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A música conecta

Alataj entrevista Axel Boman

Por Laura Marcon em Entrevistas 28.08.2020

Quando a oportunidade de entrevistar Axel Boman chegou até mim rolou um mix muito louco entre euforia, ansiedade e nervosismo, afinal, não é sempre que se tem a oportunidade de fazer perguntas para alguém de quem se é fã. Bem por isso essa matéria começa em primeira pessoa porque não conseguiria escrever algo que não demonstrasse a felicidade de estar realizando o conteúdo. As questões todas que pairaram sobre minha mente foram desde a seleção de perguntas em meio a dezenas que pipocaram no ato – isso que ele já foi entrevistado por aqui, em 2016 -, se o artista gostaria delas, se as responderia com carinho e por aí vai.

+++ O Axel Boman nos passou uma tranquilidade admirável

O motivo pelo qual meus olhos brilham ao falar sobre o sueco é a plurivalência do seu trabalho. Ouvir um set de Axel Boman é mergulhar em uma viagem de estilos de forma surpreendente. Eu costumo dizer que é uma mistureba (com todo o respeito) dinâmica e ao mesmo tempo harmônica, que tira seus ouvidos do conforto, mas de forma brilhante. Isso também se percebe em suas criações, que vão de sonoridades voltadas ao Deep House até viagens mais sombrias e experimentais, como as que escutamos em seu projeto Talaboman, em parceria com John Talabot.

Boman também é uma das cabeças pensantes por trás do label Studio Barnhus, que tem realizado um trabalho consistente no impulsionamento de talentosos artistas e nomes já consagrados da música, além de lançar seus próprios trabalhos, é claro. Além do Barnhus, Boman tem um currículo de lançamentos de peso em labels conceituados como Pampa Records, Crosstown Rebels, Permanent Vacation, DGTL, Kompakt e Live At Robert Johnson. Aliás, ele é um dos participantes de um VA muito especial que será lançado por esse último em homenagem ao grande Andrew Weatherall junto com outros gigantes como Roman Flugel, Red Axes, Maximiliano Pagliara, Portable, Black Spuma, o brasileiro Davis, entre outros.

Pois bem. Perguntas elaboradas, ansiedade para as respostas e quando elas chegaram o sorriso veio largo. Axel Boman é tão receptivo e despojado quanto genial na música. Prepare-se para uma conversa leve, divertida e que engrandeceu ainda mais minha admiração por ele. Espero que vocês gostem! Boa leitura e have fun.

Alataj: Olá Axel, tudo bem? Obrigada por nos receber! Você já nos concedeu uma entrevista em 2016 e de lá pra cá muita coisa aconteceu em sua carreira. Como você avalia esses quatro anos que se passaram? Algum marco neste período que é muito importante?

Axel Boman: Olá! Uau quatro anos desde a última vez hein… para ser honesto eu tenho dificuldade em pensar o que aconteceu desde a pandemia. Tudo se confunde em uma bagunça livre de preocupações, cheia de coisas que eu costumava considerar certas, como viajar, ver amigos e família, comer comida exótica e dançar com pessoas do mundo todo. Mas sinto-me muito orgulhoso de onde levamos meu selo Studio Barnhus durante os últimos quatro anos. Estamos cada vez mais confiantes no que fazemos e no que oferecemos em combinação com sermos um pouco mais profissionais.

Você iniciou sua trajetória com a música eletrônica no início dos anos 90 e era definitivamente uma época diferente da que vivemos hoje, principalmente com o avanço da tecnologia e Internet, mudando completamente a maneira de se produzir e também de interagir com o público. Como você enxerga todas essas mudanças? Algo do passado que você sente falta?

Pode ser um pouco triste lembrar uma época em que as pessoas optavam por ser produtores ou DJs (ou ambos). Hoje em dia é difícil ganhar a vida se você também não toca e essa habilidade não é para todos. É uma tarefa completamente diferente de estar no estúdio. Mas acho que aceitei a mudança muito bem e estou me divertindo com a produção de conteúdo bobo enquanto ainda faço coisas sérias no estúdio. Tento não ser nostálgico, é um veneno. Tento apoiar as coisas que gosto do passado, como comprar discos em lojas reais e levar ecstasy artesanal feito por avós em uma região interiorana (estou brincando, é claro).

Além de Axel Boman, você atende por diferentes pseudônimos como Revolooser, Salax Peep Show, Erman & Boman, além do seu projeto com John Talabot, Talaboman. Cada um deles representa uma faceta musical sua ou podemos esperar tudo de qualquer um dos projetos? Quando você chega no estúdio já sabe qual de suas assinaturas a faixa vai receber?

Pseudônimos e colaborações, todos parecem representar um certo tempo para mim! Eu me lembro de gostar muito de fazer música com Pedrodollar alguns anos atrás, então esses apelidos passaram a representar aquela época. E o mesmo com Talabot. Nós só fazemos música quando estamos na mesma cidade, então é fácil separá-la de outras coisas do Axel Boman. Eu também adoro aleatoriedade e mistério! Eu não sou de conceitualismo de forma alguma. Mas talvez isso seja conceitual?!?! Ser não conceitual! Ahh, minha mente explodiu….

Nos próximos dias será lançado um VA pela gravadora Live At Robert Johnson em homenagem ao grande Andrew Weatherall, figura importante no cenário da música eletrônica em nível global e que merece toda a reverência pelo trabalho desenvolvido. De alguma forma o artista influenciou na maneira com que você enxerga música eletrônica? Existe alguma relação entre seu sentimento por ele e a faixa criada para esse VA?

Andrew é um dos meus maiores heróis e influências. Seu projeto de Two Lone Swordsman foi uma das coisas que me fez olhar para a música eletrônica em primeiro lugar. E sua atitude inconformada com “a cena” era sempre revigorante. Seu senso de humor! E seu estilo de roupa… Tantas coisas sobre ele eram simplesmente LEGAIS. Fiquei muito triste ao saber que ele faleceu. Sempre achei que nossos caminhos acabariam por se cruzar e eu poderia dizer a ele o quanto ele significava para mim, mas de repente essa chance se foi.

Minha música para a compilação não foi mais inspirada por ele do que qualquer outra que eu já fiz. Ele está presente em tudo que eu faço. Talvez não seja muito óbvio, mas não estaria onde estou sem ele.

O LARJ é uma gravadora de altíssimo nível desde a sua fundação e é extensão de um dos clubs mais conceituados do cenário da música eletrônica a nosso ver. Como é a sua relação com o label, entre gravadora e club? Como aconteceu o convite para participar do VA?

Eu toco no Robert Johnson há muitos anos e sempre me diverti muito no club! É um daqueles lugares especiais onde você não sabe realmente o que vai funcionar ou não musicalmente, só que as pessoas têm a mente aberta e são um pouco doidas, o que é sempre uma coisa boa em um ambiente de club. Quando eles entraram em contato comigo, enviei-lhes uma música imediatamente e desta vez foi foi uma combinação certinha.

Dentre os artistas que participam desse projeto está o brasileiro Davis, com quem você possui uma relação estreita, inclusive presenteando o público brasileiro com ótimos B2Bs. A aproximação se deu primeiro a partir da afinidade sonora ou por outros fatores? Algum momento especial que você cultiva com carinho nessa amizade?

Ficamos amigos no Love International Festival, na Croácia, há uns cinco ou seis anos! Nos divertimos muito e Davis ficou amigo de muitos dos meus amigos suecos. Estávamos rindo juntos desde o primeiro dia e continuamos rindo juntos em todo o mundo! Tem sido incrível vê-lo se tornar um elemento básico da cena dance, tocando sets irados, crescendo como artista também e ajudando a promover talentos locais como o gênio Zopelar! Que também é um cara de São Paulo realmente ótimo.

Infelizmente não dá pra deixar de comentar o momento em que estamos passando. O coronavírus obrigou uma pausa no mundo do entretenimento causando uma crise jamais vivida na nossa história. Neste período, vemos artistas passando o máximo de tempo no estúdio e outros aproveitando para descansar. Contudo, é inegável que esta fase trouxe muitas reflexões a todos nós. Como você tem passado por este período? Você acredita em uma grande mudança no mercado quando retornarmos às atividades?

A cena levará anos antes de chegar perto de onde estava. A psique coletiva do público mudou. A paranóia está aumentando e nós estamos lutando uns contra os outros por coisas insanas como máscaras ou não, enquanto os políticos estão guardando seu dinheiro e posições quando deveriam repensar a sociedade, a saúde e a solidariedade. Felizmente eu estava na Suécia, onde não entramos em pânico tanto quanto outros países, mas talvez pagando um preço alto por nossa população idosa. Muito cedo para dizer ainda.

Tenho gostado muito do tempo de estúdio, mas também me preocupo com meu futuro. Talvez eu seja um chef de novo em breve!?!?

A música eletrônica vive o maior momento de sua história, atravessando fronteiras de estilos e atingindo todos os cantos do globo, o que é ótimo! Mas, assim como em todos os mercados, vê-se muitas coisas boas e ruins dentro do nosso cenário. Se você tivesse a possibilidade de banir algo quando voltamos 100% às atividades, o que seria? E se pudesse adicionar?

Beat mixing. Não, estou brincando [risos]! Mas talvez esta pausa na cena musical global ajude o talento local a prosperar! Eventos menores, música local, promotores locais e gravadoras locais deveriam ser mais importantes. Também a cabine do DJ deve ser para DJs, seus discos e talvez algum homie próximo, não para 100 pessoas mostrarem como são importantes enquanto bebem champanhe. Também parem de beber a bebida de DJs! Não toque na minha cachaça [risos].

Um artista do seu alcance vive uma rotina agitada entre tours, gigs, tempo no estúdio e também como um dos label bosses do Barnhus, além de outros compromissos. Manter esta agenda não deve ser uma tarefa simples e exige saúde física e mental para tanto. Neste sentido, temos visto com muita frequência artistas adoecerem por conta das exigências do mercado e, por que não, instabilidade emocional para tanto. Como você mantém seu equilíbrio mental e saúde para executar todas as suas tarefas?

Eu faço jiu jitsu brasileiro!!! Corpo forte é igual a mente forte! É o melhor treino que você pode fazer, embora esteja constantemente moído [risos]. Você tem que usar seu cérebro e seu corpo para vencer, você não pode trapacear. É uma boa lição de vida para todos. Eu recomendo a todos que experimentem o JJ, mesmo que seja assustador pra caralho. Toda vez que saio da academia sinto uma calma que nunca senti antes. Meu corpo pode estar doendo, mas a mente está clara como um céu de primavera.

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

É o escape. Uma porta para a mente. O mais rápido modificador, intensificador e gatilho de mente. E você pode compartilhar essa experiência com outras pessoas na pista de dança, é uma coisa linda.

A música conecta.

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