Há momentos na trajetória de um artista em que uma música deixa de funcionar como simples referência e passa a ocupar um lugar mais íntimo, tornando-se parte da própria história que se escreve ali. No caso de Lutgens, essa história começa antes de Human Robot, antes mesmo de entrar no techno. Ele cresceu em uma cena dominada pelo psytrance — em Itirapina, no interior do estado de São Paulo — estilo que moldou seus primeiros contatos com a pista. Era o som que circulava na sua região, o ambiente onde começou a entender ritmo, impacto e a dimensão coletiva da música eletrônica. Mas o techno chegou para ele como um ponto de virada.
Em 2016, durante uma busca despretensiosa no YouTube, ele encontrou Addicted, de Victor Ruiz. Aquela estética abriu um novo campo de visão para ele mudou a forma como passou a pensar som e energia. Foi ali que o techno deixou de ser um gênero distante e passou a ser um caminho mais palpável. A partir desse encontro, Lutgens fez o movimento que tantos artistas da nova geração tiveram que fazer: reconstruir referências do zero. Mergulhou no catálogo de Victor, descobriu Alex Stein, expandiu o olhar com K.A.L.I.L, Wehbba, ANNA, D-Nox & Beckers… Cada nova faixa servia como estudo e combustível para entender como levar sua formação anterior para um terreno mais alinhado com aquilo que queria expressar.
Em 2017, então, ele começou a produzir, mas essa transição exigiu tempo e foi necessário reaprender, errar, se frustrar e voltar. Ao mesmo tempo, foi consolidando sua identidade, algo perceptível hoje no desenho de suas baterias, no uso característico da TB-303, no modo como encara e posiciona cada elemento com clareza. Com o tempo, começaram a vir lançamentos por selos como fabric, VOLTA, Phobiq, IAMT e suportes consistentes de artistas que moldaram sua visão inicial de mundo: ANNA, Sama Abdulhadi, Victor Ruiz, Alex Stein, Pan-Pot, Nicole Moudaber, Maceo Plex, Adam Beyer e Layton Giordani.
Essa construção gradual explica por que Human Robot não é apenas mais uma faixa em seu repertório de referências. A música, lançada por Victor Ruiz e Alex Stein em 2023, condensa muitas das qualidades que impactaram sua formação: energia, sound design cirúrgico e uma forte identidade. Foi então que a VOLTA Records abriu um remix contest para a faixa e Lutgens não hesitou. Era a oportunidade de revisitar algo que esteve presente desde o início do seu processo no techno. Lutgens enviou sua versão, foi escolhido como um dos vencedores e agora integra um pacote de remixes que também inclui Gonzalo F, Synthatic, Lyran e Ravset — cada um oferecendo uma leitura de caminho diferente da faixa.
No processo de remix, Lutgens optou pelo equilíbrio. Preservou o tema central, os hooks e o vocal — elementos que considerou essenciais — e remodelou a dinâmica com seu desenho de baixo, bateria e uma linha de TB-303, recursos presentes em seu repertório. A proposta foi respeitar a peça original e, ao mesmo tempo, colocar a sua assinatura sonora da melhor forma possível. Para o público fiel de Victor Ruiz e Alex Stein, a versão traz familiaridade; para quem acompanha Lutgens, mostra a evolução de uma identidade que vem se consolidando, oferecendo uma leitura que conversa com ambas as audiências.
E talvez o significado maior desse lançamento esteja menos no resultado final e mais no caminho que ele ajuda a ilustrar. Um artista que começou no psytrance, descobriu o techno por acaso, passou anos pavimentando seu caminho e hoje assina um remix oficial de dois dos nomes que mudaram seu rumo. É um ponto de confirmação em uma trajetória construída com consistência, erros e acertos. Confira o pacote completo de remixes aqui; o lançamento oficial chegou na última sexta-feira (19).