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A música conecta

Editorial | Calvin Harris: Por que ele é brilhante e precisamos aceitar isso

Por Laura Marcon em Editorial 14.07.2021

Está no ar um editorial que pode – e vai – dividir opiniões. Se você abriu esse material eu tenho três alternativas do motivo: você concorda completamente com o título e acha importante trazer esse tipo de temática para os consumidores de música eletrônica mais conceitual; você discorda completamente, acha que eu pirei e quer saber o que penso sobre o assunto para justamente me dar razões contrárias; você nunca parou de fato para pensar sobre o assunto, não conhece muito bem o trabalho de Calvin Harris e ficou na curiosidade para entender melhor os motivos que me levam a essa crença.

A verdade é que não sou apenas eu, amante e consumidora de sonoridades que vão numa direção totalmente contrária do que é Pop, que admira o trabalho do escocês. E não estou falando apenas do patamar econômico que ele alcançou através da música eletrônica. Estou falando de criação mesmo. Euzinha, que admito abertamente não curtir estilos voltados ao EDM, escuto Calvin Harris e amo. É isso. Eu amo Calvin Harris (pode printar para a posteridade, ok?). E por mais que ele tenha atingido a fama com essas sonoridades e outras mais voltadas ao comercial, há muito mais que se descobrir em sua discografia e a possibilidade de se surpreender é grande.

Você pode discordar totalmente de mim quando chegar ao final e te dou todo direito a isso. Mas o motivo que me trouxe a esse conteúdo é que trabalhar com um espectro amplo de estilos da música eletrônica ao longo dos anos, principalmente aqui no Alataj, me fez abrir os olhos e ouvidos para apreciar e respeitar muitos outros gêneros sonoros que eu jurava não gostar e afirmava veementemente que eram ruins. Acho que muitos já passaram – ou ainda seguem – em um movimento de “tudo o que eu gosto (ou é underground) é bom, o que eu não gosto (ou é comercial) é lixo”, mas sejamos sinceros, não é assim que a banda toca, e é o que quero passar por aqui. 

Por que é isso. Tem artista que a gente não gosta, mas precisa aprender a respeitar e admirar, e acredito piamente que Harris é um desses nomes. Simplesmente um cara que sabe fazer acontecer dentro do estúdio e foi capaz de transformar uma grande parte do seu catálogo em grandes sucessos da rádio e das pistas de dança, não importa quais sejam. Conquistou o respaldo de artistas de diversos estilos, realizou colaborações importantes, sabe produzir Dance-Pop com qualidade inegável e tudo na raça. Sem qualquer formação musical, sem pais músicos que deram direcionamentos, mas principalmente sob a crença gigantesca de que ele era um cara muito bom, mesmo quando não era.

Tudo começou em uma aldeia ao sul da Escócia de 50 mil habitantes, a apenas 35 quilômetros da fronteira com a Inglaterra, chamada Dumfries. Foi lá onde nasceu o tímido e introvertido Adam Richard (sim, nem Calvin, nem Harris), em 1984, terceiro filho de um bioquímico e uma dona de casa. Na infância e adolescência, a vontade era de ser jogador de futebol, mas a mãe natureza não atuava a seu favor e ele era zero atlético. Se você pensa que então estamos falando de um nerdzinho, se engana. Ele também não era muito chegado em estudos. Seu maior hobby, aos 14 anos, era fazer música em seu quarto, em especial Dance Music inspirada no House dos anos 80, no Britpop que ouvia na rádio e especialmente os breakbeats pops de Fatboy Slim.

Em 2003, com 19 anos, ele se mudou para Londres porque acreditava piamente que era um super produtor musical e que estouraria assim que chegasse em um grande centro da música. Neste momento, ele já tinha até soltado por aí pouquíssimas músicas sobre o pseudônimo Sttoufer. O primeiro registro que se tem de produções suas é de 2002 e eu aconselho dar um play porque essa é a primeira surpresa que você pode ter com o artista:

A estadia em Londres foi um verdadeiro fracasso e ele voltou para a aldeia no sul da Escócia, mas acreditando ainda que era possível ser encontrado por alguma gravadora. Depois de postar diversas faixas através do MySpace (quem lembra?), ele realmente foi descoberto e, em 2007, seu primeiro álbum nasceu, bem como o nome Calvin Harris. I Created Disco – nome bem presunçoso, não? – é um álbum de Electro-Pop que foi altamente inspirado em LCD Soundsystem e todo criado a partir de um computador Amiga 500+ e nada mais.

Como a grande maioria dos nomes de Pop eletrônico, as críticas vieram logo de cara e ele não foi super bem recebido pela classe artística, mas o público gostou um bocado e Calvin Harris já foi para as rádios e atingiu boas colocações nos charts populares do Reino Unido. Dois anos depois ele lança outro álbum, Ready For The Weekend, onde é possível perceber um momento de transição e desmembramento entre o Electro e o Pop e a chegada de uma sonoridade bem mais comercial da música eletrônica. O álbum também foi bem recebido pelo público e mídia.

Mas foi a partir do seu terceiro álbum, 18 Months, em 2012, que as coisas atingiram patamares astronômicos. E se você acha que eu estou exagerando, te digo com 100% de certeza que você conhece mais de uma música desse álbum. Faixas como We Found Love, em colaboração com Rihanna, ou Feel So Close, arrombaram a programação da rádio, TV, internet, pistas de dança que iam de clubs e festivais de música eletrônica, até casamentos, aniversários, formaturas… Calvin foi indicado ao Grammy em diversas categorias pelo álbum.

A partir de então é uma enxurrada de sucessos em sua carreira, de indicações a prêmios, recordes de streaming, cachês astronômicos e parcerias com marcas que transformaram Calvin Harris no artista de música eletrônica mais bem pago do mundo por alguns anos consecutivos. E isso aconteceu mesmo quando ele decidiu praticamente se aposentar dos palcos. Sim, Harris não é o cara que você vai ver liderando os maiores line-ups de festivais, até mesmo porque ele não curte o distanciamento entre artista e público e considera essa vibe muito impessoal para os cifrões que estão envolvidos nisso.

O que ele gosta mesmo de fazer é estar em estúdio e acredito que esse é o ponto-chave para chegar no topo e merecer seu respeito e admiração (espero te convencer disso). Ainda que inserido em um mercado comercial, que recebe muitas críticas pelo estilo sonoro e também por carregar um caráter dinheirista consigo, Calvin Harris sempre apresentou uma produção diferenciada dos demais artistas, com um quê musical mais profundo, mesclando em muitas vezes as sonoridades Pop com o EDM e suas influências sonoras do início da sua trajetória de uma forma suave e na medida certa, a ponto de agradar tanto o amante do EDM quanto o casal que precisa de uma trilha sonora romântica e animada para o aftermovie do casamento deles, entende o que eu quero dizer? Coisa que a maioria esmagadora dos artistas de EDM jamais fizeram.

Não uma, nem duas vezes escutei algumas de suas faixas mais populares no fone de ouvido, prestando atenção em cada detalhe, e notei que a composição tinha, desde seus elementos mais destacados até os de segundo plano, uma harmonia que me satisfazia por completo. O famoso não tem o que tirar e nem por, sabe? Alguns timbres me levam a um House dos anos 90, outros me colocam no meio do cenário Pop, outros são um pouco extravagantes demais pra mim, confesso, mas ainda assim possuem uma qualidade de produção e um equilíbrio na sua construção sonora inegáveis.

Calvin Harris é um dos grandes responsáveis, juntamente com artistas como David Guetta, pela fusão da música eletrônica de pista de dança com o universo do Pop, um movimento que hoje se mostra cada vez mais forte e já atingiu uma camada do cenário eletrônico que muito nos interessa, que é a que consumimos. Nomes bem grandes do nosso cenário como Four Tet, Black Coffee, The Blessed Madonna, Mr. Fingers, Midland, Jayda G e Moodymann são apenas alguns dos que já realizaram parcerias com artistas do Pop e aí eu te pergunto: será que Harris é tão errado assim, ou a gente é que não consegue se desprender das nossas birras culturais?

Mas se o famigerado EDM é o seu problema, saiba que, ao longo dos anos, Calvin Harris foi até mesmo se distanciando do estilo e se aproximando cada vez mais do Pop e os estilos que o acompanham. O álbum Funk Wav Bounces Vol. 1 mostra que, além de estar em constante evolução técnica, sonoramente ele é mais capaz do que eu imaginava. Funk, Boogie e R&B dão a cara de um projeto em colaboração com artistas gigantescos de diversos gêneros musicais. Aliás, se você não gosta de Calvin Harris mas acha o Snoop Dogg foda, saiba que o Snoop gosta do Harris e a colaboração deles com John Legend e o rapper Takeoff ficou bem interessante.

Travis Scott, Kehlani, Futuro, Katy Perry, Big Sean, John Legend, Khalid, Schoolboy Q, DRAM, Nicki Minaj e Ariana Grande são apenas alguns dos nomes que participaram desse projeto, mostrando a força que Harris tem na comunidade do Pop, Hip-Hop e R&B. Depois disso, ele também apresentou, no ano passado, seu projeto Love Regenerator, um trabalho voltado à House Music que lhe rendeu boas críticas e mostrou mais uma vez que ele é capaz de transitar entre universos estilísticos e manter a qualidade do seu trabalho.

Vou entender completamente se você chegou até aqui e continua não gostando de absolutamente nada do que ouviu do Calvin Harris e essa é a maravilha da liberdade de escolha, não é mesmo? Mas se esse texto acendeu uma luzinha em sua vida para que abra um pouco mais os ouvidos e tente enxergar e enaltecer o sucesso de alguns estilos e artistas através de uma visão mais ampla do que o do seu gosto pessoal, acho que cumpri meu papel. E isso vale para tudo.

Cada personalidade que atingiu o sucesso leva consigo algum diferencial no seu processo de evolução que, no mínimo, merece ser respeitado e admirado. Neste caso, temos um jovem que, principalmente por sentir que era capaz, se transformou no imperador incontestável do Dance-Pop e sem previsão de ceder o trono. O Calvin Harris é brilhante e a gente simplesmente precisa aceitar isso.

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