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A música conecta

Alataj entrevista Aspeckt

Por Lau Ferreira em Entrevistas 04.05.2021

Em abril, você pôde conhecer o DJ e produtor Aspeckt — gaúcho de Pelotas radicado em Florianópolis, residente da Trip to Deep e professor no Synthetic Lab — e seu álbum de estreia, Of Life, que estava prestes a chegar com exclusividade pelo Beatport, via Konsep Records. Agora, o disco, lançamento fundamental na trajetória de seu criador, está disponível nas principais plataformas de streaming. 

Para entender melhor sobre o que está por trás da arte e do artista, trocamos uma ideia com ele, Pablo da Fonseca Barbosa Junior, a mente que rege o projeto. Na entrevista que você lê abaixo, falamos sobre sua trajetória, escolhas estéticas e a bagagem filosófica que permeia seu universo pessoal — e o que vem de suas palavras é incrivelmente coerente com o que escutamos em Of Life: complexidade, conceito e profundidade em uma roupagem minimalista — vale destacar também que, na semana passada, ele produziu um audiovisual especialmente para acompanhar o set gravado para o canal deepbeep:

Alataj: O que formou o Aspeckt? Quais os principais passos da sua carreira até chegar onde chegou?

Aspeckt: Falar de todo o caminho percorrido até aqui é algo que me faz pensar bastante  como nostalgia, pois muitos momentos aconteceram em que aprendi e me fizeram estar no lugar onde que estou. Comecei a construir Aspeckt em um momento de grandes mudanças na vida. Simplesmente estava me preparando para um futuro próximo bem diferente do que estava vivendo há alguns anos em um relacionamento.

Quando me mudei para Florianópolis, tive um grande apoio do Hencke (idealizador da Trip to Deep), que acreditou nas minhas músicas e no novo projeto já no primeiro momento, e então, em 02 de novembro de 2016, estava tocando o warm-up long set de três horas na Trip to Deep Finados, em frente à praia do Morro das Pedras, o mesmo lugar em que toquei a primeira vez ao público na vida; tudo isso significou muito na minha essência. 

Com a Trip, vivemos momentos de intensa dedicação nos eventos, que chegou a três mensais, e aprendi muito, com uma visão ampla sobre todos os processos e pessoas que envolvem uma festa, staff, imprensa, artistas e público. Sempre que me apresento, visualizo antes o que realmente quero transmitir, e sim, é algo que depende das informações que temos anteriormente, como horário do line-up e quem toca antes ou depois, então esse equilíbrio entre o que eu levo pra pista e a energia que está propícia no momento é a magia que vem guiando meus passos. 

Podemos observar que sua identidade passa muito por um som mais minimalista, cadenciado e com muito cuidado aos detalhes. O que te cativa nessa sonoridade?

A paixão pelo Minimal começou com o ciclo de amigos e também vendo de perto alguns artistas como Barac, que despertaram em mim uma vontade de trazer isso nas minhas criações. Essa introdução do minimalismo nas músicas começou no decorrer do álbum, pois achava incrível o ritmo das músicas, a sutileza dos elementos e os drops fora do padrão. Esse processo foi intenso, pois era fora da minha zona de conforto, então foram muitas horas de produção e mixagem para adaptar os gêneros.

Você tem uma pegada muito conceitual por trás da sua identidade: frequências, ciclos, cosmos, energia, partículas e o próprio universo são temas que podemos encontrar na sua biografia ou na sua arte. Você tem alguma filosofia mais ampla de vida, ou alguma parte mais espiritual?

É filosofia de vida mesmo. Gosto de estudar antigas tradições, analisar o que elas dizem, ver se tem algum sentido prático, e é magnífico poder trazer isso nas minhas músicas.

Sobre espiritualidade, acredito ser tudo espiritual, cada pessoa tem o seu próprio deus particular, que se apresenta de maneira única, um caminho singular de vida.

Sobre religiosidade, acho algumas bonitas e positivas, incentivam as pessoas a se auto conhecerem melhor, e outras não me agradam. Entretanto, sou mais desta frase que Platão atribuía a Sócrates:

“Aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber”. Sem verdades absolutas.

Vivemos em um mundo cada vez mais repleto de estímulos, tudo é cada vez mais rápido e descartável, e nesse sentido, o álbum musical perdeu muito espaço — sobretudo no cenário da música eletrônica, em que muita gente só quer mesmo descobrir aquela nova track matadora pras pistas de dança. Por que ainda apostar nesse formato?

Vejo a construção artística não somente como um produto e sim uma evolução abstrata de um talento que se transforma em dom através da prática e aprendizado constante. Apostei nesse formato para expressar algumas reflexões da vida, de momentos, os mistérios deixados no ar por antigos ensinamentos, e mostrar ao público como algo trabalhado dia a dia pode se transmutar em uma experiência rica através do que você tem agora — no meu caso, criando vibrações no estúdio.

Se por um lado tudo está um tanto superficial, por outro temos uma oportunidade única, com as ferramentas que a tecnologia, as redes, as plataformas de streaming e pessoas capacitadas como vocês nos proporcionam no nosso cenário.

Você vê Of Life como algum divisor de águas ou momento-chave na sua carreira? O que você espera que esse álbum te traga de resultados?

Vejo o primeiro álbum como uma realização pessoal, na qual executei um trabalho de lançamento profissionalmente, atento a diversos processos fora do “produtor musical”, então acredito nele como um elevar de patamares, assim como quando alguém se forma, depois faz um mestrado e etc.

Sobre os resultados, estou muito grato com tudo que vem acontecendo. Tem  pessoas ouvindo, algumas me trazem suas experiências, outras ouviram todas as músicas, trouxeram um feedback construído, isso é lindo. Desde o lançamento no dia 13 de abril, entraram em contato algumas gravadoras e já fechei um release de Melodic Techno em uma gravadora de Frankfurt, de um artista que faz parte do meu case e eu admiro muito. Espero que mais gravadoras entrem em contato para lançar as músicas que tenho guardado e as novas.

Como você chegou à Konsep Records e por que a escolha pela gravadora para ser a casa do seu álbum de estreia?

A história com a gravadora é grandiosa para a minha carreira, pois começamos lá atrás, no meu antigo projeto Pab.low, em que lancei o meu primeiro EP como produtor musical, Synthetic Space. Ali eu estava somente na fé, buscando constantemente novos aprendizados, e eles me abriram espaço para apresentar meu som para mais pessoas. Sendo assim, pensei em lançar com eles, ainda mais por serem uma gravadora  nacional, e mandei os sons depois de tanto tempo, encaixando-se exatamente no que a gravadora procurava. 

Essa é pra galera que curte saber mais sobre a parte tecnológica: quais os equipamentos e softwares que você utiliza pra produzir hoje? Como é sua rotina de estúdio? E qual o seu papel à frente do Synthetic Lab Studio?

Acredito que não são as ferramentas que fazem a boa música, e sim a forma como se utiliza elas que define o quão boa pode ser a sua obra. Eu utilizo o Ableton Live e alguns plug-ins externos, como o pacote da Arturia de synths, Predator 2, Diva e Dune 2 para produção dos timbres e os pacotes Fab Filter, Slate Digital e Waves para as mixagens e masterizações. Sobre equipamentos de estúdio, tenho um computador bom, oito núcleos de  processamento, 16gb de memória RAM, utilizo os monitores de áudio R1100 da Edifier, placa de áudio Focusrite 2i4 e o fone Senheiser Hd 25-1 II (que eu amo de paixão). 

A Synthetic Lab foi fundada oficialmente no início do ano, porém já venho atuando como professor e engenheiro de áudio há muito mais tempo para as  pessoas que me procuram pelas minhas obras já lançadas, construindo as bases sólidas para apresentar isso para mais artistas. Esse projeto é uma escola e estúdio onde eu educo os alunos através de uma  metodologia pró-criatividade, ensinando-os a construir suas músicas, manuseando  todos os elementos, sound design, com foco em leitura de espectro sonoro e evolução das percepções auditivas. Já no estúdio, atuo frequentemente com a  masterização de músicas, sendo que algumas delas foram tocadas por nomes  de influência como Hernán Cattáneo e Nick Warren.

Muitos artistas de música eletrônica estão aproveitando todos os obstáculos impostos pela pandemia do novo coronavírus para focarem em estúdio. Alguns, inclusive, fazendo retiros em lugares isolados e afastados, apenas para produzir. Como tem sido com você? Foi assim que nasceu Of Life?

Sim. Isso é excelente, pois o propósito maior dos verdadeiros artistas é evoluir e  aprender com a sua música, para então trazer a maior qualidade para novas pessoas adentrarem conosco nesse mundo.  

Of Life nasceu ao perceber que as minhas músicas continham histórias profundas, e que através de um álbum eu poderia conduzir as pessoas para algo mais elaborado. Então trabalhava com vendas durante o dia e construía as músicas à noite e quando tinha algum tempo extra.

O que você espera realizar daqui pra frente, ao menos até os eventos voltarem, o que sabe-se lá quando vai ser?

Vou continuar aprimorando meus sons, estruturando a Synthetic Lab, transmitindo o que tenho aprendido para a galera com interesse e visando novos projetos para o futuro. Estou com um EP fechado com uma label alemã, de artista que admiro muito há alguns anos, e entreguei o remix para um EP excelente com Hencke, Patrick  Medina e Marchesan. 

Pra fechar, a clássica da casa: o que a música representa em sua vida?

A música representa a linguagem universal, a Torre de Babel que se entende.

A música conecta.

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