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A música conecta

Editorial | Amsterdam: o que transformou a capital holandesa em um dos centros globais da Dance Music

Por Caio Stanccione em Editorial 14.05.2021

Ah, Nederland! A encantadora terra das tulipas, símbolo de luta contra as águas com seus moinhos de vento, reconhecida por ser lar dos mais saborosos queijos, mãe da lendária Laranja Mecânica, da seleção de futebol que foi vice-campeã na Copa Do Mundo de 1974 e não, menos importante, terra do fast food mais cobiçado pelos viajantes que se encontram em debilidade financeira – e é claro que eu to falando do tão amado amado Febo.

Só quem já teve a experiência de conhecer esse belíssimo pedaço de terra chamado Países Baixos sabe o quão legal é vivenciá-lo. Eu poderia escrever páginas e mais páginas sobre as belezas naturais e também sobre a riquíssima história que esse país tem, mas eu sei que no final, Netherlands – em inglês – é lembrada mais pela sua curtição, pelos seus rolês infinitos e claro, pelas facilidades – se é que você me entende – que a capital do país, Amsterdam, oferece.

Ledo engano se você acha que Amsterdam é prafrentex desde o final do século XX com o advento de uma abordagem mais liberal para o porte, venda e consumo recreativo de substâncias tidas até então como ilegais. Desde 1976, os Países Baixos entendem que o porte de cinco gramas ou menos de maconha caracteriza uso recreativo e por isso não configura crime, e para um apaixonado pela história como esse que vos escreve, é sabido que a Holanda  é uma uma terra liberal desde sempre, com conceitos como bolsa de valores e capitalismo tendo seu surgimento por lá no distante século XVI. Como eu disse, prafrentex. 

Sendo assim, conseguimos imaginar um dos motivos da capital holandesa ser destino certo quando o assunto é vida noturna, não é mesmo? A liberdade! Eu disse liberdade, não confundam com libertinagem que também é permitida nos Países Baixos, mas basicamente, se você seguir as regras que o país impõe, você poderá fazer praticamente qualquer coisa.

De Wallen, ou como todos nós a conhecemos, Red Light District 

A liberdade vem a ser assistida no caso de Amsterdam, que além de possuir um prefeito como qualquer outro município que se encontra dentro de um país, a cidade possui um outro prefeito que se dedica somente para a vida noturna de lá. Sim, uma pessoa que centraliza todo o movimento noturno, buscando conectar e organizar da melhor forma possível todos os envolvidos. Sim, é um Prefeito da Noite, ou em holandês, Nacht Burgemeester. Curioso, né? Você pode entender melhor como esse sistema de liderança funciona através deste mini documentário produzido pela emissora de TV americana PBS.

O que também contribuiu e continua a contribuir para que Amsterdam seja um destino desejado para os amantes de uma pista é o background musical – voltado para o eletrônico, é claro – que o país tem. Músicos como Dick Raaijmakers, que nos anos 50 já arriscavam montar seus próprios equipamentos como osciladores, filtros e mixers. Claro, era algo muito rudimentar, mas se compararmos com o Brasil, equipamentos elétricos dessa complexidade eram virtualmente inexistentes em nossa música durante o mesmo período. Confira uma das faixas que Dick fez em parceria com Tom Dissevelt através de seu alias Kid Baltan, Song Of The Second Moon, em um distante 1957.

Dá pra imaginar que não demoraria muito para que todos se sentissem habituados a ouvir sonoridades sintéticas, não é mesmo? Antes mesmo dos anos 60 essa estética já era oferecida como música popular aos holandeses. 

Avançando um pouco as coisas, os anos 90 são cruciais para o alocamento da Holanda como um país tipo exportador de talentos. DJ Tiesto, Armin Van Buuren e Ferry Corsten são nomes conhecidos por todos, mesmo por aqueles que não são tão adeptos do Trance, mas outros movimentos aconteciam na Holanda durante os anos 90 como o festival de Hardcore e Gabba chamado Thunderdome. Aliás, recomendo que assista o documentário abaixo – legendado em português brasileiro – sobre a história desse festival que foi o professor para o que observamos hoje na Holanda em termos de estrutura, ambição e posicionamento.

Claro que além do Trance e do Hardcore, outras vertentes ganhavam espaço na Holanda durante os anos 90 como o Techno do grupo Unit Moebius, que claramente eram influenciados pelo Underground Resistance de Detroit. Aliás, recomendo uma pesquisa sobre a gravadora Bunker Records e do grupo Unit Moebius se você for fã de vertentes musicais como Minimal, Techno e House Music. Você não vai se arrepender. 

Foi também nos anos 90 que outro fato importantíssimo transformou – principalmente em termos financeiros – a capital da Holanda em um ponto de encontro para os profissionais e entusiastas da noite: o surgimento do Amsterdam Dance Event em 1996. 

Amsterdã Dance Event 2019

Com duração de apenas três dias em sua primeira edição, 30 DJs e apenas três clubs fazendo parte da rota de noites, o ADE era uma conferência tímida se compararmos com a proporção que tem nos dias de hoje. Hoje, o ADE virou um case de estudo para produtores de eventos e também para governantes de outras cidades, uma vez que durante os cinco dias de conferência, a população da cidade aumenta em 50%, levando nada menos que 400 mil pessoas vindas de todos os cantos do planeta.

Claro que além das conferências, o ADE é altamente cobiçado pela sua programação noturna já que as maiores marcas executam suas festas durante esses cinco dias de conferência. Drumcode, Awakenings, Paradise, DGTL, Loveland e tantas outras dos mais variados estilos fazem edições especiais em paralelo com o ADE.

Meses antes do Amsterdam Dance Event, outro evento que tem capacidade de arrastar pessoas do mundo todo para a capital holandesa é o cobiçado Dekmantel Festival. Claro que o Dekmantel não começou como se encontra hoje, aliás, ele era apenas uma festa itinerante que se  deu início em 2007 com o foco em fomentar a sonoridade que Detroit tem e que pouco se via naquela época em Amsterdam. 

Robert Hood, Moodymann, Theo Parrish e Kyle Hall são artistas que acompanham o festival desde o começo e que também ajudaram a moldar a sonoridade e missão do Dekmantel. Com isso, outros biomas passaram a se identificar e ingressar no roster de artistas que o festival traz com regularidade, como o pessoal da Ostgut Ton além dos britânicos como Four Tet e Ben UFO. 

Dekmantel Festival Amsterdam 

Hoje, o festival se tornou uma marca que saiu da Holanda e executa edições em outras localidades, inclusive no Brasil, onde duas edições já rolaram através do pessoal da Gop Tun

Dekmantel Festival Brasil 2017 

Qual o impacto de marcas como ADE e Dekmantel para uma cidade como Amsterdam além de arrastar multidões para suas edições? Uma fomentação cultural sem comparativos. Muitos artistas que nós temos como grandes criadores e estrelas do cenário underground – ou não – foram influenciados diretamente pelas possibilidades que uma cidade essa disponibiliza, a exemplo de Steve Rachmad, Juju & Jordash, Young Marco, Tom Trago, MFO, Awanto3, Dam Swindle e mais uma infinidade de DJs e produtores que todos nós gostamos. 

Outro ponto fundamental além dos que eu trouxe acima, são os clubs que Amsterdam cultua nas últimas três décadas, tornando mais uma vez a cidade como destino certo para DJs que buscam expandir seu público. Eu poderia fazer um editorial somente sobre cena clubber de Amsterdam, mas vou me limitar a dois clubes que acredito que são de extrema importância para a capital holandesa, começando pelo extinto TROUW. Aliás, ao invés de eu falar sobre esse club que hoje tem um status de santo graal, vou deixar um mini documentário feito pela Electronic Beats em 2013 que aborda sua trajetória.

Também é conhecido e almejado por todos é o De School, inaugurado em janeiro de 2016. O espaço que antes era uma escola técnica foi transformado em um club, e não só isso, o De School possui uma sala de concertos, um restaurante, um café, uma galeria de arte e também uma academia. O complexo tem licença de 24 horas, algo liberado somente para lugares selecionados pelo Prefeito da Noite, o que permite que o complexo funcione sete dias por semana. O club tem capacidade para 700 pessoas e fica na antiga área de armazenamento de bicicletas da escola. A programação do clube concentra-se em DJs locais, mas convidados internacionais também passam por lá regularmente.

Pista do De School

Olha, eu garanto a você, leitor, que tenho uma infinidade de motivos do porque de Amsterdam ser Amsterdam, como as lojas de discos, incentivos governamentais para quem quer estudar e viver de artes, fatores culturais e etc. Mas, acho que também consegui deixar bem claro a todos vocês o motivo da cidade ser destino certo para quem quer vivenciar uma cena única e super intensa, com grandes festivais e grandes artistas.

E não se esqueça, coma no Febo, você não irá se arrepender!

A música conecta.  

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