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A música conecta

Não é sobre falta de talento, o problema está na demanda

Por Alan Medeiros em Carta da Redação 21.03.2024

Sabe aquele conceito de oferta e demanda que vem da economia mas que a gente traduz para várias esferas da vida? Esse texto mergulha um pouco nisso. De um lado, a oferta de talento de DJs e produtores brasileiros. Do outro, a demanda disponível de eventos e contratantes. Essa balança pode pender para um lado ou outro dependendo do país e até mesmo da região que você está, mas ao menos ao meu ver é nítido que no atual momento do Brasil, temos um claro problema de demanda de eventos e não de oferta de talento. 

Não cabe a mim aqui comparar gerações ou o sucesso de artistas do período X em relação ao período Y, fato é que a atual geração de DJs e produtores brasileiros é muito competente e capaz de impactar a cena global positivamente em diferentes estilos. Do House ao Techno, do mainstream ao underground, temos talento. O Brasil que historicamente é reconhecido pelo seu potencial criativo em esferas variadas da sociedade, também causa esse mesmo impacto no universo particular em que reside a música eletrônica. 

Produtores capazes de lançar hits globais? Temos.
Artistas criadores de tendências que vieram para ficar? Aham.
DJs com uma bagagem musical ampla e complexa? Com certeza.

Se por um lado tem sido muito legal ver tantos artistas brasileiros ocupando papel de protagonista mundo afora, conquistando lugares que antes eram tão fechados pra gente, por outro, é difícil lidar com tanta gente talentosa sem oportunidade de qualidade. A solução dessa equação definitivamente não é simples e envolve fatores que não são controláveis ou ao menos solucionáveis por um conjunto de medidas que esses próprios artistas conseguem gerir. O fluxo do dinheiro, que é o combustível da cena, parece estar desequilibrado e quem poderia equilibrá-lo, não tem exatamente essa obrigação ou não a enxerga como um projeto importante de curto prazo. 

Quem produz ou conhece alguém que produz eventos, sabe também das dificuldades que tem sido promover uma festa de música eletrônica no Brasil. Desafios históricos como a burocracia e a desvalorização do Real permanecem e somam-se a outras problemáticas contemporâneas que inclusive têm feito a rota do empreendedorismo deste nicho mudar – falaremos disso em breve em um texto Editorial. Resultado: dobraram a aposta, é tudo ou nada e o calendário está cada vez mais preenchido por eventos de porte grande (ou gigante), muitas vezes assinados por marcas globais ou essencialmente por headliners internacionais de cachês na casa de dezenas ou centenas de milhares de dólares. 

Enquanto isso, falta trabalho base. Em diversas regiões importantes do país temos uma ausência total de marcas locais promovendo House e Techno. Em outras, este cenário está ou respirando por aparelhos, ou sustentado por alguns poucos players. A margem para arriscar em música eletrônica na parte de eventos parece ter diminuído bastante. As marcas 100% brasileiras que permanecem atuando em grande nível, bookando artistas nacionais variados, gerando oportunidades, criando conceitos e contando suas histórias, são construídas sobre o alicerce de gente realmente competente e profissional. Sem isso, as dificuldades seriam outras, muito mais profundas.

Felizmente o que conhecemos por cena transcende para além apenas do aspecto dessa balança, florescendo em outras dimensões onde há sinais muito positivos, como o interesse do público que aprofunda no debate e nos artistas que criam para muito além da superfície. Neste momento promissor em outras esferas, a harmonia entre oferta e demanda pode ser melhor ajustada através de iniciativas pontuais por parte de todos os envolvidos, desde os artistas até os promotores de eventos. Mesmo diante de desafios, é encorajador saber que, com o talento em seu alto nível atual, continuaremos a desfrutar de boa música e esta energia sempre poderá mover e criar novos cenários, novos movimentos, novas histórias…

A música conecta.

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