Os trabalhos musicais de Kinkid não cabem em definições simplistas. Dentre tantos motivos, a pluralidade que constitui suas entregas, sem dúvidas, fica em destaque. O artista emerge a partir do caldeirão cultural que constitui o Rio de Janeiro, apresentando produções originais, ousadas e inovadoras. E como um bom vinho, o toque da maturidade só faz melhorar o trabalho do produtor que conforme o passar dos anos e experiências, amplia a aptidão em transparecer os sentimentos que o acometem através da música. Aliado também da frequente busca por referências que acompanhem seu momento, o artista se renova constantemente gerando boas surpresas em sua trajetória.
O compilado que marca a chegada do produtor à gravadora dsrptv rec reflete esse dinamismo refrescante de Kinkid precisamente. Ela tá mec, com lançamento oficialmente marcado para 25 de fevereiro, será antecipado por 2 singles nos dias 11 e 18. Na ocasião, o carioca mergulha em referências do Drum’n’Bass e do Jungle com pitadas de Grime e Miami Bass. Mc Morena, Mc Nick e a inconfundível Tati Quebra Barraco são as vozes que norteiam a obra, que também conta com remix de podeserdesligado. Através do Bandcamp da label é possível ouvir a prévia de duas faixas do lançamento.
Com live act que sucinta muito bem a multidisciplinaridade artística de José Hesse sob a alcunha de Kinkid, o artista formula um passeio sonoro livre para transitar sem fronteiras rítmicas. E assim Hesse também direciona o trabalho frente ao selo carioca Domina, que se abre às possibilidades do experimentalismo para contribuir com a cena local. Com projeto motivado pelo desbravar de novas sonoridades e texturas, conversamos com o produtor sobre seu background, referências e os aspectos acerca de seu próximo lançamento. Confira o papo com o produtor!
Alataj: Olá Kinkid, vamos prosear? Contextualiza seu background e como essa efervescência musical que te habita surgiu.
Kinkid: Eu nasci no Rio de Janeiro em meados dos anos 80. O Rio sempre esteve entranhado na minha essência, me lembro de consumir duas vertentes de música quando pequeno: Rock n’ Roll e o Funk carioca. Também me lembro que gravava os programas da rádio Imprensa FM em algumas fitas cassetes para escutar durante a semana seguinte com nomes como Furacão 2000, ZZ Disco, Pipos, Cash box e A coisona. Na adolescência eu comecei a frequentar a cena de Hardcore e os bailes funks da cidade.
No início do meu processo de criação de música eletrônica eu tentei de tudo para evitar as referências cariocas que tinha absorvido, mas foi inevitável. O Miami Bass e o Funk, dois estilos muito presentes no Rio, sempre estiveram me acompanhando durante toda a minha vida e mesmo que às vezes eu tente fugir, vira e mexe minhas produções dialogam com esses lugares.
E entre se estabelecer como DJ e produtor, como foi essa dinâmica e quanto tempo levou?
Eu comecei a discotecar ainda na adolescência junto a um amigo de infância e grande pesquisador do Rio chamado João Fernando, com ele aprendi técnicas e conheci muitas vertentes do mundo da música eletrônica, o que me ajudou nas minhas referências e desenhar o meu gosto. Organizávamos festas em um porão da casa de um amigo em Santa Tereza que era absolutamente incrível — um pouco controverso em alguns aspectos pelo fato de que éramos muito jovens. O Rio é uma cidade que os adolescentes têm acesso fácil a drogas, nesse momento da minha vida isso era constante.
Minha relação com a produção de música começou em 2014, foi um processo lento e árduo, de muita pesquisa/estudo. No início reneguei a presença de um computador, queria fazer tudo com hardwares, máquinas, sintetizadores. O que me fez fazer muita música, mas não gravá-las. Eu só fui realmente me meter a usar um daw em 2016, então diria que comecei a comprar em 2014 e a produzir mesmo em 2016.
O que te cativou e te fez solidificar suas raízes sonoras na música eletrônica?
Desde que me entendo por gente tenho apreço pelos movimentos de contracultura, não me encaixava nos padrões conservadores e os submundos eram ambientes que me fascinavam.
Apesar de não estar tocando muito por aí agora, o que me mantém na música eletrônica acho que é obviamente paixão por música de uma forma geral e a possibilidade de tocar para uma pista grande em um sound system ultra bem balanceado aqui e ali. Essas noites de música alta e doidera é o que me fazem seguir nisso.
Sua identidade sonora é díspar, o que torna inevitável questionar: como foi feita essa construção?
Acho que ainda estou construindo a minha identidade e estou longe de achar um som específico para chamar de meu. Tenho testado de tudo, bebido em várias fontes de referências e no movimento de ter um trabalho plural, ainda estou em fase beta de teste. As experiências ainda estão sendo vividas, então essa pergunta fica sem resposta.
O que você mais escuta do seu público sobre seu som?
Tenho recebido muitos comentários em que as pessoas dizem que meu som tem características gringas, que não sabiam que tinha gente fazendo esse tipo de coisa por aqui… não sei se acho isso um reconhecimento ou apenas uma desinformação das pessoas.
Quais apresentações tem um lugar especial no seu coração?
Não tenho um principal, todos ocupam o mesmo lugar pra mim. Mas posso falar sobre os eventos com os melhores soundsystems que já toquei, aí o jogo muda de figura. Definitivamente o Dekmantel de 2018 e o Red Bull Music Academy Festival ambos em São Paulo foram especiais. Toquei uma apresentação live no Sisyphos em Berlin que foi brabo. E não poderia deixar de falar das festas aqui do Brasil que me entregaram alguns dos soundsystems mais fodas que já toquei como a Mamba Negra, ODD e a festa RARA. Essas 3 festas tem um cuidado singular quando se trata de sistema de som.
Seu projeto musical é flutuante entre inúmeras sonoridades, mas quais você destacaria pela presença constante?
O Miami Bass tem uma forte presença na maioria das minhas produções recentes, mas não tenho um estilo definido, longe disso… às vezes me pego produzindo som sem beat e adoro.
Descreva seu alter-ego artístico em poucas palavras, e quais lançamentos anteriores você destacaria?
Curiosidade, inquietude, brutalidade e delicadeza.
Eu fiz um álbum de Boom Bap que saiu pelo selo Domina no final de dezembro agora que tá uma delicinha. Além desse, tenho um carinho grande pelo EP “No Where Now”, que saiu pela Gop Tun no meio de 2021, as músicas são bem inventivas. Essa da dsrptv teve suporte da Mc Morena & Mc Nick que elogiaram e cederam as vozes pro lançamento, máxima relevância pra mim.
Qual a mensagem que seu projeto artístico quer transmitir às pessoas?
Queria que as pessoas não se limitassem à mesmice. Quero incentivar que busquem o que não conhecem, o novo, o futuro, busquem mais. Não acreditem no hype.
A dsrptv têm feito um trabalho fora da curva para uma label de apenas um ano. Qual curiosidade você pode compartilhar com a gente sobre esse lançamento pela gravadora? Valeu pela conversa!
O EP Ela tá Mec saí com uma tiragem em 7″ polegadas lindona pela dsrptv, e é incrível poder lançar um trabalho com uma tiragem física da sua música. Máximo carinho por esse selo que permitiu que isso virasse uma realidade.
A música conecta.