A coluna Conversation era uma ideia antiga, mas que saiu do papel durante a pandemia — assim como tantos outros projetos já que, vendo o lado positivo da coisa, ganhamos tempo para dar andamentos a ideias estacionadas. O grande lance é trazer até você um bate-papo de forma escrita entre dois artistas relevantes do cenário underground, assim como fizemos na primeira edição com um veterano e uma cara nova da House Music.
+++ Leia a conversa entre Demuir e SHADED
Em uma nova oportunidade, quem se conectou e nos entregou um bate-papo legal e cheio de insights para outros artistas foi o brasileiro Mezomo com o sul-africano Floyd Lavine, ambos excelentes DJs e produtores quando falamos do Afro House. Em abril, Mezomo gravou um single com os vocais de Dri Reigado e lançou um single pela Cocada Music, recebendo nesta oportunidade um remix de Lavine, e desde então os laços entre eles se apertaram.
Na conversa abaixo, você vai poder descobrir um pouco mais sobre…
Mezomo: Olá, bro! Feliz de falar com você novamente. Como você está nesses tempos? Em casa? Onde você está morando mesmo?
Floyd Lavine: Hey, Bruno! Ótimo falar com você também. São tempos loucos e o mundo não é mais o mesmo, então tenho dado o meu melhor para permanecer com pensamento positivo e continuar criando… Sou da África do Sul, mas atualmente tô em Berlim, que é a minha casa e a cidade que amo! E você como está lidando com tudo isso? Você acha que o mundo vai ser o mesmo depois dessa pandemia?
M: Estou tranquilo, tentando manter a cabeça em ordem, né? Definitivamente estamos entrando em um novo ciclo, em que muitas coisas serão e precisam ser diferentes. Mas aquele feeling ancestral causado pela conexão através da música, da dança, da arte… esse é eterno e só se fortalece! Acho que assim que tivermos uma vacina vamos dançar muito ombro a ombro por aí… [risos] Aliás, o que te trouxe para esse mundo e o que mais te empolga?
F: O que eu amo sobre música é estar criando novas ideias. Amo como a música é realmente a linguagem da alma e como toca seu espírito… Sou muito curioso e a música continua me inspirando conforme vou descobrindo novos e excitantes artistas, como você! Amo como sua música tem uma alma brasileira, mas vibe africana… como chegou nesse estilo?
M: Ah, você sabe… somos cidadãos do mundo. A mistura de povos, ideias e sonoridades é cada vez mais global e inseparável. Brasileiro, inspirado por África, em uma indústria européia, sem pertencer a nenhum lugar específico, mas pertencendo ao todo.
Essa mistura está na minha vida e na minha música, desde quando descobri as camadas mais profundas da música eletrônica, suas origens e influências, chegando em nomes como Fela Kuti e sua turma, cada vez mais abrindo os olhos para a cultura global, mas confesso que não tem sido fácil manter a criatividade em dia nesse período…
F: Para ser honesto tem sido um período difícil para mim também. Tenho sorte de estar em uma cidade como Berlim, ela é feita para tempos como esses, a cidade continua evoluindo e fornecendo novas inspirações. Estou cercado de pessoas que me inspiram e posso sentir a energia criativa viva durante esta época… isso me deu uma deixa: o que te inspira de verdade, Mezomo?
M: A motivação por evolução. Seja pessoal, seja do nosso planeta, da nossa sociedade. Evolução para ser melhor profissionalmente, espiritualmente, coletivamente. E isso vem através de leituras, referências, pensadores, filosofias. Do budismo ao estoicismo, do espiritismo à ciência, ideias que inspiram na busca por ser melhor, para mim e para o todo, mas sei que isso é diferente para cada pessoa…
M: Com a sua visão, qual seria o principal aspecto para focar quando se é um artista de um país periférico tentando fazer acontecer na cena internacional? Qual era sua visão e quais foram as estratégias que você executou que te ajudaram a chegar lá?
F: O principal ingrediente quando vem de um lugar periférico é oferecer um som único, mesmo. Eu sou do continente Africano e combinar os elementos de lá com a música eletrônica me propicia esse fator. Também me permite criar algo fresco e especial que a Europa não possui.
Além disso, seja paciente, tudo leva tempo. Tenha energia para dar apoio aos outros artistas e para estar na pista de dança. A maioria das conexões e amizades são criadas na pista. O ponto principal é ter algo a oferecer ao invés de apenas usufruir. Ter a coragem de continuar tentando mesmo quando os tempos são difíceis.
M: Concordo e muito! Agora, até fazendo uma relação com a Novo Dia que você remixou e deu um toque incrível: qual sua abordagem quando está trabalhando no material de outro artista?
F: Primeiro tenho que dizer que gostei muito da original e fiquei bem inspirado pela track. Os elementos estavam todos ali. Para mim é super importante gostar da track. Depois, minha ideia é em agregar a original, criando uma ‘irmã’ da track. Na sua eu quis criar um sentimento melódico, mas também hipnótico para manter a galera da pista ligada e sacudir geral naquela vibe de festa brasileira [risos]. Você sabe o que quero dizer…
F: O Brasil é um país incrível e eu amo estar aí, mas queria saber do que você mais gosta no seu país…
M: A diversidade! O Brasil é um país enorme, diferente, cheio de riquezas naturais e culturais. Isso tudo precisa ser valorizado e protegido. Aprecio a sensação de múltiplas possibilidades que o país oferece, justamente por ser tão diverso.
Cada dia percebemos mais como tudo está conectado. Os assuntos sobre desigualdade, luta por justiça, luta contra o racismo, o nascimento da nossa cena, a necessidade de se expressar e protestar pela arte, de fazer festa, celebrar a vida, fazer desse um planeta melhor para todos… como podemos fazer nossa parte para construir um mundo melhor?
F: Acho que é importante que nossa cena seja um lugar de tolerância, de amor e amizade, não importando sua cor, raça, religião, sexualidade… eu sinto que como DJ e produtor que tem uma audiência, é importante que eu e todos nós continuemos disseminando a mensagem para as pessoas mostrando que queremos um mundo melhor. Através da nossa música, das nossas ações, dos eventos, do nosso estilo de vida…
M: E o que você espera para o futuro de nossa cena?
F: Estou animado pelas novas sonoridades que estão por vir. É um novo mundo e novos sons surgirão. Eu sinto que de certa forma precisávamos de uma ‘pausa’ e eu sei que tem sido dolorido. Mas acredito que vamos sair melhores dessa.
M: Para Floyd, o que vem a seguir?
F: Estou trabalhando numa nova label que vai focar em artistas africanos. Estou desenvolvendo também meu primeiro álbum e alguns novos EPs. Criando, criando e criando… agora é sua vez: como você enxerga o futuro? Onde Mezomo estará em cinco anos?
M: Tenho como visão adentrar de vez no cenário internacional, ser um artista relevante, com produções de destaque, suporte de grandes nomes e presença nos principais eventos da cena. Para isso, preciso ser cada vez mais compenetrado no studio.
F: Legal, adoro sua determinação no trabalho e sua abordagem criativa. É possível dizer qual o segredo do teu sucesso?
M: Devo dizer que é justamente ter uma visão bem definida, acreditar nessa visão e trabalhar dia após dia para otimizar minha arte e me aproximar dos meus objetivos, pensando a longo prazo. Eu sei onde quero chegar e acredito estar executando os passos corretos para chegar lá…
M: Bom, acho que já falamos demais, né? Que tal um último conselho para os criadores de música do futuro?
F: Seja paciente, leva tempo para ser o artista que você quer ser.
F: Agora, se me permite: caso sua música fosse uma fruta, qual seria e por quê? [risos]
M: Essa me pegou [risos], deixa eu pensar… Talvez uma goiaba, pois você pode provar apenas as camadas mais superficiais e achar ok, mas quanto mais fundo morder, mais saboroso será o que vai encontrar. (/passes the joint)
M: Obrigado pelo super papo bro, espero que o reencontro seja em breve numa pista por aí.
F: Com certeza brother, vai acontecer!
A música conecta.