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A música conecta

Alataj entrevista Ellen Allien

Fazer uma introdução para uma entrevista como essa parece ser algo realmente desafiador, assim como foi pensar nas perguntas, mas não poderia ser diferente, já que estamos falando de Ellen Allien. Se pudéssemos elencar os artistas no cenário mundial que são fora da curva e ao mesmo tempo pioneiros em suas atividades, com certeza o nome dessa mulher estaria no topo da lista. 

Essa personagem “não-tão-terrestre” como nós esteve sempre à frente do seu tempo e se o mundo era um lugar inóspito para uma mulher ser DJ e produtora, essa pioneira do Techno nem pestanejou. Típica alemã no bom estilo “cabeçuda” de ser, adjetivo usado para nos referirmos àquelas pessoas que são duras na queda, ela é bem assim, basta ler suas respostas. Direta e reta, obstinada e disruptiva, é multi-task e multi-skills com uma sede sem fim pela música e pela arte.

Sua devoção ao Techno durante todo esse tempo a transformou em um símbolo do estilo de Berlim para o mundo. Seu portfólio musical é admirável, mas o que mais surpreende é sua fonte inesgotável de criatividade para criar. Prova disso é seu último álbum AurAA, lançado em junho desse ano, e Alientronic, de 2019. Sim, é Techno berlinense, mas não subestime Ellen Allien, como já falamos aqui: ela sabe pegar o velho, o novo e o diferente para entregar algo que sempre surpreende de algum jeito.

Além do legado sônico que reverbera pelo mundo entre gerações, ela abriu sua própria gravadora, a BPitch, com uma curadoria afiada e um viés criativo que casa o musical com o visual em abordagens singulares, se tornando uma referência no mercado. Ainda encontrou tempo e energia para se envolver com outro selo, moda e outros projetos musicais, isso sem contar suas incontáveis gigs pelo globo — na América Latina intermediadas pela Liminal — antes desse break pandêmico.

Sem sombra de dúvidas, é mais um fruto que Berlim trouxe ao mundo através da metamorfose política, social e cultural que eclodiu quando aquele muro veio ao chão. Ela pode realmente não ser de outro mundo, mas não poderia ter brotado em lugar mais compatível. Mas sinceramente, sem mais delongas aqui, é hora de abrir espaço para essa entrevista tão esperada. Enjoy!

Alataj: Ellen, que honra! Tudo bem? Muito obrigada pela oportunidade. Você tem uma carreira consolidada, dinâmica, com vários desdobramentos: arte, música, moda, mercado fonográfico, comportamento… você é imparável. Essa energia claramente faz parte da sua essência. Não tem como não querer saber do seu passado: Como tudo começou? Sua vida em Berlim, festas, o que te conectou à música eletrônica…

Ellen Allien: Olá! Prazer em conhecê-los! Estou em Berlim agora, vivendo meu sonho berlinense. A música sempre foi minha paixão. Quando o muro de Berlim caiu a cena clubber foi o ponto de encontro do Oriente e Ocidente. Techno foi a trilha sonora da nova Berlim e ainda é. Foi aqui que desenvolvi uma forte conexão com a música eletrônica. Criei meu primeiro selo musical em 1994 e a BPitch, que ainda é um dos selos de Techno mais relevantes, em 1999. Em 2018, fundei outro selo chamado UFO INC para sons de Raw Techno. Ao longo dos anos, organizamos festas em diferentes clubs e armazéns. Dois anos atrás, encontramos um novo lar no club berlinense Griessmuehle, onde fazemos nossas festas We Are Not Alone – 36 horas de festa sem parar. É um club underground incrível. Infelizmente, eles tiveram que fechar no início do ano, mas encontramos um novo lar. Espero que possamos todos dançar juntos novamente em breve. 

Você é viciada por música, como já disse em diversas entrevistas. Sabemos que o nome Kraftwerk está na sua lista e, bom, estando em Berlim, a gente acaba pensando na cultura do Techno e como isso te moldou. Quem mais te inspirou nessa jornada? Algum mentor ou experiência que tenha te marcado? O que você acha que a cultura da música eletrônica em Berlim tem para dizer ao resto do mundo?

A música é minha forma de me libertar e sonhar. Adoro dançar para sentir meu corpo mais forte, principalmente com Techno, porém também adoro shows. Kraftwerk e Neue Deutsche Welle me moldaram, por exemplo. Bandas como Fehlfarben, Ideal e Daf. No Techno, Jeff Mills, Derrick May e Richie Hawtin. Eles tocaram no mesmo club que eu, Tresor, lá eu os vi mixar. Future Sound of London, Warp Records e Space Teddy Records também tiveram influência sobre mim. Nos clubs Tresor e Planet Berlin, dancei meu estilo pela primeira vez. No começo, não parecia tão fácil mexer meu corpo com a batida. Depois de um tempo, apenas fechei os olhos e dancei por horas. Fui em clubs de Techno, pois me sentia melhor como mulher. Nenhum cara estúpido tentando chegar em mim de uma forma rude ou tentando me tocar. Foi lá que conheci as pessoas certas com queria sair. Ainda é assim! A cena clubber de Berlim é onde todos se reúnem. É aqui que nascem as amizades, relacionamentos, ideias e negócios. Não importa sua idade, cor da pele ou orientação sexual. 

Temos muitos leitores envolvidos com música eletrônica aqui e quando temos a oportunidade de entrevistar uma artista com uma carreira tão renomada como a sua a gente precisa cair em clichês como: O que poderia dar de conselho a todos os artistas da nova geração?

Encontre o seu próprio som e viva os seus sonhos. Precisamos de sonhos e, se você é um artista, encontre uma forma que você possa criar e explorar suas fantasias. Ative-as o mais profundamente que puder. Leva tempo para aprender coisas técnicas, mas quando você domina isso, torna-se um prazer criar tanto com software ou hardware.

Aproveitando esse gancho da “nova geração”: o que do passado você sente falta no universo da música eletrônica, seja técnica, música, gênero ou comportamento? Afinal, você viveu o meteórico Love Parade e aquilo realmente foi algo único, já que o mercado era totalmente diferente, bem como o uso da tecnologia. O que hoje de mais atual te fascina?

Para mim, é uma grande jornada de vida entre a música e eu. Adoro olhar para trás ou viver no futuro ou no aqui e agora. Para produzir, estou usando sintetizadores antigos e novos modulares ou novos plugins e efeitos. Eu amo que seja possível tocar Techno em todo o mundo. Existem muitos promoters bons e excelentes em um nível muito alto, com produções incríveis. A música tem o poder de me levar para longe. O Covid-19 parou tudo, então comecei minhas sessões em casa no Instagram Live, além outras transmissões, apenas para manter a música viva e compartilhar boas energias com as pessoas. A música pode ser tocada em qualquer lugar. Hoje confirmei um DJ set em uma manifestação em Berlim para salvar a indústria das festas e eventos.

https://www.youtube.com/watch?v=sb2JAYnE6ec

Nós, mulheres, sabemos que nossa energia para conquistar precisa ser sempre mais intensa, ainda somos muito subestimadas no mercado. Você começou em um tempo onde o ramo era bem mais masculinizado que hoje, ainda mais no Techno, sendo uma das pioneiras nisso. Como foi essa trajetória para você enquanto mulher? 

A coisa mais importante para mim foi me conectar com as pessoas — produzindo e tocando as músicas que gosto. Meu foco é sempre a música. Nossa equipe na BPitch sempre foi uma mistura entre mulheres, homens e gays. Para mim, é importante trabalhar com diferentes energias. O mesmo acontece na vida noturna em Berlim. Cresci com gays, lésbicas e pessoas heterossexuais em busca de algo diferente. Tentando construir sua própria ilha em Berlim e tentando criar coisas. Não foco minha energia em pessoas que não conseguem lidar com mulheres… 

Vendo seus videoclipes e acompanhando seu trabalho com a moda, notamos que você busca sempre mesclar estes dois mundos. Você inclusive coloca essa abordagem nos projetos da sua label, a BPitch Control, que tem um cuidado especial na curadoria artística. Quais são os diferenciais que você busca na sua gravadora? Como você procura trazer a música para o universo da moda?

Estou em busca de artistas talentosos que compartilham do mesmo estilo de vida. Meu foco não é a moda — é mais um estilo de vida real que compartilhamos. Estamos em Berlim com sua enorme cultura clubber. Após o lockdown pelo corona, alguns eventos estão abrindo lentamente, com assentos ou ao ar livre. O número de casos está subindo um pouco. Não sei quando irão fechar novamente. Estamos tentando encontrar os designers certos, que se comunicam e espalham nossa visão e pensamentos. Na arte visual, estamos buscando a linguagem de imagem que reúna as culturas e mostre a liberdade que procuramos. 

Com tantos anos de carreira e boa parte do tempo em gigs internacionais, não podemos deixar de perguntar como você faz para conciliar tudo. Afinal, são horas de voos, conexões, hotéis, pessoas, horários de cabeça pra baixo… Qual sua maneira de buscar equilíbrio e manter a mente e corpo saudáveis sem se sobrecarregar?

Meu vício e paixão me movem. Não me importo com as viagens. Tocar e viajar são meus hobbies, a forma como quero criar minha vida. Construir uma energia com a música em diferentes lugares é um grande prazer. Ouvir uma linha de baixo mono em um novo local e brincar com sons e luzes. É uma alegria ver as pessoas na pista de dança e construir uma conexão com elas. Música é minha droga. Música é minha vida. 

O Brasil tem um forte apreço pelo Techno, hoje temos um número expressivo de coletivos em diversas partes do mapa se dedicando inteiramente a cultura underground. Você coleciona inúmeras gigs em solo brasileiro e certamente tem muitos fãs por aqui. Como você interpreta a cena brasileira e o que você acha que temos de diferenciais quando se olha de fora? Algum artista ou movimento que você admire?

Sim, toco no Brasil há muitos anos. A cultura clubber é forte e muito divertida! Grande cena gay e muitos músicos. Gosto de artistas como Renato Cohen, Cashu, Amanda Mussi, Davis Genuino, Renato Ratier e Adnan Sharif.

Estamos passando por uma fase global quase que inédita, muito atípica. Aparentemente há um convite para todos nós revisarmos nosso hábitos e pensamentos. Enquanto estamos nesse limbo, a música tem sido uma das fontes ansiolíticas para salvar as pessoas em casa. Ela é uma fonte poderosa de conexão, não é mesmo? Como você enxerga seu papel nesse lugar? O que você procura transmitir e como tem sido seu processo criativo diante disso?

Tempos muito difíceis, de fato! Me deixa muito criativa e me mantém procurando compartilhar energia todos os dias. Estou tentando encontrar formas de compartilhar músicas que nos façam voar e não nos sintamos sozinhos com a dor. Acabei de lançar meu novo álbum AurAA e fiz algumas transmissões e podcasts. Apresentei meu primeiro live híbrido na TV Tower de Berlim. Você pode encontrar o vídeo no meu YouTube ou Facebook. Também coletamos música de diferentes artistas em todo o mundo, que lançaremos com o nome We Are Not Alone. 

Para finalizar, uma pergunta pessoal. O que a música representa em sua vida?

Música é a minha vida! 👽

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