Skip to content
A música conecta

Qual a verdadeira origem do Tech House?

Por Ágatha Prado em Editorial 31.03.2022

Um groove pensado para não deixar ninguém ficar parado numa pista, batidas expressivas que aceleram o ritmo do coração, kicks densos e melodias que são traduzidas com grande energia, ou até mesmo, cuts rítmicos que conduzem um balanço distinto. Queridinho de muitos e ao mesmo tempo polêmico para tantos, o Tech House certamente é um dos sub-gêneros da eletrônica que atingiu uma ascensão meteórica na virada do milênio e permanece ostentando sua popularidade nos quatro cantos do planeta. Mas será que lá atrás, em seus primeiros drops e batidas, o Tech House já era nessa estética sonora como conhecemos hoje? Afinal, de onde ele veio? 

Bom, como muitos estilos e movimentos que nasceram, nada foi muito premeditado. Aliás, muito provavelmente, não era nem imaginado durante sua concepção, que uma mistura do House com o Techno seria um fenômeno indomável dez anos depois. Por sinal, quando falamos do ponto de encontro entre o House e o Techno, e sobretudo do caminho existente entre os dois mundos, encontramos o registro embrionário do Tech House. Podemos dizer que o sub-gênero nasceu como um filho rebelde, com anseios de romper os paradigmas do mentalismo de seu pai, o Techno de Detroit, e com o desejo de se distanciar do mainstream que se encontrava sua mãe, a House Music de Chicago e da costa oeste americana.O mais interessante é que esse jovem menino veio a nascer do outro lado do oceano, mais precisamente no efervescente cenário do Reino Unido.

Não há como falar da origem do Tech House, sem citarmos a reverência de um dos pioneiros, senão o primeiro artista a ousar no experimento “nem tão techy, nem tão vocal”: Eddie Richards. O britânico era residente da aclamada Clink Street, club fundamental para a difusão do movimento do Acid House londrino no fim da década de 80, e que posteriormente seria um ponto-chave para o start das festas voltadas ao Tech House na Inglaterra. Um certo dia, Eddie Richards recebeu uma fita cassete de seu parceiro de cabine da Clink Street, Mr. C., e curiosamente, de um lado da fita estava escrito Techno e do outro lado House. Foi então que Eddie Richards, decidiu traçar um ponto de conexão e ao mesmo tempo distanciamento entre os dois universos chave da eletrônica, a partir de mixagens que interconectavam os dois gêneros.

Segundo Mr. C, neste período o artista entrou em contato com todos os outros DJs e produtores que conhecia e disse que todos deveriam chamar seu estilo de discotecagem, e os de Eddie, de ‘Tech House mixes’. “Detroit tinha Techno, Chicago tinha House e eu sabia que a mídia iria aderir”. E seus instintos estavam corretos. “Todos nós fizemos isso e a mídia pegou imediatamente” completa Mr C. em um depoimento para a Roland. 

Dentro das pistas, o Tech House veio a ser uma reação à mutação da cena Acid House britânica para o Hardcore, e posteriormente o Jungle. Além disso, com o auge do Handbang House comercial, o público underground viu-se orfão de uma estética e de um movimento que pudesse ser seu novo lar. Então, certos DJs começaram a tocar discos underground que, no contexto de um DJ set, ficavam entre os polos gêmeos do House e do Techno, acelerando o Dub e o Garage dos EUA, e conectando pitadas de Electro que se encaixassem de alguma forma. Assim, o Tech House começou como um som que se aglutinava nas pistas de algumas festas underground selecionadas. E isso certamente foi impulsionado pelos ouvidos ousados de Eddie Richard e Mr. C.

Não demorou muito para que Richards juntasse seus anseios criativos a outro transgressor de paradigmas: Terry Francis. Terry decidiu abraçar o gap underground através de um evento voltado à essas sonoridades que era o novo viés do momento. Foi então que surgiu a Wiggle, a festa que foi oficialmente o rolê embrionário do Tech House, e que reuniu como residentes, Eddie Richards, Nathan Cole e o próprio Terry Francis, passando a ser conhecidos como Wiggle DJs. O Tech House até aquele momento, era entendido como uma abordagem ao DJing, e até então pelo menos até 1997, não havia registros de lançamentos de faixas efetivamente categorizadas como Tech House.

Nathan Cole, Terry Francis e Eddie Richards (Wiggle DJs)

+++Relembre: Alataj entrevista Terry Francis

Porém o caminho do estilo encontrou novos rumos, a partir do momento em que Terry Francis conquistou sua residência na aclamada fabric London, e junto a isso, foi premiado pela Musik Magazine como melhor DJ em ascensão, em 1997. Foi aí que o trabalho de Terry entrou de fato para os holofotes do cenário eletrônico, influenciando uma nova onda de tendência musical que se consolidava a partir então, no mercado fonográfico.

Era apenas uma questão de tempo até que produtores começassem a fazer música especificamente definida como Tech House. Lançada em 97, a faixa Gobstopper dos Housey Doingz (projeto de Terry Francis e Nathan Coles) foi considerada uma das primeiras produções efetivamente categorizadas como Tech House, sendo uma mistura inicial de batidas de House combinadas com a musicalidade de Detroit. Da mesma forma, o remix de Chris Duckenfield para Beavis At Bat, do Hardfloor, é outra das primeiras produções do estilo no Reino Unido.

Outro nome a se destacar nesse período primordial da estética, é Asad Rizvi. Hoje como um dos grandes nomes do cenário eletrônico londrino, Asad começou a lançar sua própria visão precisa, pesada e ao mesmo tempo refinada do Tech House, na segunda metade dos anos 90, sob a alcunha de Silverling Dubs. Com grandes pérolas como Pearl Divers, de 1996, e com a tempestuosa Precision Spanner, de 99,  Asad foi um dos responsáveis por consolidar a tendência estética do Tech House na virada do milênio.

Fundamentando-se como um verdadeiro lar para os lançamentos do estilo, a Swag Records tornou-se uma gravadora que abraçou diversos sub-selos direcionados à estética, sendo um ponto crucial para a difusão do estilo ao redor do mundo. Entre os imprints incluem a própria Swag, Funknose, Surreal, London Housing Benefit, Pirate Radio e Uhuru Beats, catálogos esses que receberam os pioneiros do Reino Unido como Asad Rizvi, Gideon Jackson, Richard Grey, Spincycle, Mothersole e Bushwacka, bem como os DJs Wiggle e muitos outros. 

Esses primeiros passos foram definitivos para o alcance global da sub-vertente que começou como um movimento alternativo dentro do underground eletrônico. O manifesto de resposta ao mainstream – que caminhava a House Music -, ganhou força para além dos clubes e labels britânicas, e foi quando chegou à Ibiza através do Circoloco, que sua ascensão global foi efetivamente iniciada. Ao mesmo tempo, na Alemanha, M.A.N.D.Y abria portas para um novo lar, com a Get Physical, apostando em uma pegada étnica, percussiva e por vezes minimalista, mas que se tornou um símbolo de vanguarda do Tech House contemporâneo. 

Ainda, outros momentos importantes em meados dos anos 2000 foram imprescindíveis para o desenvolvimento do cenário Tech House que conhecemos hoje. Do outro lado do oceano, na costa oeste americana, Claude VonStroke anunciava o estabelecimento do selo Dirtybird e fomentava as noites dos clubes que ajudaram a espalhar a cultura do estilo recém-importado. Reforçando os laços britânicos com o Tech House, o selo Toolroom de Mark Knight foi lançado em 2003 e, ao longo dos anos, abrigou muitos tons diferentes de 4/4, incluindo um desenvolvimento tecnológico para o estilo que dita tendência até os dias de hoje no mercado mundial.

Já de dez anos pra cá, podemos falar que o Tech House ganhou uma forma mais “acessível”, de rápida e ampla absorção nos principais festivais de eletrônica do globo. Sofrendo mutações que espelham influências do Electro House, EDM e Big Room, hoje o Tech House se tornou um camaleão das vertentes musicais, especialmente após a meteórica ascensão do australiano Fisher, responsável pela popularização em massa da nova onda do estilo. E talvez seja justamente isso que agrada a muitos, e repele tantos outros, já que o Tech House hoje caminha justamente para aquilo que afastava a comunidade que o criou: o mainstream. Mas isso é assunto para outro editorial.

A música conecta. 

A MÚSICA CONECTA 2012 2024