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A música conecta

O alerta que vem da disputa entre Alok e Sevenn

Por Isabela Junqueira em Editorial 28.01.2022

Desde a última sexta-feira, dia 21 de janeiro, uma polêmica traz mais uma vez à tona um velho debate espinhento da indústria fonográfica: os direitos autorais. A partir de uma reportagem da Billboard, os DJs e produtores americanos que cresceram no Brasil, Sevenn, acusam Alok (o maior expoente brasileiro da música eletrônica) de ter se apoiado em faixas não creditadas para gerar seus hits. Os irmãos Sean e Kevin Brauer alegam que trabalharam como produtores fantasmas em pelo menos 14 faixas (inclusive em colaborações) de Alok. Se comprovado, deve render ao Sevenn uma média 1,3 milhão de dólares —  se os royalties de execução em streamings e rádios forem considerados.

Entre as faixas elencadas estão produções que bateram números estratosféricos e algumas das principais faixas de Alok. Diante de versões explanadas via Instagram, ambos artistas expõem seus esclarecimentos através de provas e contraprovas que envolvem desde a exposição de prints, até projetos musicais nas devidas plataformas de produções e o inevitável envolvimento do ex-empresário, e ainda sócio de Alok, na empresa de agenciamento Artist Factory (Alok & AudioMix Produções Artisticas LTDA), Marcos Araújo. A figura de Araújo é de contexto problemático, visto que sucede de denúncias de violência contra a ex-mulher e práticas questionáveis no gerenciamento de seus artistas.

Fatos esses que levaram Alok a romper relações empresariais com Marcos, que ainda permaneceu como sócio do produtor. Mas o que mudou nessa relação de acordo com Alok? O produtor afirma que, desde o rompimento, Araújo vem usando de ferramentas para o ameaçá-lo e chantageá-lo por não concordar com a rescisão do contrato que partiu (pacificamente) de Alok. Ainda segundo o DJ, a dupla Sevenn estaria sendo utilizada como mais uma ferramenta no sentido de atingi-lo como forma de punição. Alok questiona a escolha do desenrolar via mídia e não judicial, classificando como uma banalização da discussão.

Na contra-mão, os irmãos afirmam que há anos buscam tentativas amigáveis para a inclusão de seus nomes nas colaborações, considerando a recente “Un Ratito”, parceria de Alok, Juliette, Luis Fonsi, Lunay e Lenny Tavarez a gota d’água — a música foi retirada do YouTube mediante notificação. Entre as acusações contra Alok, o Sevenn afirma que sofreu uma tentativa de cláusula de silêncio por parte do expoente brasileiro, que solicitava que a dupla assinasse uma renúncia de demandas de direitos autorais para que fossem agenciados por Marcos Araújo. Um dos pontos que traz peso, é a evidenciação de uma abertura de set da dupla no Tomorrowland 2019 comparada à de Alok no Untold de 2021.

Fato é que toda essa treta, que ainda há de render incontáveis desdobramentos, levanta pontos frágeis e que demandam cautela entre os agentes artísticos da indústria fonográfica. A começar entre a relação empresário e artista, que comumente pode vir a proporcionar benefícios unilaterais, onde o empresário a partir de cláusulas contratuais e contratos com valores de rescisão estratosféricos, criam uma espécie de gaiola de ouro para artistas em ascensão que, diante da inexperiência, acabam presos atraídos por uma narrativa que não os contempla de forma justa. Fato é que diante desse cenário, o empresário exerce controle não só sobre a carreira, mas também sobre os frutos dela. Portanto, vale se atentar, artista!

Outro ponto que segue a mesma lógica são as famigeradas colaborações estratégicas. Impulsionamentos são necessários, mas a partir de uma série de pontos de convergência — para que eles façam sentido de forma homogênea e justa. Não é incomum a união de artistas maiores e menores ou de grandes artistas no sentido de alavancar suas carreiras e gerarem números. Mas tão importante quanto a geração de números, é a execução de um trabalho de qualidade, o que fica comprometido a partir de colaborações de cunho comercial — que majoritariamente não são feitas em um contexto de cerne musical.

Outro grande questionamento é o uso de produtores fantasmas ou “ghost producers”. A função é amplamente procurada tanto por novos DJs que buscam a consolidação no mercado, como por artistas bem estabelecidos e/ou famosos que não dispõem de tempo para o aumentarem portfólios musicais, ou até os que necessitam ou optam por dar enfoque em outros aspectos da carreira sem cessar a produção. A técnica e a experiência (como artistas aos quais colaborou anteriormente) do produtor fantasma, além do porte da produção e do cliente que o está contratando, são fatores decisivos na precificação dos serviços e faixas que constituem a dinâmica — que pode ultrapassar até 50 mil reais.

Mas o que fica de lição, de fato, diante do cenário de disputa entre Alok e Sevenn? Se você pensou que esse editorial elencaria heróis e vilões, te garanto desde já que definitivamente não. Toda essa discussão demonstra falhas por parte de ambos artistas. É claro que como dissemos anteriormente, ainda acompanharemos desdobramentos dessa história, mas até então, o que essa treta toda revela é que tanto Alok quanto Kevin e Sean deixaram questões contratuais básicas de lado no estabelecimento de relações comerciais entre produção de obras artísticas — regulado pela Lei Nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998 que “altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências”.

Como diria a espertíssima Anitta ao dar uma aula sobre direitos autorais e contrafação (a reprodução não autorizada, como no caso de Alok e Sevenn em “Un Ratito”) para a cantora-mirim — ícone dos memes e falsetes — Melody: “não é terra de ninguém”, principalmente quando tratamos de produções musicais sérias. Recentemente também pudemos acompanhar a disputa entre Adele e Martinho da Vila, que reforça a necessidade de atenção a esse campo de regulamenta uma das principais ferramentas de sustento artístico. Portanto, vale ficar atento ao que faz parte não só dos direitos que dispomos, mas também aos deveres.

https://www.youtube.com/watch?v=5OXK4cI1waM

E se você, artista e produtor de música acredita que essa problemática está distante de você: não se engane. Algumas das músicas que Sevenn questiona, são de quase dez anos atrás. É necessário ter visão estratégica e consolidadora desde seu primeiro passo na indústria. Toda essa movimentação coloca em cheque a autoridade de Alok, considerado o pioneiro do Brazilian Bass desde meados de 2010. Não estamos apontando que a dupla Sevenn está correta — não temos informações para elencar ninguém à frente e nem o faríamos —, mas percebem a descredibilização que um acontecimento desse porte (e seriedade) pode acarretar?

Portanto, a lição que fica para o hoje é: vale pensar no amanhã. Apesar de poucas, desatualizadas e nem sempre efetivas, a indústria fonográfica conta com dispositivos assegurados pela lei para garantir que obras estejam seguras e respaldadas de acordo com os direitos que dispõem. Você pode encontrar a lei que rege sobre os direitos autorais clicando aqui. Vale estudá-la e se atentar no sentido de acompanhá-la para assegurar o seu trabalho e a validade dele. Além, claro, de preservar os frutos do seu trabalho — como o que rende a partir das execuções e vendas.

Levando em consideração o atual contexto político que o país atravessa e os atores governamentais, é complicado esperar que as esferas executivas e/ou legislativas se virem à essa problemática da indústria que carece de atualizações e um olhar atento aos efeitos da modernidade. O que vale são os esforços para cobrar e demandar o despertar da atenção para a temática dos direitos autorais — que regula âmbitos tão significativos, como é a indústria da música e arte em território nacional e seus produtos. Observemos.

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