comunidade pede sem se desvirtuar de sua visão.

Quando se trata de definir seu estilo musical, Galvin prefere não se prender a categorizações. Reconhece que muita gente no Brasil vê DJs tocando em vinil e já os colocam na “caixinha do minimal”, mas enxerga o que toca como resultado das experiências que viveu, das cidades que o marcaram e da pesquisa que nunca para. Sua abordagem envolve uma mistura de gêneros diversos, sons obscuros, faixas pouco óbvias, ou mesmo conhecidas, mas tocadas de forma inusitada. “Não toco para agradar, mas para ser honesto e respeitoso comigo e com o espaço que ocupo”, resume, definindo uma postura que prioriza a construção de boas narrativas sonoras, fugindo de hits e de uma “aprovação fácil” da pista. 

Suas referências revelam essa seriedade: Onur Özer o inspira pela dedicação e coragem de desconstruir e reinventar a música, enquanto Craig Richards representa a paciência e sutileza que sustentam narrativas longas e consistentes. Esses artistas o lembram que a pista pode ser tanto espaço de ruptura quanto de continuidade. No cenário brasileiro, se espelha em Tati Pimont e Rafael Onid, além de acompanhar de perto o trabalho de artistas da nova geração como Bruna Holz, Javiera Meyer, Trajano, Villaça e Felipe Insanity. Essa rede de influências reflete sua crença de que o desenvolvimento artístico acontece através da observação cuidadosa de quem busca trilhar caminhos similares.

Isso tudo, naturalmente, se refletiu na consolidação da Mixordia como referência na cena paulistana, que hoje serve como ponto de encontro para quem busca profundidade musical na pista. Galvin destaca a experiência de abrir a edição especial de aniversário de 25 anos do icônico fabric em São Paulo como um dos momentos mais especiais até hoje: “A sensação de ver a pista encher naquela noite foi única, ainda mais recebendo uma celebração tão emblemática dentro da nossa própria casa. Na minha opinião, foi uma das pistas mais especiais que entregamos com nosso projeto até agora “.

Seu contato com as cenas internacionais também contribuíram para moldar sua perspectiva artística. Tocar na Little Portland Street em Londres proporcionou contato com frequências que nunca havia percebido em outros sistemas de som, enquanto a apresentação no Trotamundo, no Equador, gerou uma conexão especial com o público. No Houghton Festival, como parte do público, viveu experiências transformadoras que mudaram completamente seus parâmetros sobre os limites da música e da arte quando levadas a sério. Vivências entre Londres e Berlim, cidades que sempre serviram como grandes referências, são responsáveis por muito do que Galvin considera essencial carregar para seu trabalho no Brasil.

Importante frisar que seu processo criativo acontece majoritariamente longe dos holofotes. Dedica horas ao trabalho solitário de escuta, catalogação e anotação de detalhes e percepções. Testa faixas em diferentes sound systems e momentos do dia para entender onde cada uma pode funcionar melhor, pensando sets como arcos narrativos completos. 

Essa metodologia se estende à sua preparação: é meticuloso com todos os detalhes sobre as festas e artistas com quem divide lineup. Mesmo assim, suas apresentações são sempre improvisadas, seguindo caminhos pensados previamente, mas adaptando-se ao que funciona melhor em cada noite específica. “Cada noite é única. O papel do DJ é sentir e manter a pista viva. Cabe a nós oferecer caminhos, sem perder a identidade”.

O reflexo é visto na forma como a Mixordia se posiciona dentro do movimento underground paulistano, dialogando com projetos como Bug Pixel, 0db, Yoyo e Nova Era. “Sinto uma corrente silenciosa, mas firme, de entusiasmo crescente”, diz sobre o movimento underground do país, um sinal que aponta para um futuro mais pulsante apesar das dificuldades de manter projetos independentes que evitam a mercantilização da cultura clubber.

Mas melhor do que tentar descrever, é ouvi-lo na pista. No dia 8 de novembro, a Mixordia encerra sua temporada de 2025 no Vila Aragon convidando ADI, DJ e produtora colombiana radicada em Berlim. Ao lado dela, Tati Pimont faz b2b inédito com Hollanda em São Paulo, enquanto Galvin completa um lineup que reflete perfeitamente a filosofia do coletivo: nomes fora do radar mainstream, mas donos de repertório e pesquisas impecáveis. 

É a materialização do que Galvin acredita ser essencial na música eletrônica — encontros onde pessoas diferentes se reconhecem pelo som e pela energia, criando memórias que transformam e conectam. O que começou como obsessão por sons obscuros, se transformou em ofício, e esse ofício, por sua vez, gerou uma comunidade que compartilha os mesmos valores de autenticidade e profundidade musical que ele.

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