Ok, escrever sobre uma pessoa tão importante para Dance Music não é algo fácil, ainda mais quando você tem grande admiração sobre ela e seus feitos, o que gera aquele frio na barriga e a vontade de deixar perfeito. Eu li e reli entrevistas e assisti tantos outros vídeos para refrescar a memória e escrever um texto que pudesse elucidar a todos vocês quem é e o que fez Thomas Jerome Moulton, mas o cara é tão importante para nossa realidade que fica difícil de escolher o que abordar.
Assim como qualquer outra grande personalidade que o mundo da música tem, Tom Moulton vem de uma família de músicos. Tanto seu pai quanto sua mãe eram músicos de Jazz que tocavam em eventos sociais como casamentos e jantares. Moulton nasceu em 1940 na cidade de Schenectady, localizada no estado de Nova Iorque, e que fica a cerca de 250 quilômetros de Manhattan.
A irreverência de Moulton começa logo nos seus primeiros anos de vida. Ao contrário das pessoas que nascem de pais músicos, Tom não era habilidoso com instrumentos e nem estava condicionado a isso. Ainda criança, ele trabalhou em record shops na sua cidade natal e a motivação era simples: receber parte do seu pagamento em discos. Tom não tinha muita vontade em tocar instrumentos, mas desde sempre foi um apaixonado por música e viu a chance de conseguir vinis em troca de seu trabalho.
As coisas seguiram seu curso natural e Moulton acabou entrando no music business como representante de vendas para gravadoras como King Records, RCA e United Artists. E não durou muito. Conforme ele mesmo relata em uma de suas entrevistas, ser representante de vendas dentro do ramo musical se resume em manipular as pessoas, o importante é vender a música e não apreciá-la. Isso fez com que Tom largasse seu emprego e consequentemente saísse do ramo no início dos anos 60.
Durante a década de 60, ele passou a ganhar seu dinheiro sendo modelo para agências como a Ford Models. A carreira de modelo fez com que Tom viajasse bastante para países europeus, expandindo ainda mais seu conhecimento e paixão pela música. Mas tinha algo que ainda o incomodava: a falta de continuidade entre uma música e outra quando os responsáveis pela sonorização de bares – o que viríamos chamar de DJ – tocavam. Tom fala em uma entrevista para a Red Bull que é impossível ter uma imersão total ouvindo músicas de dois a três minutos e eu não poderia concordar mais.
Foi em uma dessas conversas com os colegas do ramo da moda que Moulton foi apresentado a John Whyte, também modelo e que tinha um bar em Fire Island, uma ilha que margeia Long Island e que tem uma reputação enorme por ser um espaço onde a arte e cultura podiam ser explorada de forma livre. Outro fato que faz Fire Island ser um ícone na cultura da Dance Music é que a comunidade gay encontrou seu espaço pelos bares da ilha, livre dos preconceitos de outros lugares da região de Nova Iorque.
John, por sua vez, perguntou se Tom poderia gravar uma mixtape para o bar após uma conversa onde eles discutiram uma apresentação não muito boa de um DJ que estava ali tocando. Moulton trouxe à tona sua visão de que as músicas precisavam de uma continuidade para ter efeito total aos que ali estavam e John então pediu para que ele trouxesse um exemplo.
Após duas semanas, Tom entregou a mixtape para John que, após ouvi-la, o aconselhou a não deixar de trabalhar como modelo. Um feedback tanto quanto duro, não? Mas, como a vida é uma caixinha de surpresa, enquanto Moulton esperava o ferry boat para retornar de Fire Island, um estranho se aproximou quando notou a tristeza em seu semblante e, a partir dali, a vida de Tom – e a nossa – mudaria.
Após alguns dias de ter entregue a fita ao homem misterioso, a ligação veio em uma sexta-feira. Recebeu mais um não. No sábado de madrugada seu telefone volta a tocar e desolado, Tom desiste de atender às ligações até a manhã de domingo, onde descobre que apesar da equipe da sexta-feira não ter se interessado pelo conceito de mix continua, a equipe do The Sandpiper, outro bar localizado em Fire Island, se interessou e pediu mais material mixado.
Tom ainda não sabia, mas havia criado o conceito de mix contínua que é comum em álbuns até hoje e adivinhem? O conceito de discotecagem atual onde o DJ mixa a intro de uma música com o outro de outra música também. As intros e outros antes de Tom Moulton eram super curtas ou até mesmo inexistentes.
Ele então passou a fornecer mixtapes aos bares da região, criando uma demanda por essa abordagem hipnótica e mais extensa, e com essa demanda, o convite para trabalhar em estúdio seria questão de tempo.
O convite veio e Tom aceitou mesmo não sabendo praticamente nada sobre a rotina e funcionamento de estúdios e tudo bem, o foco era entender o conceito que ele tinha em suas mixtapes e reproduzir isso nas gravações. Como de se imaginar, a relutância e estranhamento tanto por artistas quanto por profissionais aconteceram. Tom precisou literalmente bater de frente com um conceito que já estava estabelecido há tempos.
O primeiro remix que Tom fez? Do It (Til’ You’re Satisfied) do conjunto B.T. Express. E novamente Moulton enfrentou um sonoro não quando apresentou seu trabalho. O grupo vivia um ótimo momento sendo o #1 no programa Soul Train e é entendível que recusassem a versão de Tom para o álbum que obviamente fugia da métrica das outras músicas que fariam parte do álbum homônimo que sairia em 1974. Hoje a versão de Tom é um clássico da Disco Music e surgiu aqui o criador do conceito de remix.
Outro mérito que Moulton carrega em seu nome é a criação do 12″ Mix que segundo ele mesmo relata em uma de suas entrevistas, foi uma “quebrada de galho” que acabou dando muito certo.
Tom conta que ele fazia as masterizações das suas versões sempre às sextas e, em um desses dias, quando chegou no estúdio que masterizava e cortava os discos, somente discos de 12 polegadas estavam disponíveis, que até então eram usados única e exclusivamente para álbuns. Sem ter muito o que fazer, Tom dá sinal verde para o estúdio fazer o corte de um disco contendo uma única música. Quando o disco chegou Tom não gostou, esteticamente falando estava ruim, quase vazio e somente uma pequena marca escrita no centro do disco com certeza faria com que os clientes nem ouvissem o disco.
Moulton então pediu para o engenheiro de corte espalhar a gravação pelo disco todo, dando a impressão de que era algo imponente. O engenheiro o avisou que era sim possível fazer o que estava sendo pedido, porém ele teria um disco com volume muito mais alto que os padrões de mercado, algo que Tom já era acostumado a não seguir.
A primeira música a receber esse novo formato? I’ll Be Holding On, de Al Downing.
Obviamente essa nova forma de se gravar discos fez sucesso entre os artistas e principalmente os DJs, que agora tinham gravações mais extensas e com mais volume. Rapidamente esse novo formato foi chamado de DJ Promo Mix, se tornando ideal para ser discotecando já que ele entregava mais volume e qualidade com o sacrifício de se ter somente uma música por lado.
Sim, você DJ que está mais que acostumado a ver um EP com duas a quatro faixas com cinco ou mais minutos, pode agradecer a Tom Moulton, pois tanto as versões estendidas com foco no instrumental quanto o disco com uma música por lado são ideias dele. Ou melhor, foram formas dele lidar com padrões que não concordava ou com situações onde o improviso se fez necessário.
Foi por Moulton também que o termo Megamix ganhou vida graças ao seu trabalho com Gloria Gaynor em seu álbum de estreia Never Can Say Goodbye, onde um dos lados dos discos toca por 19 minutos de forma contínua através de três faixas. Never Can Say Goodbye é tido como um dos primeiros álbuns da Disco Music, onde o foco no instrumental e a sensação de que se está ouvindo um DJ tocar por conta da continuidade entre as músicas renderam a Tom Moulton o título de O Pai da Disco Music.
Lembra das partes instrumentais que Tom Moulton tanto bateu de frente? Pois então, as chamadas breakdowns são as responsáveis por hoje nós, amantes da pista, ouvirmos e preferimos músicas instrumentais. Foi dos breakdowns também que o movimento Hip Hop ganhou sua trilha sonora, o Rap, já que as bases para os MCs cantarem eram nada menos que breakdowns sendo tocados de forma repetitiva pelo DJ através de duas cópias do mesmo disco.
Como eu disse no começo desse texto, é muito difícil contar a história de um homem que, sem intenções, criou uma nova forma de se sentir música. Foi por conta da visão e da persistência de Tom que hoje eu e vocês dançamos músicas com muitos minutos, que eu e você tocamos discos feitos exclusivamente para DJs e que eu e você somos apaixonados pela Dance Music.
Obrigado, Tom Moulton.
A música conecta.