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A música conecta

Editorial | Tulum: que vibe exatamente é essa?

Por Isabela Junqueira em Editorial 20.01.2022

Os hábitos e costumes mexicanos florescem a partir da mistura entre tradições indígenas e aspectos gerados diante do processo de colonização – imposto pela Espanha ao longo de 500 anos. É nesse contexto que o México desenvolve um cenário cultural extremamente rico e diverso, sendo completamente moldado a partir da região e costumes por ali praticados, apresentando assim ramificações específicas de acordo com as áreas e povos que ali viveram. Os Maias, Mixtecas, Náuatles, Otomis, Totonacas, Tzotzil e Zapotecas são apenas alguns exemplos dos mais de 60 povos que habitam ou já habitaram o país, deixando heranças culturais presentes até os dias atuais.

Em meio a efervescência cultural mexicana está Tulum, uma cidade que atualmente se vê em condição de plena ascensão como destino certeiro para os amantes da música eletrônica. A cidade localizada no estado de Quintana Roo simboliza um lado mais rústico do país, já que está no alto da falésia da costa oriental na Península de Yucatán, banhada pelo mar do Caribe e florestas tropicais, a região é mundialmente conhecida como Riviera Maya. Essa mescla entre tradição e modernidade fazem da região um ponto especialmente fascinante, com o adicional de paisagens impressionantes — e que encontrou na música eletrônica, a trilha sonora ideal para embalar esse cenário étnico e paradisíaco.

Mas afinal, que vibe exatamente é essa que ronda Tulum, a conduzindo ao patamar de destino musical que extraí o que há de mais refinado dos grandes seletores da música eletrônica mundial? Fato é que a cultura está intrinsecamente ligada a toda essa dinâmica de forma bem curiosa. A cidade, tida como lugar sagrado e fortemente espiritualizado, há séculos e séculos já era destino de peregrinações, considerado um lugar ideal para rituais de conexão entre corpo, mente e alma. Em meio a cerimônias e oferendas, historicamente, Tulum carrega o título de local oportuno para um encontro com a espiritualidade e consequentemente, um refúgio perfeito para se distanciar dos problemas.

Assim o cenário de cura moldou a energia da cidade por anos, sempre acompanhada da tradição étnica do país, mas aberta às possibilidades modernas. E agora você deve estar se questionando: mas afinal, de que forma a música eletrônica adentra essa história? É fato que desde os primórdios a música mexicana já havia aderido com força o experimentalismo sintético. Mario Lavista e Francisco Nuñez são compositores referências no assunto, assim como as bandas de rock progressivo Chac Mool, Como México No Hay Dos e Decibel. A partir da aderência aos sintetizadores e o hype que as bandas de rock mexicanas passaram, o caminho estava aberto para a música eletrônica.

Mas claro que alguns acontecimentos em específico conotam um tom de “virada de chave” nessa história. Playa del Carmen já era um destino movimentado entre bares e boates, gerando um consistente movimento para a região. Em 2008, uma “festinha” de pós-ano novo entre os profissionais do entretenimento que buscava reunir bartenders, promoters e músicos criada por Craig Pettigrew e Philip Pulitano, ressignificou a relação da região com festivais, o que deu origem ao estratosférico The BPM Festival — não, não é “BPM” em alusão à “batidas por minuto”, rs. A partir do surgimento do festival, a região passou a se envolver profundamente com as esferas da House Music, Techno e vertentes variantes.

Mas o BPM não foi o único festival que emergiu por ali não. O ano era 2012 e de acordo com o Calendário Maia, o mundo estava prestes a acabar — e não se engane: muita gente levou a previsão a sério. Entre eles, o DJ e produtor Damian Lazarus. Lazarus já era amante do país, diante do nascimento do BPM Festival e do desenvolvimento eletrônico que a região passava, viu que era hora de fazer de Tulum mais que um refúgio de descanso, mas o lugar perfeito para criar a sua… festa de fim do mundo! Assim, o festival Day Zero, considerado um dos eventos mais encantadores que acontecem no país emergiu, comprometido com a cultura e conservação ambiental da região.

A ebulição cultural do país também exportou DJs e produtores exímios para o mundo, entre eles AAAA, AntiGravity, Disco Ruido, White Visitation e o designer de experiências Rebolledo — que exalta e fomenta a cena de seu país através de iniciativas que retratam e reverberam sua cultura, como o Mayan Warrior, festival itinerante que virou inclusive palco no Burning Man. Mas como dissemos acima, a região também goza da fama de extrair o que há de melhor dos mais diversos seletores da música eletrônica mundial, gerando momentos apoteóticos e inesquecíveis. Acid Pauli, Adriatique, DJ Tennis, H.O.S.H., Magdalena, Mind Against, Nicola Cruz e Solomun são apenas alguns dos protagonistas dessas ocasiões.

Atualmente, eventos como Afterlife, Circoloco, Departure (que teve seu debute cancelado), entre incontáveis outros, viram seus olhos para a ambiência de Tulum, incluindo a região na rota dos mais importantes eventos do mundo. A conjuntura faz da Riviera Maya essa potência e destino dos sonhos dos amantes de sons de baixa frequência. Em uma breve busca é possível notar a variedade de eventos que tomam conta da região, configurando um vasto cardápio de atrações para os turistas que escolhem a pitoresca cidade como destino.

São incontáveis as avant-garde da música eletrônica pelo mundo, sendo curiosa a capacidade de gerar identidades contrastantes e singulares — mesmo em pontos que parecem convergir, como Ibiza na Espanha, e até a região de Santa Catarina, aqui no Brasil. Apesar da semelhança na mistura mar, belas paisagens e a preferência por sonoridades permeantes entre a House Music e Techno, a cultura identitária de cada local intervém diretamente em suas respectivas cenas, característica e sem dúvidas nenhuma, público.

Mas nem tudo são flores, não é mesmo? No caso da Riviera Maya, existe uma preocupação pontual com o impacto dos eventos nas mais variadas camadas e esferas. Antes do período pandêmico, a segurança era alvo de questionamento desde o tiroteio que fez vítimas na edição de 2017 do BPM Festival. Outro grande ponto de questionamento é o impacto ambiental na produção descontrolada de lixo, a poluição sonora que afasta a vida selvagem de Tulum gerando a migração de animais — pontos que, diante do rápido desenvolvimento, ainda enfrentam lacunas problemáticas. 

No período pandêmico, o governo mexicano foi negligente ao ignorar medidas restritivas —  o que impactaria a economia da região, que sobrevive majoritariamente do turismo. Em consequência à ausência de políticas públicas de combate ao COVID-19, a população da região foi severamente afetada pelo vírus. O México, até os dias atuais, segue com um aviso de região que deve ser evitada para viagens, já que a taxa de contágio permanece alta.

O contexto em que a cena eletrônica emerge e sucede na região da Riviera Maya constantemente é alvo de questionamentos. É justo reiterar os pressupostos da responsabilidade e redução de danos em todos os aspectos, características fundamentais para continuar a gerar com sensatez os momentos aos quais a região é tão famosa por proporcionar. O que não vale é fechar os olhos diante de uma cultura que é abraçada e abundantemente aderida na região, solidificando a localidade como ponto originador de experiências completamente extraordinárias. Por aqui, seguimos acompanhando o desenvolvimento da fascinante cena da região e o que o futuro trará.

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