Em agosto, essa coluna completou três meses de vida. Já abordamos por aqui diversas pautas importantes que estão interligadas ao universo da Dance Music e, se pararmos para pensar, todas elas carregam um forte cunho social, trazendo para você, leitor, uma reflexão que às vezes pode não ficar tão clara quando não paramos para analisar com calma as complexidades que uma pista de dança abraça. Já falamos sobre racismo, sobre inclusão de minorias, fortalecimento de culturas locais, éticas comportamentais de artistas e de alguma forma todas essas questões me levam a pensar em uma única palavra: política.
Quando falo sobre política não quero induzir o leitor a absolutamente nenhum caminho partidário – mesmo pessoalmente julgando essencial –, mas quero conversar com você sobre o resgate de um posicionamento que sempre esteve de mãos dadas com a música eletrônica. Uma imagem que sempre me vem à cabeça ao pensar neste assunto é quando recordo dos protestos que a comunidade clubber organizou em frente ao prédio do parlamento em Tbilisi, capital da Georgia, devido a uma batida policial que prendeu diversos produtores e público dos clubs Bassiani e Café Gallery. Essa não é uma realidade tão distante de nós, basta lembrar da prisão do DJ e produtor Rennan da Penha, criador do Baile da Gaiola, em abril de 2019.
Nos dois casos existe uma ideologia política por trás, onde o nosso ramo não é visto com bons olhos por comunidades e políticos conservadores. Além disso, o tratamento do Estado com artistas, festas, clubs, produtores e público se torna ainda mais cruel ao lidar principalmente com a cor de pele e classe social destes indivíduos. E se engana você, pessoa que não se enquadra nas características acima, achar que políticas conservadoras incluem o universo da música eletrônica que você participa.
Lembro que uma das representantes do Café Gallery, Mariam Murusidze, falou em entrevista ao site Resident Advisor que a invasão da polícia aos clubs não era uma ação de combate à traficantes, mas, sim, uma luta entre o passado soviético da Georgia e o flerte com uma ditadura que estava se estabelecendo no país. Isso poderia facilmente ser uma fala de qualquer produtor cultural brasileiro e, qualquer pessoa com um pouco de bom senso, sabe do que eu estou falando.
Também podemos citar o famoso cancelamento do show do Kraftwerk na Argentina, em 2016, devido a uma lei que impede concertos de música eletrônica em Buenos Aires. A Lei em questão proíbe que bandas contendo sintetizadores ou samples como seus instrumentos principais, não podem realizar apresentações em eventos. A determinação foi movida após a overdose de cinco jovens durante o festival Time Warp no país. Vale lembrar que desde sua vitória como presidente do país, em 2019, Alberto Fernández vem estudando formas de legalização definitiva da maconha e fortalecimento de políticas de redução de danos no país, que já tem autorização para cultivo medicinal da planta, assim como nossos vizinhos uruguaios.
Estamos no meio de uma pandemia, sem perspectivas de retorno ao modelo de eventos que tínhamos, com diversos clubs e agentes falidos. Toda comunidade do entretenimento está completamente desamparada financeiramente e isso diz muito sobre os políticos que escolhemos para nos representar. Em setembro completamos seis meses de paralisação do nosso setor e só agora foram colocados em prática – com muita burocracia – os trâmites de liberação dos recursos da Lei Aldir Blanc, que tem o intuito de conceder auxílio emergencial a profissionais do setor cultural. De autoria da parlamentar Benedita da Silva (PT-RJ), a lei irá distribuir R$ 3 bilhões, que serão repassados aos municípios de acordo com os critérios populacionais e dos fundos de participação dos Estados.

Em novembro deste ano começamos a primeira etapa de um extenso – e tenso – processo eleitoral no Brasil. Para quem está por fora do assunto, o primeiro turno acontece no dia 15 de novembro e o segundo dia 29 de novembro. Os eleitores escolherão os prefeitos, vice-prefeitos e vereadores dos seus municípios. Um vereador tem como função legislar leis exclusivas para os municípios a que eles pertencem e fiscalizar as ações dos prefeitos.
Mudanças em níveis governamentais são importantes, mas acredito que ações locais tem uma alta efetividade no processo de apoio à iniciativas que estão mais próximas da nossa realidade. Conhecer quem de fato está presente nas relações culturais e sociais dos nossos municípios é fundamental para não só ajudar um coletivo ou artista que você admira, mas também estruturar bases ideológicas e políticas que legitimam um direcionamento honesto para quem realmente precisa. E esse é um pensamento que deve ter atenção não só de quem está na linha de frente no setor de eventos, mas também do público. São incontáveis relatos de grandes marcas – inclusive inseridas no universo da música eletrônica – que destinam não só verbas, mas também apoio a parlamentares que não dão a mínima para a classe cultural. E quem financia tudo isso somos nós, deslumbrados com o poder que um bom marketing pode ter na maquiagem de falsos agentes culturais.
O objetivo em trazer essas informações é gerar um questionamento sobre até que ponto estamos utilizando nossas plataformas para ajudar em uma mudança efetiva na valorização da cultura e, consequentemente, do nosso setor. Uma coisa nós sabemos: políticas e políticos conservadores não dialogam com a cena noturna, muito menos com a eletrônica. Quem você quer te representando nas esferas parlamentares?
Faltam pouco mais de dois meses para as eleições municipais e eu gostaria de confrontar cada um de vocês a repensarem até que ponto estamos ajudando o nosso ramo ficando isentos de um assunto que, pelo que deu para ver, interfere diretamente no que fazemos. É começar a entender a nossa existência como cena muito além da pista de dança, porque não podemos colocar a frente dessa existência uma promessa de melhoras econômicas – que já sabemos que não vem com o tipo de política que escolhemos atualmente no Brasil. E não adianta uma boa economia no país se ela criminaliza quem somos, o que fazemos ou não concede um suporte mínimo durante uma pandemia.
Chego no final deste Textão e é impossível não lembrar de um meme que apareceu na minha timeline recentemente. Deixo a imagem abaixo como despedida e reflexão.

A música conecta.