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A música conecta

Como construir uma rede de networking musical orgânica?

Por Marllon Eduardo Gauche em Editorial 22.07.2020

Apesar de estarmos afastados, o networking continua sendo uma ferramenta poderosa para a carreira de qualquer artista e isso pode ser muito exercitado principalmente no ambiente digital. Conversar, convidar, criar vínculos, se relacionar profissionalmente, trocar ideias, dar feedbacks e cultivar essa relação de ajuda mútua são ações que podem gerar muitos frutos no futuro.

Nesta espécie de conteúdo no formato “talks”, fizemos perguntas-chave individuais para cinco convidados especiais: Ella De Vuono, Érica, L_cio, DJ Murphy e Tha_guts, artistas da cena nacional que de uma forma ou de outra mantém um laço artístico em comum e entendem o valor da boa comunicação. Confira o bate-papo abaixo e aproveite para tirar muitos insights para aplicar na sua carreira.

Ella De Vuono

O networking é uma ferramenta que potencializa a carreira e ajuda no crescimento pessoal. Para você, qual o primeiro passo para aqueles que desejam construir uma rede orgânica de contatos?

Acho que o primeiro passo é estar presente nos lugares, o famoso ser visto para ser lembrado. Mas aprofundando nisso, é fundamental ter conhecimento sobre o meio, neste caso a música eletrônica. Ou seja, não adianta muito estar presente e não ter o que falar.

Então eu sugiro muita pesquisa, muito estudo, entender bastante sobre a história da música eletrônica para não cometer nenhuma gafe ou queimar seu filme em um bate-papo com alguém. Acredito também que, para além disso, é importante ter projetos e falar deles e não mal dos outros profissionais que estão executando um trabalho. Isso acontece muito. Quantas vezes nos backstages da vida alguém veio puxar assunto comigo para falar mal do DJ que estava tocando ou de como a cena é péssima? Falar mal do trabalho alheio é a pior coisa. O primeiro passo é: estar presente e ter conteúdo para o networking, mesmo virtualmente.

https://www.instagram.com/tv/B-NnWBxHXIy/

Você é residente da Carlos Capslock e certamente já teve contato com muitos artistas da cena. Mas longe das pistas, como você busca aproximar seus relacionamentos com marcas, núcleos e outros profissionais?

Eu sempre tento buscar algo que seja autêntico, tento me destacar de alguma maneira para marcas ou outros núcleos se interessarem, tornando meu trabalho mais atrativo. Existe uma normatização do perfil das DJs e acaba ficando tudo a mesma coisa, então busco ir além, sair um pouco do padrão e trazer algo mais audacioso, que aguce a curiosidade das pessoas em um todo, sendo fiel às minhas raízes e posicionamento.

Em um momento como esse que não podemos ter eventos sociais presenciais é de extrema importância se manter relevante virtualmente, então me mantenho ativa, produzo conteúdos variados. Desde lives semanais com diversos estilos musicais no meu canal no Twitch, até entrevistas colaborando com outros artistas e núcleos via Instagram ou Facebook.

Colaboro ativamente com o coletivo da Capslock. No momento, por exemplo, estamos lançando uma campanha para arrecadação de renda para manter os colaboradores das festas (Benfeitoria: “Craudianos Unidos”) e lá estou oferecendo Cursos de Discotecagem Online como recompensa.

Estou também liderando a curadoria de uma compilação de um label bem reconhecido na cena, com vários artistas que admiro muito. A previsão de lançamento é para o final do ano. A ideia é sempre manter o contato ativo com diversos núcleos e clubs, tanto parceiros de longa data quanto novos que têm se interessado em meu trabalho.

Érica

Além das festas em geral, participar de palestras ou workshops sempre foi uma ótima forma de aproximar novos contatos, mas isto também está presencialmente congelado por ora. De que forma os artistas podem apresentar o seu som para outros profissionais do mercado?

Vejo bastante festas, workshops, bate-papos e palestras acontecendo pelo Zoom e similares, que agora se apoiam não só no público local, mas agora em toda uma rede de interessados de lugar distantes, com oportunidade de frequentar uma festa que sempre sonhou ir, participar de um bate-papo ou workshop com um profissional que sempre quis conhecer, fazer o curso que nunca conseguiria fazer devido a distância ou valor, ou até mesmo mandar suas produções para DJs incluírem em podcasts e lives, ou selos lançarem em compilações. Os artistas podem se engajar nessas atividades de forma virtual.

Eu aposto muito no ensino como forma de criar trocas mais aprofundadas. Minha plataforma de ensino de produção musical e live act, WAVE Live Act, em parceria com João Pinaud, acabou migrando para o ambiente online com a pandemia e reduzindo o valor devido à redução de custos com locação e deslocamento. Tivemos um crescimento significativo em número de alunos e conhecemos muitos artistas novos, produtores e interessados só nesses três meses meses de aulas online. 

Estamos tendo trocas incríveis, conhecendo muita gente legal de diversas partes do país e até do exterior, num clima de colaboração que certamente vai resultar em futuras parcerias e produções para além da escola. Só as apresentações no WAVE LIVE FEST e as tracks que irão produzir como finalização do curso já geram um bom movimento.

Relacionamento é um processo, o qual se constrói e se cimenta com o tempo. Isso também funciona entre artistas e labels? Como pode ser esse contato para que, algum dia, aconteça a oportunidade de um lançamento?

Sim, essas relações entre artistas e label são como qualquer outra, dependem de um contexto maior. Acho que temos que tomar muito cuidado com essa relação e entender o que cada um tira disso. Para ambos os lados, tanto pro artista quanto para o label, acho importante ir atrás de pessoas que estão realmente interessadas nesse tipo de parceria e interconexão, que vão desempenhar bem seu papel e incluir os DJs e radialistas nessa conversa, por serem os maiores facilitadores entre artistas, labels e o público. Tem que ter estratégia. 

Como artista, a maioria dos selos que lancei aconteceu assim, seja por convite ou por eu estar em algum projeto que já tivesse um label engatilhado, com uma cadeia de produção conectada. E nem todo trabalho meu foi lançado em outro label. Meu álbum de 2017, Beautiful, por ter uma sonoridade fora da curva no meio da música eletrônica, ficou dois anos na geladeira à espera de um selo. Os labels que poderiam lançar esse tipo de som não estavam conectados com minha história, eu era uma desconhecida para eles, então não se interessavam.

Foi quando resolvi abrir meu selo, a Baphyphyna, e me lançar. O que nasceu de uma certa frustração com a lógica excludente e lenta dos selos com meu trabalho resultou numa nova profissão para mim, de DJ e curadora. Passei a me interessar em lançar outros artistas e discotecar seus trabalhos nos meus sets e programas de rádio no Reform Radio e Dublab Brasil. Estou sempre à procura de novas produções, adoro divulgar artistas e produções novas, pois é isso o que alimenta minha faceta DJ e curadora de selo, e sempre me interessei por isso. Podem me procurar!

L_cio

Em breve você irá lançar uma collab na faixa do Tha_guts e você também fez parte do projeto NÓS, junto com a Érica. Por ser um artista conhecido e por trabalhar de modo recorrente com diferentes produtores, como você enxerga essa relação de troca?

Primeiramente, o momento o qual estamos passando necessita muito da “aproximação” entre artistas de diferentes linguagens. Além de participar de uma faixa com flauta no álbum do Tha_guts, acabei de lançar uma collab com o Spuri pelo Prisma Techno e também lançarei esse ano parcerias com Ellie Ka, DJ Due, Blancah, Stroka, entre outras colaborações e remixes. Acabei de gravar duas faixas com um cantor chamado Nathan Berger (que já lançou com Gui Boratto) em um projeto da Truelove Music.

O projeto “NÓS” é muito especial. Nós experimentamos a possibilidade de construir uma comunidade aberta através da música, das artes visuais e das palavras nesses tempos diferentes que vivemos. O EP foi lançado pelo selo Baphyphyna (da Érica), composto por três faixas inéditas: Subterrâneo, por Entropia-Entalpia & RHR; Teia, por L_cio & Mari Herzer; e Convite, por Érica & Stroka. As artes são assinadas pela artista visual Annyl.Lynna, másters do Rhr e os textos foram escritos por Brune. Criar em comunidade é nossa forma de dizer: nós existimos.

Como era antes de seu nome se tornar popular no mercado? Existiram oportunidades importantes ou lançamentos que ocorreram por indicações de outros profissionais? Já ajudou outros nesse sentido também?

Acho que independente da popularidade, as conexões que acontecem no decorrer de uma carreira perpassam, além do seu trabalho de estúdio, as possibilidades e contatos que você faz e que fazem com você (interações e interligações inesperadas). Para isso, fatores relacionados ao nightlife (sair, conhecer pessoas) trazem diferentes situações que podem gerar novos projetos e contatos. Meu crescimento também é fruto dessas conexões.

Um exemplo foi como minha música chegou no Gui Boratto. Eu nunca havia enviado meu trabalho para ele, porém passei pro Ale Reis, para tentar lançar no label dele, o Sudd Records. A música não tinha relação com o selo e ele perguntou se poderia passar pro Gui. Passou, ele curtiu e depois disso nos aproximamos muito! Essas situações extrapolam nosso poder de decisão e acabam dependendo das conexões que acontecem durante o processo.

DJ Murphy

Artista considerado um dos pilares do Techno no país, seu trabalho já possui igualmente uma longa estrada internacional. Nestes anos se relacionando de diferentes formas com a música, existe algum aprendizado que você poderia compartilhar para artistas que desejam expandir seu alcance para além do território brasileiro?

Eu aprendi desde cedo que o melhor seria fazer algo diferente e não mais do mesmo, para assim levar meu trabalho mais além. Eu resolvi tocar o que ninguém tocava, sempre fugindo das mais tocadas por todos e também, claro, utilizando uma forma diferente do habitual na hora de mixar. Não menos importante do que isso são as horas de estúdio e tentar aquele release em um selo de maior abrangência e importância. Se der certo, seu nome pode chegar em um outro nível.

Para aqueles que procuram superar o “medo” ou a vergonha, além de melhorar a habilidade de se relacionar com outros produtores do mercado, você tem alguma dica? Como parceiro de trabalho de Spuri e sócio da Hotstage, quais passos iniciais você indicaria para começar um bom relacionamento com um novo produtor ou mesmo uma gravadora?

O básico é não ter vergonha e, de alguma forma, expor o trabalho para os label managers, pois somente assim irá conseguir com que dêem alguma atenção para o trabalho do jovem produtor! Na Hotstage e outras gravadoras, gostamos da ferramenta SoundCloud onde novos produtores podem “disponibilizar” suas tracks de forma privada e isso é uma forma muito mais ágil de avaliação de conteúdo. Importante que o produtor observe e saiba quais labels seguem a linha de som que ele está produzindo. Enviar tracks no desespero para o máximo de gravadoras possíveis não é uma boa tática, o ideal é focar nos que lançam o estilo característico produzido.

Tha_guts

Neste momento de pandemia e, consequentemente, isolamento social, quais práticas podem ser adotadas no ambiente online? Como manter proximidade com aqueles que se conectam com sua música, agora com a pausa dos eventos?

Vivemos um momento ímpar na história da arte e do entretenimento contemporâneo e, consequentemente, dos eventos de música. Pela primeira vez, desde a consolidação da música eletrônica, nossa rede de contatos se estabelece quase que exclusivamente pelo meio digital. Assim, mesmo que em um cenário nada ideal, essa mudança radical na forma de nos conectarmos com os ouvintes expôs como precisamos refletir melhor em como realizar essa comunicação.

Essa mudança trouxe como ponto chave a necessidade de uma interlocução mais horizontal com o público e paralelamente entre artistas. É curioso que nesse período me aproximei de pessoas das quais eu já tinha um carinho e admiração, tal como o L_cio, que sempre se apresentou como um produtor acessível, mas agora estabelecemos um contato mais sólido com o trabalho de pós produção, collab e remixes.

No todo, tem sido um tempo de se rearticular e criar conexões reais, principalmente com quem escuta nossa música além do front. Me alegra ver ações como os vídeos produzidos pelo Entropia-Entalpia, dissecando o seu processo de live e produção. Eu sempre fui um grande fã dessas iniciativas de desmaterializar o trabalho do artista e expor o meios utilizados e não apenas o resultado. Por fim, se trata de um processo novo e precisamos entender o ambiente online e de fato se profissionalizar no meio.

Como produtor, você geralmente busca alguns remixers para suas músicas. Como é  este processo até chegar nos artistas em que você deseja fazer o convite? E como esse convite é feito?

O processo de remixes das faixas quase sempre se apresenta após a finalização do trabalho. Geralmente, não existe um artista ideal para o remix, mas sim possibilidades que podem se comunicar com determinada faixa e isso no fundo é o que gera resultados mais interessantes. Mesmo que no estúdio, trabalhando sozinho, tenho parceiros que sempre escutam os trabalhos ainda unreleased e essas ideias surgem dos mais diferentes modos. 

Hoje em dia, devido a facilidade do ambiente online, se descomplicou bastante o processo de convite a artistas. Dos meus lançamentos, nas maioria das vezes, essas decisões foram tomadas com contribuição das gravadoras que agilizam esse processo de primeiro contato. Contudo, se a proposta é lançar independente e a ideia é trabalhar com um produtor consolidado no sentido de alcance e ainda de fora do país, é preciso pensar na aproximação como uma rede de contatos, visto que esses artistas não tem um e-mail disponível online e trabalham com orçamentos pagos.

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