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A música conecta

Editorial | Lincoln Olivetti e seu legado para música de pista no Brasil

Por Caio Stanccione em Editorial 11.05.2021

É do conhecimento de todos que o nosso território possui extrema riqueza e variedade quando o assunto aborda a singularidade que nossos artistas possuem. Não é novidade para ninguém exemplos como Rita Lee, Sandra de Sá e Jorge Ben, que através de suas visões, conquistaram fãs, tocaram incansavelmente nas rádios, bailes e foram trilha sonora de novelas, algo que tinha muito peso nas décadas de 70 e 80. 

Mas, como também é do conhecimento de todos – e isso independe da área que se atua – um trabalho marcante e de longa duração como dos artistas citados acima sempre dependerá de uma equipe altamente capacitada e comprometida dentro e fora do estúdio, e como você já deve ter percebido, hoje falaremos um pouco sobre a trajetória de um dos gênios que o Brasil teve em sua música. Um tecladista arranjador de mão cheia, pioneiro em não depender de estúdios de grandes gravadoras, responsável por modernizar a música popular brasileira com instrumentos eletrônicos e dono de hits como Aleluia, música feita com seu colega de trabalho Robson Jorge e sim, o editorial de hoje é sobre Lincoln Olivetti Moreira 

Lincoln nasceu no Rio De Janeiro, mais precisamente em Nilópolis, no ano de 1954. Muito influenciado pelo seu pai que era advogado e músico amador, Lincoln dá início aos seus estudos dentro da música com apenas cinco anos, quando ingressou no Conservatório de Nova Iguaçu. Com apenas nove anos, Lincoln ingressou na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que apesar de ser uma escola de ensino superior, possui cursos voltados a crianças e adolescentes. Já aos 12 anos, Lincoln tem suas primeiras apresentações através da banda chamada Lincoln Olivetti e Seu Conjunto, que tinha como missão se apresentar nos bailes de subúrbio do Rio de Janeiro dos anos 60.

Aos 16 anos, Lincoln lança seu primeiro trabalho, um álbum de covers instrumentais com as músicas que mais faziam sucesso na virada da década de 60 para 70. Um total de 12 faixas compõem o álbum Hot Parade Nº 1, onde de Jorge Ben a Barry Ryan são reinterpretados. É possível notar desde esse primeiro trabalho a afinidade que o Lincoln tinha com timbres modernos – a época –  como o órgão eletrônico, peça central nesse disco.

https://youtu.be/eQUknV2G6dM

E é justamente após esse disco, mais precisamente em 1973, que Lincoln começa a se encontrar com sua sonoridade, quando desiste da banda de bailes e vai para os Estados Unidos atrás de instrumentos que só existiam lá, como os Moogs e ARPs. Durante esse período Lincoln tentou a vida nos Estados Unidos como músico de estúdio, mas sua bagagem musical formada pelos bailes não condizia com o que o momento pedia, o fazendo regressar para o Brasil, tendo uma breve passagem por São Paulo que também não deu certo.

Em 1976, Lincoln volta ao Rio de Janeiro e começa trabalhar na CBS – atual Sony Music – como músico de estúdio a convite de Mauro Motta, compositor e produtor musical que trabalhou muitos anos com Raul Seixas, sendo o responsável por músicas como Baby Baby e Sheila. Foi durante esse período que Lincoln conheceu Robson Jorge, que viria a ser seu grande parceiro de composições como em Fim De Tarde, interpretado por Claudia Telles.  

Essa música é o grande trampolim para Lincoln, que no ano seguinte trabalha compondo arranjos para artistas como Vanusa, Ed Carlos, Jerry Adriani, além de, junto a Robson Jorge, ter arranjado o álbum Nesse Inverno de Tony Bizarro, que mostra claramente a musicalidade que tanto Lincoln quanto Robson mais gostavam de trabalhar, a Black Music. 

Com os sucessos de obras como Fim de Tarde – que vendeu 500 mil cópias -, Lincoln passa a ter o seu devido espaço dentro da música brasileira, sendo altamente requisitado tanto quanto arranjador quanto músico para compor singles e álbuns, além de ter mais liberdade para suas ideias, como em Black Coco, gravado pelo grupo Painel de Controle em 1978. Como o próprio nome da música diz, é uma fusão entre o Coco, ritmo musical de origem nordestina com a Black Music. Novamente, fica claro como Lincoln prezava por teclas que tivessem sonoridade elétrica, além do ritmo repetitivo em cima do 4×4, algo que estava em evidência por conta da Disco Music. 

Ainda na década de 70, Olivetti trabalha compondo arranjos para Ronaldo Resedá, Don Betto, Adriana e Tim Maia que após brigar com Miguel Cidras, arranjador do icônico Disco Club, chama Lincoln para finalizar o trabalho de Miguel. Vale lembrar que músicos da Banda Black Rio, Cassiano, Hyldon e outros nomes importantes da nossa música participam desse álbum a comando de Lincoln Olivetti.

Os anos 80 chegam e tanto Lincoln quanto Robson são contratados pela Som Livre para serem os arranjadores do casting de artistas da gravadora e é nesse momento onde todo o talento da dupla aflora. Marcos Valle, Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e praticamente todo e qualquer artista que estava em evidência durante os anos 80 passaram pelas mãos de Lincoln e Robson. Lincoln também passou a ser músico de artistas como Jorge Ben, Gal Costa e Rita Lee, acompanhando eles durante as tours. 

Nesse momento Lincoln passa expandir suas possibilidades, que além de criar arranjos para outros músicos e também tocar com eles, começou a compor trilhas para novelas da Rede Globo, abriu uma editora musical com Robson chamada Asfra, uma locadora de instrumentos musicais, basicamente teclados sintetizadores, chamada Linke, além do seu lendário estúdio pessoal em Jacarepaguá com equipamentos de última geração e que somente gravadoras poderiam manter, sendo considerado um dos primeiros a terem um home studio. 

Mas, como nem tudo são rosas, o trabalho de Lincoln e Robson sempre sofreu duras críticas dos mais puristas, onde eram sempre colocados como responsáveis por americanizar a música popular brasileira com os arranjos herdados da Black Music, sem contar o uso de teclados sintetizadores que também incomodava muitas pessoas à época, como Nelson Motta, que não poupava palavras para criticar o trabalho da dupla.   
Foi no início da década de 80 que talvez o trabalho mais icônico da dupla veio à tona, o álbum Robson Jorge & Lincoln Olivetti, que foi lançado em 1982 pela Som Livre. Lar de faixas como Squash e Aleluia, o álbum é um marco em termos de sonoridade para o Brasil da época, sendo extremamente eletrônico através dos sintetizadores que Lincoln dominava como ninguém, e claro, com a irreverência que a Black Music, Disco e Soul tinham. Uma palavra para definir esse álbum da dupla seria dançante. 

Como de se esperar, a obra de Lincoln e Robson virou um grande pool de samples onde artistas das mais variadas vertentes se utilizaram de seus arranjos e sonoridades para criar novas músicas, entre eles podemos destacar Marcelo D2, DJ Marky & S.P.Y., Tom Misch, Kaytranada entre outros. 

A paixão que Lincoln tinha pela música feita através de instrumentos eletro-eletrônicos, da habilidade única de lidar com a música negra americana como o Soul e a Disco Music – que são o grande berço da House Music e do Techno -, e por ter sofrido duras críticas por estar a frente ao seu tempo e não ter medo de fazer o que os outros faziam de forma diferente, mostra o quão importante ele foi para fomentar a música que domina as pistas de dança até hoje. Um feito para poucos.

A música conecta.     

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