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A música conecta

Alataj entrevista Claudia Assef

Por Isabela Junqueira em Entrevistas 22.09.2022

Peço licença para começar a introdução dessa entrevista falando em primeira pessoa. No momento em que vim trabalhar no Alataj, eu sabia que estava assumindo uma responsabilidade gigante. O que eu não sabia, é que com grandes responsabilidades vêm também grandes realizações — e hoje eu estou aqui diante de uma: entrevistar Claudia Assef, uma figura unânime para o avanço da música eletrônica brasileira. Um bom exemplo é que, se o jornalismo especializado na música eletrônica nacional fosse uma religião, Assef seria tipo o Papa. 

Sim, quando ela começou a atuar, desbravar e documentar o que hoje chamamos de cena, isso aqui era “tudo mato” [risos]. Certamente não saberíamos boa parte da história dos primórdios da dance music tupiniquim se não fosse pela mente dessa grande jornalista (autora dos livros Todo DJ Já Sambou, Ondas tropicais: Biografia da primeira DJ do Brasil: Sonia Abreu e O Barulho da Lua: A história do DJ Anderson Noise), colunista, DJ e co-fundadora da plataforma e principal premiação de música e negócios para artistas femininas, Women’s Music Event. E eu garanto… o currículo e lista de feitos (e principalmente contribuições) de Claudia jamais caberia aqui, por mais que eu enxugasse os caracteres.

Semana passada, Claudia foi homenageada durante a sétima edição do DMC Awards Brazil, uma plataforma e premiação cujo objetivo é a fomentação e reconhecimento da figura do DJ na música. Segundo Rooneyoyo O Guardião (um dos co-criadores da marca brasileira), “Claudia Assef já estava nos nossos planos pelo carisma e importância na cena da música como escritora e gestora, creio que ela possa impulsionar a carreira de muitas mulheres”, afirmou. Após subir ao palco da premiação, Claudia tirou um tempo para responder algumas de nossas (muitas) perguntas e compartilhar conosco um fragmento de sua extensa trajetória.

Se você não conhece Claudia Assef, deveria, então chegou a hora de entender um pouco de sua importância para a música e cultura nacional; e se você já conhece, bom, é a oportunidade para conhecer um pouco mais. De qualquer forma, espero de coração que vocês apreciem essa entrevista e celebrem o valor de Claudia tanto quanto eu!

Alataj: Que prazer receber você aqui de novo! Já fazem 5 anos desde a sua última entrevista conosco, Clau… acredito que seja um momento totalmente diferente pra você, afinal vocês (você e Monique Dardenne) estavam com o WME completando um ano, ainda em caráter de plataforma. Eu adoro as entrevistas com pessoas que normalmente são quem executam elas, então é inevitável não te perguntar. Quem veio antes: a clubber ou a jornalista? 

Claudia Assef: Acho que o que veio antes foi talvez a jornalista porque eu sempre, desde muito pequena, gostei de compartilhar os discos que eu ia comprando, as informações que eu ia conseguindo. Eu comecei a colecionar discos aos nove anos, né? Meu primeiro disco foi a trilha sonora do Flash Dance, então eu sempre compartilhei esses discos que eu conseguia comprar com os meus amigos da escola, até com professores e professoras. Eu tinha até um caderninho pra manter a ordem, pra eu lembrar pra quem eu tinha emprestado. 

As pessoas pegavam os discos de vinil nessa época pra poder gravar, né? Então nesse sentido, acho que o que veio antes foi a jornalista, até porque a primeira vez que eu fui num num club mesmo foi aos treze anos. Eu fui no Rose Bombom, e ali eu já entendi que eu ia gostar muito da coisa. Mas então o que veio antes foi esse meu espírito de compartilhar conhecimento, compartilhar o acesso que eu tinha às músicas.

+++ Relembre a entrevista de Claudia Assef e Monique Dardenne

Eu particularmente sempre achei muito curiosa a sua capacidade de transitar entre os mais diversos meios. Você é bem quista pela galera da música eletrônica alternativa, do mainstream, do Hip Hop e a lista segue… conta um pouco sobre a sua trajetória e o que você acredita que foi fundamental pra te consolidar como essa profissional que transita entre tantos meios de uma forma tão respeitável, e claro, orgânica.

É legal demais ler isso. Eu acho que é porque eu sou uma pessoa que, talvez a minha principal qualidade aqui, sem falsa modéstia, seja juntar pessoas porque eu acho que de nada adianta se eu tiver numa boa, se as coisas estiverem indo bem pra mim, se no meio, no entre as outras formas de trabalho que eu tenho, entre os meus outros trabalhos, meus colegas, não estiverem bem. Então eu estou sempre pensando, não é que eu seja “aí, a mais boazinha do mundo”, mas eu penso que é pra gente ter saúde como um todo, todo mundo precisa estar bem, né?

Então eu acho que eu trato bem todo mundo, eu vou sempre tentar uma saída amigável, eu não sou da briga. Certamente você raramente vai ouvir falar que eu entrei numa treta ou então que eu sou brigada com alguém e tal. E eu acho que é isso, que minha principal feature seria essa característica diplomática.

Eu lembro perfeitamente a primeira vez que li sobre Claudia Assef, ainda bem distante de uma realidade de atuar como jornalista especialista em música eletrônica alternativa. Era 2017, eu estava no primeiro semestre da faculdade e essa ideia nunca tinha passado pela minha cabeça. Mas quando entendi seu trabalho, o primeiro pensamento que me ocorreu foi: “uow, na verdade é muito mais que possível”. Como foi o processo de união entre o jornalismo e a dance music, principalmente enquanto pioneira? Eu, pelo menos, senti que ter uma referência com certeza me deu a coragem necessária, mas e quando não se tem uma? [risos]

Então, referência já existia na cena, a Erika Palomino era uma e é jornalista, colunista que escreveu muito sobre noite e consequentemente música eletrônica, né? Ela não não se aprofundava tanto assim no tema música porque ela falava de assuntos diversos sobre a noite, então moda, comportamento, gírias, mas ela foi uma uma figura muito importante — acho que pra todo mundo que acompanhava essa cena.

Quando eu entrei na Folha [de S. Paulo] com 21 anos, por aí, eu comecei escrevendo no Folhateen e eu trouxe essa minha vontade de alinhar as coisas, né? Eu tinha acabado de sair da faculdade, então eu estava vibrando, aí com a coisa de ir a campo, de buscar informações e realmente apurar. Então, essa vontade que eu tinha de ser repórter aliada com a minha paixão pela música foi uma conexão muito legal, e aí eu comecei a fazer reportagens pra Folhateen e antes mesmo de ser contratada, eu comecei a escrever como freela pra Folha Ilustrada [caderno de cultura do jornal].

Então minha primeira capa na Ilustrada foi sobre a cena do Cybermanos. Eu fui pesquisar, sair de rolê, fui nas festas, conversei com vários, fui na Galeria Ouro Fino, enfim. Era isso que eu gostava de fazer: reportagem. Mas o meu assunto, o meu tema de preferência sempre foi a música e se eu pudesse escolher, mais ainda a música eletrônica. Mas a referência já existia sim, era a Erika Palomino e o livro Babado Forte. Acho que pra todo mundo até hoje é um material bem, bem bacana de se pesquisar.

Você foi e é uma pessoa fundamental para a documentação do que hoje nós chamamos de cena e 20 anos depois, como você entende o presente e futuro da música eletrônica nacional, Claudia?

Eu acho que a gente está vivendo um momento de chamar muita atenção, né? Tem muitos artistas novos bombando, artistas grandes com cachês milionários, milhões de seguidores, então existe essa potência da música eletrônica ter se tornado quase que uma micareta, né? Uma música sertaneja que atrai muitos ouvintes aí nas plataformas, por exemplo, mas realmente sempre vai existir o que fomenta tudo isso que é o underground e essa retroalimentação sempre vai existir.

Acho que a gente está vivendo um momento de muita exposição e talvez de uma música eletrônica que não seja a mais original do planeta, mas eu acho que com toda essa exposição, tende a trazer benefícios, a conseguir ganhar algo com isso — claro que sem esquecer do fundamento, do que é realmente importante e relevante que é a qualidade, a pesquisa, o quanto aquele produtor ou produtora, DJ, enfim, se dedica a música e não ao que é, no meu entender, o mais supérfluo ou secundário que é a imagem né?

Acho que a imagem é importante, por exemplo: hoje em dia todo DJ tem um logo, mas quando o DJ começou a aparecer não se pensava em ter um logo, isso é uma coisa muito nova. Atualmente, acho que o logo vem antes da pesquisa musical, da figura e isso é meio absurdo no meu entender; a gente precisa equilibrar esses conceitos, do que é apenas feito pra sair no Instagram, no TikTok, do que é realmente feito, porque é a essência da pessoa que está sendo impressa ali, né? Se existir um equilíbrio está tudo certo.

Ser uma figura que se importa com o seu visual, que se importa com suas redes sociais, que se importa com o seu logo, com o seu release, etc. Eu acho isso positivo, mas tem que ter um equilíbrio. Se a pessoa que trabalha a imagem (o externo), trabalha marketing, mas não tem essência musical, pra mim, ela não dura. Pra mim vai ser um um fogo de palha e a gente cansou de ver isso não só na música eletrônica, como na música em geral, né? Que é feito muito pra inglês ver, assim, né, nas aparências e não tem conteúdo, não dura. Eu acho que isso, pra além da música, acontece em outros campos da arte também.

E aí é impossível não voltar no assunto WME, né? Sexto ano de atividades, um projeto que começou em uma comunidade do Facebook e hoje é o maior prêmio dedicado à atuação feminina na música… UOW! Como você interpreta o Women’s Music Event na sua trajetória?

Bom, o WME pra mim é aquela busca por um propósito e que antes dele vir era uma batalha solo, né? Enquanto jornalista eu sempre trouxe as mulheres pro front, é, e sempre foi uma coisa orgânica. O fato de eu ser mulher e não me enxergar tanto na cena musical me fez dar muita importância pro trabalho das mulheres na música, mas quando eu juntei amor (que é uma potência), a Monique Dardenne (minha sócia) e a gente criou o WME, nós entendemos que nós não estávamos mais sozinhas, eu e ela só, né?

O WME virou um movimento, virou uma potência que a gente faz acontecer, eu e ela, junto com equipes maravilhosas, mas é um movimento, uma coisa que acabou causando uma contaminação positiva no meio musical. Então a gente fala que o WME acaba aumentando a barra pra que os eventos olhem pra sua equidade dentro da equipe, dentro dos lineups. A gente provoca muito o mercado e eu acho que isso é uma potência que vai além da minha força e da força da Monique — essa força é por conta das mulheres da música terem se apropriado do WME como uma ferramenta eh de provocação social. Isso é  muito importante pra mim e é um divisor de águas, né? O momento que eu comecei esse projeto com amor, foi um momento realmente de profissionalizar isso que eu já fazia de forma orgânica e independente e até não muito pensada, então isso aconteceu de uma forma profissional muito mais abrangente, muito mais forte e muito mais consistente. 

Semana passada você foi homenageada durante o DMC Awards Brazil. Para quem não sabe, o DMC (disciplina, música e caráter) surgiu em 1985 na Inglaterra com o DJ Tony Prince, que viu a importância dos DJs e de expandir o mercado e reconhecimento. Rooneyoyo, um dos co-criadores da plataforma brasileira, te descreveu como uma grande incentivadora da cena como um todo. Como foi a homenagem e como você entende a importância desses eventos e premiações?

Bom, foi sensacional, eu levei minha mãe, minhas filhas, minha namorada, amigos… foi aquele momento de mostrar pra elas um pouco do que eu faço e que foi um evento muito bem planejado e bem feito, então mostrar também a grandiosidade e a importância desse desse mercado, né? De como ele realmente é transformador, é profissional, como não é brincadeira, não é palhaçada isso que a gente faz. Então foi muito, muito, muito importante, eu me senti muito honrada e senti também que da mesma forma que acabei de falar sobre o WME, olhando mais pras mulheres, né?

Até no momento do meu discurso de agradecimento eu falei que é muito bom ver as mulheres roubando a cena do meio DJ e aí o apresentador, Roneeyoyo, falou: “não roubando, não! Incrementando”, eu falei: “não, não roubando mesmo”. É isso, elas roubaram porque nunca foi dado esse espaço, foi um espaço conquistado. Então é muito legal ver o DMC também valorizando o trabalho das mulheres. Me senti muito, muito valorizada e prestigiada.

E eventos como esse só engrandecem e só aumentam a seriedade de um universo que ainda é olhado como algo que é passageiro, de brincadeira, é bagunça, né? Apesar da popularidade ter aumentado muito, ainda tem gente que não leva a sério o mercado do DJ.

Uma vez que você deu seu primeiro passo profissional na música eletrônica, você já sabia que seu caminho era esse ou rolaram inseguranças por ele? 

Eu acho que a minha verdade é a música eletrônica. Eu tenho livros publicados nesse sentido e talvez o meu livro seja um marco e minha trajetória é muito em torno da música e do jornalismo, né? Eu gosto de pensar dessa forma. Então eu sou uma jornalista que virou DJ e que é apaixonada por música, e hoje, tem esse propósito de trazer os holofotes pras mulheres e pras minorias também, né? Então trazer a questão dos povos originários, do povo preto, LGBTQIAP+ do qual eu faço parte e é isso!

Eu te perguntei muitas coisas sobre a Claudia Assef profissional… mas quem é a Claudia Assef filha de Cidinha e Edu e mãe das lindezas Luna e Maia?

Ah, eu sou uma mulher canceriana, muito emotiva. Eu gosto de trabalhar muito, mas eu também gosto muito de conseguir realizar. Eu sou muito realizadora, amiga. Eu sinto que tudo que eu faço tem muita paixão, tem muita intuição. E eu tenho técnica, eu me formei, então eu gosto de ler, eu gosto de me melhorar sempre, né? Minha técnica de escrita, seja quando eu tô tocando, ou de estudar novas tecnologias e tudo.

Mas o que eu gosto mesmo é de estar junto com as pessoas que eu amo, apesar de ser clubber e gostar de festa de rua, de bagunça, sou super caseira também. Essa é a pessoa que quem conhece mais de perto, sabe que eu sou muito: “amiga, vamos?”, “vamos, me dá um segundo”. E gosto também de ser muito leal… acho que é isso!

Por fim, nossa pergunta que é quase um rito de passagem, mas que tem uma significância imensa dirigi-la a você: o que a música representa na sua vida? Obrigada pelo papo e pela disponibilidade, Claudia!

Olha, eu acho que a música pra mim é o fio condutor de tudo que eu faço. Ela me conecta com as minhas filhas, ela me conecta com o meu trabalho, ela, na verdade, é o meu trabalho, né? Em todas as intersecções possíveis dele, seja na internet, seja em eventos, seja no WME, seja enfim… no meu site [Music Non Stop]. É tudo pra mim!

Então eu trato a música com muito respeito, acima de tudo. É ela que me dá meu ganha pão, minha diversão, meu momento de introspecção, meu momento de inspiração. Então, que mais dizer? Eu só tenho a agradecer. E agradecer a vocês também, pelo carinho e gentileza. 

A música conecta.

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