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A música conecta

Alataj entrevista DJ T. (aka Mathami)

Artistas, de maneira geral, são seres capazes de transferirem seu dom criativo por diferentes áreas de atuação e, na música eletrônica, não é incomum encontrar figuras que atuem como DJs, produtores, gestores musicais e uma grande lista de outras atividades. Porém, nem sempre vemos emergir na cena talentos com a potência de Thomas Koch. O alemão nascido em Berlim, mais conhecido como DJ T., já está na cena há mais de três décadas e não para de nos surpreender com suas empreitadas profissionais. Além de notável DJ e produtor, Koch possui anos de experiência como produtor de eventos, empresário de casas noturnas e jornalista.

Atualmente, Thomas Koch tem mergulhado cada vez mais em estudos sobre espiritualidade ao longo dos últimos anos, movimento que chegou a formar a base para o lançamento do seu sétimo álbum da carreira: Trans Orient Express. Mas foi outro trabalho que chamou ainda mais atenção da cena como um todo: Patci, single que também saiu pela Get Physical, alcançou os top charts do Beatport com sua genial abordagem melancólica.

Recentemente, ele também revelou um novo pseudônimo batizado de Mathami, o lançando juntamente com sua nova gravadora, Pura Danza. O primeiro lançamento, Figuras del Bosque, chegou ainda em setembro e, nesta sexta (12), ganhou vida o EP Arany. Ambos chegam no estilo “Ecstatic Dance”, onde a ideia é justamente dançar sem a necessidade de seguir passos específicos, se deixando levar pelo ritmo, se movimentando livremente conforme a música, levando ao transe e a uma sensação de êxtase. Dá pra entender isso um pouco melhor através deste mix lançando como Mathami há alguns meses:

Aproveitamos o gancho destes últimos lançamentos para bater um papo com a mente por trás do projeto DJ T. falando de carreira, espiritualidade e novos empreendimentos.

Alataj: Olá, Thomas! Tudo bem? Muito obrigado por participar dessa entrevista conosco, é uma honra recebê-lo aqui no Alataj. Você possui um histórico considerável na criação de projetos relevantes para a música eletrônica, entre os quais destacamos a criação da GROOVE Magazin e co-fundação da Get Physical. O que fez você deixar a linha de frente desses projetos e seguir novos caminhos? É possível dizer que a livre experimentação é seu principal motivador?

DJ T.: Trabalhei para a Groove Magazin como editor por 15 anos e quase nove para a Get Physical em múltiplas funções, após ter fundado o selo com cinco amigos em 2020. Além de organizar muitos eventos de sucesso e um club, esses dois projetos foram as maiores conquistas da minha vida. Embora fossem duas situações diferentes, ambos começaram a consumir muito da minha energia, ao mesmo tempo que me impediam de seguir em frente como artista e ser humano, então eu tive que fazer um sacrifício para dar os próximos passos em minha jornada com a criatividade e com a vida no geral.

Das diferentes atividades que você já desempenhou no universo da música eletrônica, a produção tem se tornado seu principal foco nos últimos anos. Quão importante você acredita que foi ter se aprofundado na indústria antes de começar a criar suas próprias faixas? Que conselho você daria para novos artistas que buscam começar a produzir?

Olhando para trás, eu tive que crescer como artista primeiro, como seletor, curador e DJ, para conseguir criar algo que pudesse atingir um certo nível de relevância e qualidade no estúdio. Lembro das minhas primeiras experiências com produção no final dos anos 80 e início dos anos 90. Eu estava muito motivado e os resultados foram potenciais, mas não foram bem executados. Tudo o que eu fiz na indústria musical contribuiu para esse processo de me tornar um verdadeiro artista, não apenas na discotecagem. E posso dizer claramente quando finalmente me tornei um verdadeiro artista, foi há aproximadamente 13 anos, na época eu já tocava há mais de 20 anos e produzia há uns oito. Foi quando circunstâncias me levaram a um impulso que me fez dar um salto quântico como seletor, DJ e produtor. O melhor conselho que posso dar sempre será: conheça sua própria identidade como artista, tente encontrar uma expressão autêntica que está dentro de você e não tente ser outra pessoa, não copie.

A música sempre foi fundamental em sua vida e a partir dela você descobriu uma série de outros caminhos, como o da espiritualidade. Você pode nos contar como tem sido esse processo de despertar espiritual? Houve algum evento específico que estimulou a busca por esses conhecimentos?

Pode parecer contraditório inicialmente, mas os primeiros passos da jornada espiritual da maioria das pessoas raramente vêm de um estado de felicidade, eles vêm de um certo nível de sofrimento. Sem sofrimento, sem conflito, sem dor, raramente há uma vontade de sair da sua zona de conforto, por que fazer um esforço quando tudo parece bem? Foi assim comigo, percebi que estava preso a padrões de comportamento que eram contraproducentes para minha saúde mental e física, mas eram tão fortes que entendi que teria que investir tempo e energia para superá-los . E ainda estou nesse caminho, nunca vai acabar. Um desses padrões era o vício no trabalho por mais de 20 anos e o trauma por trás disso. Não foi fácil. Agora tudo veio à tona e estou melhor nos valores da  minha vida social e pessoal, mas ainda tenho recaídas em velhos hábitos de vez em quando. Sem abraçar a espiritualidade e as curas alternativas, a vida não seria mais suportável para mim hoje em dia.

Essa sua jornada espiritual foi inclusive o fio condutor que deu vida ao Trans Orient Express. Você já tinha a intenção de transformar sua experiência na América do Sul em um álbum quando veio ou esse desejo surgiu durante a viagem? Você consegue nos contar um pouco de como foi o processo de elaboração dessas faixas?

A correlação dessas duas coisas, a jornada de anos e a produção deste último álbum do DJ T. não foi tão direta quanto sua pergunta sugere. No entanto, posso dizer que o álbum provavelmente não teria acontecido ou teria sido muito diferente sem essa jornada. Minha jornada espiritual me permitiu descobrir a arte da Conscious Ecstatic Dance durante minhas viagens ao Vale Sagrado do Peru. Este lugar se tornou o meu lugar feliz e de cura, para onde sempre voltava uma vez por ano para um período de descanso. Durante os primeiros dois anos, eu só visitei as cerimônias de dança como um convidado, até  perceber que queria me tornar o mestre de cerimônia e discotecar para eles. Fiz isso por alguns anos, então teve um momento que eu fui para o estúdio em 2018 e saiu a faixa Istanbul, que combinava elementos de Disco e Indie Dance com melodias orientais. Essa faixa fez muito sucesso e depois de fazer um EP que também ficou super legal, tive vontade de fazer um álbum inteiro com aquele som.

Em seu mais novo trabalho, o single Patci que traz uma atmosfera fascinante através de suas melodias, você apresenta uma conexão entre elementos de esferas distintas e que tornam a essência da faixa ainda mais interessante. Que referências te inspiraram durante a produção deste single?

Bom, antes de mais nada tenho que dizer que sempre fui um grande fã de Broken Beat de todos os tipos, Hip Hop, Electro Old e New School, Breakbeats, Happy Hardcore, Jungle, Two Step, etc. Quando colocamos entre parênteses as primeiras influências do mercado americano que eu abracei no início dos anos 80, e damos uma olhada em tudo o que aconteceu desde os anos 90, eu era louco por todos esses estilos que vinham do mercado do Reino Unido. Nunca decidi focar nesses estilos como DJ, mas sempre me atrevi a surpreender o público jogando  essas faixas aqui e ali durante os meus sets. Não é segredo que sou um grande admirador de Bicep, Glue é a minha faixa favorita dos últimos 10 anos e está no meu eterno top 3 de todos os tempos. Eu gosto da maneira como Andrew e Matthew ressuscitam essa atmosfera rave do Reino Unido do início dos anos 90, mas trazendo para uma nova forma no presente. E desde que Glue foi lançada, sempre quis criar minha própria versão com essa atmosfera. Finalmente, encontrei tempo e inspiração para produzir duas faixas nesse estilo, o remix para Khoeli de Momüs e meu novo single. Fazia tempo que não recebia tantos comentários eufóricos vindo de direções diferentes. Então acho que vou continuar expressando essa parte das minhas raízes um pouco mais.

Também estamos curiosos a respeito do conceito do título da faixa. Patci é uma homenagem à sua booker Patrícia, que é uma grande amiga sua também. O que te estimulou a compor esta faixa para ela?

Um dia antes de ir para o estúdio estava com ela no telefone e ela disse em tom de brincadeira: “T., quero que faça um hit de verão”. Bem, levei esse pedido a sério, fui ao estúdio e fiz o que ela me pediu. Minha ideia de um hit de verão para 2021 era exatamente essa.

Aproveitando o gancho, como tem sido para você atravessar esse período de quarentena e vislumbrar o início de uma retomada? Você chegou a criar alguma rotina especial para aliviar o impacto causado pela pandemia? Pode compartilhá-la conosco?

Teria tanto para falar sobre isso, mas ultrapassaria o espaço aqui, então vou deixar uma  resposta mais curta. Ano passado, os 12 meses entre o início do primeiro lockdown e março deste ano, foi um dos momentos mais felizes e fáceis da minha vida devido ao tempo de qualidade. Acho que passei mais tempo comigo mesmo, com amigos, na natureza e com coisas que não estavam relacionadas ao trabalho do que nos cinco anos anteriores juntos. Já sinto muitas saudades dessa época. As coisas ficaram mais tensas novamente, não só porque o trabalho está voltando aos poucos, mas também porque as tensões político-sociais em meu país me atingiram. Meus amigos mais próximos e minha conexão com a natureza estavam me salvando para não enlouquecer. 

E como você tem passado nestes meses de pandemia? Acredito que suas primeiras gigs depois do lockdown devem ter sido uma emoção ainda mais especial. Como foi a experiência de voltar a tocar em público depois desse período afastado e com a nova dinâmica de pista? 

Além de um set para um pequeno público em um festival diurno e um set em um beach club em Lisboa no verão passado, minha primeira gig aconteceu em Berlim em um local ao ar livre no final de junho. Minha impressão foi que, após o segundo lockdown, as pessoas estavam extremamente sensíveis e amigáveis umas com as outras. Foi como se as pessoas tivessem que reaprender a se encontrar e se divertir novamente.

Sabemos que você tem aproveitado o tempo em que esteve afastado das pistas para mergulhar na produção de sons identificados como “ecstatic dance”. Você pode contar mais detalhes sobre esse projeto para os fãs aqui do Brasil, além das outras novidades que estão por vir ainda nesse ano?

Ecstatic Dance, Conscious Dance, Movement Medicine ou Medicine Dance, Free Form ou Free Flow Dance –  todos esses termos significam formatos de dança que diferem uns dos outros apenas em nuances. Algumas dessas artes já existem desde o início dos anos 80. 5Rhthyms Dance foi provavelmente o formato mais influente e tem sido chamado de Ecstatic Dance desde 2000. 5Rhthyms foi desenvolvido no final da década de 70 nos EUA por Gabrielle Roth, dançarina profissional e terapeuta do movimento. Após mais de dez anos de trabalho no Esalen Institute, onde ensinou movimento e dança para seus alunos, ela colocou tudo em uma estrutura definitiva. O movimento Ecstatic and Conscious Dance em todo o mundo ainda presta seu respeito a ela. Do entendimento de dançar ou tocar (como DJ) uma onda, até o ambiente cerimonial que cria um espaço seguro para os participantes, partes do projeto de Roth ainda são aplicadas em quase todos os lugares do mundo. A maioria das cenas de Conscious Dance nos anos 80 e 90 ainda era usada para dançar ao som de música ao vivo, que apresentava principalmente instrumentos gravados ao vivo e ainda tinha seus ressentimentos em relação ao movimento da música eletrônica que estava por vir. Isso finalmente mudou quando Max Fathom, DJ da cena de Austin, fez uma parada no Burning Man em 2000, antes de chegar a Kalani no Havaí.

A história conta que, inspirado por todos esses estilos musicais (Techno e Trance) que tinha ouvido no festival, Fathom organizou o que os livros de história chamam de evento de nascimento do Ecstatic Dance na maior ilha do Havaí. A partir daí, a onda do movimento recém-nascido se espalhou para o mundo. Depois que eu descobri a Ecstatic Dance no Peru, demorei dois anos para começar a frequentar a essas danças na minha cidade natal, Berlim. Desde então, as coisas mudaram muito rápido. Nos últimos três anos, toquei em aproximadamente 50 Ecstatic Dances na Alemanha, Suécia, Turquia, Espanha, Polônia, Holanda, México, Peru e Panamá. Depois de me tornar um DJ conhecido na cena ED e colecionar experiências, senti que era o momento certo para os próximos passos. Desde o primeiro lockdown por causa de Covid, eu comecei a produzir todos esses estilos diferentes que toco nas Ecstatic Dances e nos últimos meses montei um novo projeto para lançar sob o nome de Mathami, bem como uma nova gravadora chamada Pura Danza. Este selo será o primeiro desse estilo e iluminará o vasto espectro de estilos que são tocados no mundo da Ecstatic Dance, não haverá fronteiras musicais.

Para finalizar, uma música clássica que perguntamos a todos os nossos entrevistados: o que a música representa na sua vida? Obrigado!

A música é o amor da minha vida, a única coisa em que sempre posso contar para estar lá por mim, para animar, para trazer esperança e alegria. É meu abrigo, meu ensinamento, minha ferramenta de transformação e crescimento espiritual, minha linguagem para divertir os outros.

A música conecta.

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