Natural de Angola com residência em Portugal, DJ Gálio começou a sua carreira em 2002 como produtor de Rap. O artista se engajou também no estilo kuduro, vertente típica de seu país de origem e em 2010 engrenou no estilo Afro House tendo lançado vários singles e se tornando presente na cena das províncias de Angola. Isso não resume nem de longe a vida do artista que traz em sua marca ancestralidade, ritmo e poesia, um repertório vasto para aqueles que desejam mergulhar de cabeça nas línguas de matrizes africanas como Criolo, falada em Cabo Verde e Guiné Bissau, e Kikongo, Kinbumdo e Suali para mencionar algumas.
Esse ano o artista lança pela gravadora Seres Produções seu primeiro álbum intitulado QUIBUALA, termo derivado do Kicongo que significa povoação, quimbo do mato ou do interior. DJ Gálio nasceu em Cabinda e se mudou para Luanda, capital de Angola, para vislumbrar um futuro na sua carreira musical tendo maior visibilidade no meio, algo difícil de ser conquistado quando se vem do interior. Na vivência do artista, “QUIBUALA” se trata dessa trajetória de luta, perdas e conquistas retratadas na riqueza de elementos que compõem o disco.
Conversamos com o DJ e produtor para saber mais sobre QUIBUALA, suas vivências em Portugal e suas experiências advindas da Angola. Acompanhe.
Alataj: Primeiramente, é um prazer recebê-lo no Alataj e muito obrigada por conceder essa entrevista. Você nasceu em Cabinda, como foram suas primeiras experiências musicais na cidade?
Gálio: As minhas experiências musicais na minha cidade foram muito boas, isso porque tive apoio de alguns amigos do bairro LOMBO LOMBO, onde morei por 13 anos. Quando lá cheguei, já estava mergulhado no meio de rappers, ficou mais fácil pra mim porque sempre que quisesse fazer um instrumental tinha sempre 2, 3 amigos dando ideias. Isso me ajudou a evoluir bastante como produtor musical. Hoje eu só tenho lembranças boas dessas experiências que nunca serão apagadas.
Você também produziu Rap e Kuduro, como você visualiza a evolução desses ritmos atualmente?
Começando com o rap eu diria que mudou totalmente porque no passado era ritmo, arte e pura poesia. Os beats eram muito fortes, aquilo que a gente chama de “bun bap” que se adicionava extratos de músicas clássicas como: jazz, blues, e mais.. Hoje tudo ficou mais soft, desde os beats até as letras.
Falando do Kuduro, também sofreu algumas mudanças nos beats, porque eram mais Drums, isso nos anos 2002 até 2010. As letras não mudaram tanto porque continua com o mesmo padrão de rimas e animação.
O que te fez querer começar a produzir Afro House?
O meu interesse no House surge no ano 2010 no momento que comecei a ouvir as músicas dos artistas como Boddhi Satva, Oskido, Black Coffee, Black Motion, Heavy K, Liquideep… Prestava atenção nas batidas, sequências dos dos instrumentos e no timbre do som em geral. Não foi muito difícil porque eu venho do Kuduro, e também sofri várias influências dos estilos tradicionais do país como Semba, Kilapanga, Tchianda, Mayeya, Matafala, Bungula e tantos outros. Então só precisava reduzir os BPM e enquadrar as melodias, aumentar alguns instrumentos como shaker, djembe, piano, pads, baixo, congas, cora etc. Embora antes já tivessem kuduros com esses elementos todos, nos anos 1996 até 2001, se a memória não me falha.
A sua vivência se tornou sua melhor ferramenta de pesquisa e é perceptível a forma que você a incorpora nas suas músicas, atualmente temos artistas de diferentes etnias produzindo Afro House como você se conecta a essa variedade?
Eu me conecto de uma forma positiva, fico muito feliz por ter várias etnias, vários países e continentes produzindo Afro House, porque quando um trabalho é feito com amor, dará frutos e terá sempre continuidade. É de salientar que o Afro House ganhou grandes espaços hoje por ter um ritmo único e propriamente africano.
Como foi sua adaptação com a mudança para Portugal e como isso influenciou nas suas produções desde então?
Eu diria que a minha adaptação em Portugal não foi tão difícil, se bem que a emigração não é fácil, deixar tudo para trás, em busca dum sonho ou duma vida melhor, pois quem está de um lado vende sonhos a quem está do outro lado. Como disse, não foi tão difícil porque tinha um plano traçado, e sabia que não teria tudo entregue de bandeja. Não me abalei, continuei tranquilamente fazendo as minhas produções porque já sabia que a minha música era consumida em Portugal, e que inspirava muitos produtores da nova escola. Então isso influenciou muito, até porque, quando cheguei já estava no meio de alguns DJs Angolanos residentes em Portugal há muito tempo.
Nos conte como se deu o processo criativo do seu debut álbum, QUIBUALA
O processo criativo do álbum QUIBUALA foi intenso, porque depois de ter lançado um single de impacto na Seres, me senti na obrigação fazer um álbum, até porque já venho produzindo há anos, então estava na hora de vir o primeiro. Daí começou o trabalho intenso com a criação. Tive apoio DJ Satélite nos arranjos e ideias em algumas músicas porque o trabalho era pesado, mesmo assim cheguei a fazer 26 músicas, e foram selecionadas apenas 18 para o álbum.
O que podemos aguardar dos seus projetos futuros?
Nos próximos projetos podem esperar um bom trabalho, desde a base até ao topo, com ritmos habituais e alguns elementos novos que serão implementados mas, sem fugir da essência que me caracteriza que é o “Ancestral Soul”.
O que você diria para os novos produtores de Angola que se inspiram no seu trabalho?
Primeiro eu tenho que desejá-los saúde, paz e amor, e dizer que continuem trabalhando com muita garra e que não basta só se inspirarem no meu trabalho, se não tiverem foco, determinação, disciplina e persistência. Você quer ser um produtor de verdade? Não te limites apenas no seu talento porque hoje o talento é igual, isso quer dizer, ser talentoso e não ser esforçado, de nada servirá o seu talento, ao contrário de alguém sem talento e mais esforçado do que tu, ele apresentará mais resultados.
Nossa clássica e última pergunta: o que a música representa para você?
A música é uma arte expressada por uma combinação de sons em harmonia, ritmo e melodia, ela representa pra mim liberdade de expressão, de críticas e sentimentos.
A música conecta.