Skip to content
A música conecta

Editorial | Artistas, SPEAK UP!

Por Lisa Uhlendorff em Editorial 27.07.2021

O mundo está um caos. Na verdade, o mundo sempre foi um caos – mas nem todo
mundo sabia disso. A grande diferença é que hoje em dia existem mil e uma plataformas
diferentes, surgidas com o advento da internet, que permitem o compartilhamento de
informações, opiniões, vídeos e fotos, expandindo o nosso entendimento sobre os
acontecimentos que nos cercam nessa gigante bola azul. As redes sociais têm um papel
importante nisso tudo. Além de dancinhas e autopromoção, elas dão espaço para a
expressão de um indivíduo, equipe ou marca.

Já dizia Aristóteles, mil anos atrás: “O homem é por natureza um animal político”. A
palavra política (do grego ‘politika’) deriva da palavra polis (ou seja, cidade-estado), e era
usada para se referir a assuntos relacionados à vida em coletividade no espaço urbano.
Assim, na Grécia Antiga, o homem que vivia em uma polis era intrinsecamente político – e
continua sendo até os dias de hoje. Mas no século 21, os problemas de um país deixaram
de ser questões demarcadas fisicamente por fronteiras e seus muros. As redes sociais e a
globalização (que, de certa forma, andam de mãos dadas) ampliaram o contexto de polis
para algo mundial, o que faz de todos nós animais políticos não só em uma condição
geográfica estabelecida, mas também universalmente.

Por sua vez, as marcas – independente do mercado em que atuam – também se
tornaram entidades políticas, como se fossem pessoas físicas. Com um tom de voz cada
vez mais pessoal, próximas dos seus consumidores e com presença online, empresas
tomam partido sobre tópicos e acontecimentos importantes da contemporaneidade. Um
estudo da Wunderman Thompson Intelligence de 2020 mostrou que 85% dos americanos
da geração Z acham que marcas deveriam ter propósitos, metas e discursos que não sejam
somente sobre seus próprios lucros e ganhos; já 80% acreditam que marcas deveriam
ajudar a fazer uma vida melhor para todos. Seja sobre sustentabilidade, direitos iguais,
abaixo aos preconceitos ou outras tantas questões em pauta nos dias atuais, marcas têm
uma voz essencial para incentivar mudanças e transformar o mundo para melhor. Assim, o
público torna-se um ‘fiscal político’ cobrando delas posicionamentos e ações que, por
muito tempo, estavam empoeiradas debaixo do tapete.

E onde os artistas (músicos, DJs, atores, etc.) se encaixam nisso tudo? Bom,
artistas são pessoas e marcas (o que inclui, nessa análise, o conceito de influenciadores –
principalmente os macros, mas sem deixar de lado a importância dos pequenos). Artistas
também são seres políticos, com o poder de alcançar milhares com um único post, story ou
entrevista. E nesse caos mundial, potencializado pela pandemia da Covid-19, por fake
news, pela polarização política e, principalmente, pela falta de fé do povo em seu país,
nunca foi tão importante a voz de um artista. No nosso caso, focando mais em música
eletrônica, a persona artística vai muito além das músicas, shows e lifestyle que transmite
via redes sociais. Com poucos ou muito seguidores, DJs e músicos têm o poder da
transformação em massa – como dito antes, eles não deixam de ser influenciadores do
mundo digital e físico.

É claro que o ‘ser político’ carrega consigo muita responsabilidade. O que falar,
quando falar, e como falar pode ter consequências tanto positivas quanto negativas, e
muitas pessoas não se sentem confortáveis ao expor suas opiniões e pensamentos
(principalmente em um contexto tóxico de cancelamento nas mídias). Se expressar, sobre
qualquer que seja o tópico, é estar vulnerável para críticas negativas, construtivas ou
elogios. Entendo que ‘abrir a boca’ traz uma sensação de medo e ansiedade, e não acho
obrigatório o palpite a qualquer hora – principalmente se a pessoa não entende sobre um
assunto ou toma o lugar de fala de outra.

Porém, ser político vai muito além das palavras. Levando em consideração a política
brasileira, percebemos que as palavras saem de monte e as ações saem de menos… e é
exatamente esse o ponto: política se faz com ações.

Vou dar um exemplo para ficar mais claro: a campanha pela vacinação.
Negacionistas pararam de ler o texto. Mundialmente falando, nossa maior luta no
momento é vacinar a população contra a Covid-19 e dar um basta nessa pandemia que
matou vidas, desempregou gente, gerou crise financeira e fechou as portas dos eventos,
entre eles nossos queridos clubs e festivais. Mas tem muita gente contra a vacinação, e é aí
que os artistas entram. Uma mensagem, uma foto da vacina no braço ou o
compartilhamento de um conteúdo pró-vacina pode influenciar muita gente a mudar de
ideia. Simples assim, não precisa de textão. Ou o posicionamento do artista contra festas
clandestinas, no qual está dando um exemplo bem legal para seus fãs ao mesmo tempo
que faz política. Já para aqueles que participam da ilegalidade, prefiro revirar meus olhos,
respirar fundo três vezes e me abster de comentários – essa coluna se tornaria um manifesto de
fúria.

Meus olhos brilham ao ver tantos artistas, mainstream ou underground, fazendo
política nesse momento tão instável e sombrio. Pessoalmente, os artistas políticos ganham
muitos pontos comigo, sendo como fã ou contratante. É sobre dar exemplo e usar seu
poder de influência para muito além da autopromoção, até porque lançamento de música
nova, vídeo tocando em gigs e foto entrando no jatinho já deixaram de ser diferenciais. São
conjunturas entre tantas outras. A estrutura do artista está na sua personalidade e caráter (o
que acaba refletindo profissionalmente) e o ‘ser político’ está aí, você querendo ou não.
Faça do artista muito mais que uma imagem. Incentive o movimento, a
transformação, a quebra do status quo. Faça política.

Lisa Uhlendorff é apaixonada pela indústria musical desde cedo. Começou sua carreira trabalhando com Marketing e comunicação de pequenos artistas, posteriormente em agências de booking e hoje na M-S Live e ARCA (SP), também sendo colunista pela Play BPM e agora pelo Alataj. Morou em Amsterdã e em Barcelona, se aventurando no mundo da música eletrônica underground. Como toda generalista, tem sede por conhecimento das mais diversas áreas; amante dos livros, da pesquisa musical e por conhecer culturas.

A música conecta.

A MÚSICA CONECTA 2012 2024